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  • Da redação

Madrasta que estuprou e abusou de enteados de 6 e 8 anos é condenada a 21 anos de cadeia no regime


Uma mulher de 52 anos foi condenada a 21 anos de cadeia em regime fechado por estuprar dois enteados menores, com idades de 6 e 8 anos. Um dos personagens deste caso reside em Marília, pois veio para cá para estudar numa escola agrícola da região. A irmão dele também se mudou para Marília, para cuidar do irmão mais novo.

O caso dos estupros ocorreu entre os anos de 2005 e 2006 na cidade de Ribeirão Pires (região metropolitana de São Paulo), teve o processo iniciado em 2011 e somente agora sentença do juiz Walter de Oliveira Júnior.

O CASO

A acusada, G.G.M, que na época tinha 38 anos de idade, foi denunciada como incursa no artigo 217-A do Código Penal (manter relação sexual ou praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos), por duas vezes, nos termos do artigo 69, do Código Penal.

Conforme os autos, no período compreendido entre o ano de 2005 e 2006, nas dependências do estabelecimento comercial da família, na cidade de Ribeirão Pires, teve conjunção carnal e praticou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, a saber, seu enteado M., à época com 8 anos de idade.

Consta também que, em data incerta, mas a partir do ano de 2008, na Rua Natal Perilo, na cidade de Rio Grande da Serra, a denunciada praticou ato libidinoso com menor de 14 anos, a saber, seu enteado J..

Recebida a denúncia em 26/01/2015, a ré foi citada e ofertou defesa preliminar. Confirmado o recebimento da denúncia, foi designada audiência de instrução, debates e julgamento, ocasião em que foram ouvidas as vítimas, S.M.V., três testemunhas de acusação, duas testemunhas de defesa e por fim a ré foi interrogada.

Encerrada a instrução criminal, o Ministério Público pediu a procedência da ação penal, nos exatos termos da denúncia. A defesa, por seu turno, requereu a absolvição, sustentando que as provas são precárias para sustentar o édito condenatório".

O JUIZ DECIDIU

"No mérito, a pretensão punitiva é procedente. A materialidade do crime de estupro de vulnerável em relação às vítimas M.. e J.. restou comprovada por meio do Boletim de Ocorrência (fls. 03/05), pelo Laudo Psicológico Imesc (fls. 92/103), Relatório Escolar (fls. 104/106), além da prova oral colhida. A autoria também é inconteste, diante da prova oral produzida. Em seu depoimento em Juízo, a vítima J.. disse: “A L. praticava ato libidinoso comigo. Quando meu pai não estava por perto ela obrigava eu a fazer coisas e mexia em minhas partes. Ela me levava no quarto. Meu irmão não estava em casa comigo. Meu irmão saía com meu pai para vender produto de limpeza, eu ficava sozinho e ela mexia em minhas partes e obrigava eu fazer coisas com ela.

VÍDEOS PORNOGRÁFICOS

Obrigava a fazer coisas com a boca, com minhas partes. Eu tinha oito para nove anos. Como tinha vídeos em casa, essas coisas e ela colocava também, eu sabia um pouco, não que era uma relação sexual, isso não passava muito bem na minha cabeça. Ela costumava assistir vídeos pornográficos na minha presença.

Quando essas coisas ocorriam, meu pai nunca estava em casa. Pode se dizer que ela colocava vídeo de propósito para eu assistir, era para me mostrar. Eu não sabia o que era sexo, foi a primeira vez que tive contato. Eu não sabia que meu irmão tinha passado por isso. Cheguei a saber um dia em que a gente estava conversando e ele tocou no assunto. Foi quando a gente decidiu contar para meu pai. Meu pai não acreditou e então a gente procurou a escola. Isso afetou minha vida.

Eu tenho muita dificuldade de conversar com outras pessoas, confiar em outras pessoas, por causa disso. Hoje até estou mais sociável, mas antes não gostava de falar com ninguém. Minha psicóloga melhorou bastante isso em mim. Mesmo hoje não consigo ter uma relação normal com outras pessoas.

Eu não confio em ninguém, confiei nela e a confiança foi traída de certa forma. Quando eu só fazia visitas isso não acontecia, passou a acontecer quando fui morar lá porque minha mãe estava com problema de câncer, tumor. Eu tinha medo de contar para minha mãe por causa dos problemas dela.

Eu achei que ia ser pior porque ela já estava sofrendo com a doença. Ela falava que se eu contasse para o meu pai ele ia me bater. Meu pai quando pega para bater ele não é de muita cabeça, batia sem pensar mesmo. Quando tinha necessidade ele batia, só que quando ele batia ele não tinha cabeça de corrigir né. Batia até se sentir satisfeito, pode se dizer. Batia até achar o quanto era necessário. Eu nunca tive problema com a tia, minha mãe também não. Ela teve problema com minha mãe, talvez por ela ser a terceira no relacionamento, mas isso não me afetou. A briga deles era indiferente para mim. Eu e meu irmão as vezes discutíamos mas coisas de irmão, todo irmão briga. Houve mais brigas durante o episódio.”

No mesmo sentido, a vítima M., relatou que: “ Tenho 19 anos, minha mãe faleceu eu tinha 10 anos. Morava com minha mãe, quando ela faleceu fui morar com meu pai que já vivia com L. Passei a conviver com eles quando ele tinha um sacolão e frequentava a casa deles em finais de semana ou quando tinha feriado.

Ela praticava ato sexual comigo. Ela me obrigava a manter relações sexuais com ela. Tinha por volta de seis a oito anos, foi nessa faixa que decorreu. Ela me obrigava a manter relações sexuais com ela, a fazer penetração nela. Eu não contava para minha mãe por causa de medo. Toda vez que ia na casa do meu pai isso acontecia. Por aproximadamente dois anos.

Quando eu tinha dez anos fui morar com ele e aconteceu mais uma vez. O meu irmão não sei exatamente em qual faixa de idade começou. Foi por meio de conversa que eu descobri isso e dei um basta, chamei meu pai para uma conversa e contei pra ele. Ele me chamou de mentiroso, quando a L. ouviu entrou no meio e começou a maior briga aí quando eu peguei meu irmão e fui para a escola e contei para o Wi., contei para a D. a diretora que estava lá no dia.

Antes disso eu não tinha contado para ninguém e para meu pai eu contei no dia que eu fui na escola e conversei com o W. e com as Conselheiras Tutelares. Meu pai não acreditou, começou a me chamar de mentiroso e falar que eu estava inventando tudo isso. Foi a última vez que eu falei realmente com ele, porque depois poucas vezes eu vi ele e quando vejo trato ele como uma pessoa normal, como um conhecido só.

NÃO TINHA NOÇÃO DO QUE ERA SEXO

Quando sofri abusos, comecei a ter dificuldades com tudo, me isolava muito, ficava muito na minha, não conversava direito com as pessoas, era a questão do medo né. Ela tirava minha roupa, praticava os atos e mandava eu ficar quieto. Quando começou eu não tinha noção do que era sexo e nem sabia o que ela estava fazendo. Esses fatos aconteceram na casa do meu pai quando ele tinha um sacolão e tinha uma casa nos fundos.

Era no quarto, quando meu pai estava no sacolão ou quando ia fazer as compras para o sacolão. Ele ia no Ceasa e eu ficava sozinho com ela e ela obrigava eu a fazer essas ações com ela. Nesse período em que aconteceu comigo nem sempre o J. ia, porque ele passava mais tempo com a minha mãe e eu com meu pai e eu ficava mesmo sozinho com ela.”.

A Testemunha W, relatou: “Sou vice diretor de escola onde as vítimas estudaram. Me recordo de quando eles me procuraram para relatar os abusos. Em uma certa ocasião o mais velho me procurou, queria falar comigo em particular e relatou o que estava acontecendo, que estava sendo abusado sexualmente pela madrasta. Eu resisti um pouquinho em acreditar na situação, comecei a fazer mais perguntas para ele, quando eu vi que tinha algo mais de concreto, no mesmo dia, eu tomei a decisão de chamar o Conselho Tutelar. Antes disso ele também trouxe o irmão que também falou a mesma coisa. Eu os ouvi primeiramente separados e depois ouvi os dois juntos. O que eu achei de mais concreto foram os detalhes da situação, ele não chegou a falar como acontecia, mas falou que estava sendo abusado sexualmente.

Eu perguntei se muitas vezes, eles falaram sim; perguntei porque não relataram isso antes para o pai, e ele disse que tinha falado para o pai, só que ele não acreditou. Eu não ouvi detalhes, talvez tenham sido relatados para a conselheira, que foi a pessoa que de imediato começou a cuidar do caso. Eu não notei neles comportamento diferente, apenas dificuldades no aprendizado. Os dois tinham dificuldades, um certo bloqueio, muitas dificuldades no aprendizado.

Os pais eram chamados frequentemente. O pai era chamado não muitas vezes, mais a madrasta que cuidava mais dessas situações. Da parte pedagógica, quando nós tínhamos problemas, até mesmo indisciplinas, era a madrasta que ia lá. Eram problemas normais para a idade, era mais dificuldade de aprendizado. A escola não tomou conhecimento quando a mãe tinha falecido.”.

A testemunha I., falou que: “Fiquei com a guarda deles e estou até hoje. Eles passaram aos meus cuidados em 2011, quando o conselho chegou com eles em minha casa e pediu se eu podia ficar com eles porque estava acontecendo alguma coisa com eles.

Na época eles moravam com o pai e com a madrasta. Tive conhecimento na noite em que o conselho chegou com eles em casa e relatou o que estava acontecendo e eles já ficaram lá comigo. Conversei com eles sobre o assunto e diziam que ela tinha abusado deles. O M. disse que desde criança e em 2011 estava com 13, 14 anos. Ele disse que ela praticava sexo com ele desde que era criança. O irmão mais novo, agora com 16 anos, tinha 11 anos e relatou que foi quando ela começou a mexer com o J; é que o M. tomou a atitude de contar o problema. O M. contou na escola para o diretor e o J. também.

Pra mim eles falaram, foi o mesmo que aconteceu com o M., que ela praticava sexo com eles, conjunção carnal. Agora meus sobrinhos estão bem, o M. está trabalhando, não me da trabalho. Quando chegaram em casa foi um período de revolta, revolta para eles, meio depressivos.

Com o tempo foram se firmando, muito carinho com eles, muita paciência. Hoje eu digo que eles estão bem. Os dois fizeram tratamento. Não foi muito tempo não, o M. chegou a fazer duas vezes, com psicólogo e terapia em grupo. O J. foi menos, foi dispensado logo também.

Não sei se havia motivos para inventarem isso. O M. sempre foi mais revoltado que o J., desde que estava junto com a mãe ele era de natureza um pouco difícil, muito nervoso e volta e meia dava probleminha na escola que tinha que resolver.

Desde que nasceu o M. sempre foi mais problemático mesmo. A violência é normal de dois irmãos que se desentendem em casa de vez em quando. Eles vivem normal como irmãos.

A testemunha .K, disse: “Lembro do caso mas não me recordo muito bem da história, lembro que era um caso de abuso sexual. Lembro bem vagamente. Me lembro do caso mas não de detalhes, até porque passou muito tempo e a gente tenta deletar certas coisas para não ficar pesando.”.

O DEPOIMENTO DO PAI DOS MENINOS

A Testemunha de defesa F., genitor das vítimas, disse: “Sou pai das vítimas. Não fui informado pelos meus filhos que eles estavam sofrendo abusos e nunca conversaram comigo sobre o assunto. Tem mais de quinze anos que vivo com a L. Quando fui morar com ela, a mãe das crianças era viva e eles moravam com a mãe. A gente tinha um sacolão e às vezes, algum fim de semana, eu levava eles em casa.

Era muito raro os meninos ficarem sozinhos com ela porque não tinha como estar deixando eles muito sozinhos, porque quando a gente ia buscar era fim de semana e fim de semana a gente estava em casa. Eu trabalhava no sacolão, mas estava todo mundo junto né. Não tem quartinho no fundo.

Devido o histórico do M., o histórico dele desde pequeno, fica difícil de qualquer pessoa que conheceu, quem já viveu. O histórico dele, desde nascença, ele nasceu de seis meses e meio, ficou 45 dias no hospital. Além de prematuro apareceu vários problemas de saúde nele, então a mãe ficou com ele 45 dias e no decorrer da vida a gente percebeu que a cabecinha dele, não é...ele tem deficiência em tudo, não falava, não conseguia escrever, depois ele escrevia e não lia, ele não conseguia e era uma briga muito grande, a gente lutando para...

Ele passou várias vezes por psicólogos, aí foi constatado que ele tinha problema, eu não sei dizer porque quem acompanhou ou foi a mãe ou ela, mas foi constatado que ele tinha distúrbio.

Até hoje, ele está com 18 anos, mas se parar para conversar com ele você percebe que as conversas dele...não tem uma conversa assim....O irmão, eu até defenderia um pouco o irmão, mas o que acontece, ele espancava muito o irmão, ele espancava demais esse menino.

Porque na época, nós morávamos em um barraco de madeira e a gente chegava a se assustar porque ele batia, dava murro mesmo, pancada violenta nesse menino. Aí que está o problema, como que vai fazer para não permitir. Quando eu tentei começar a botar uma rédea, eles foram no conselho e aí veio um monte de gente para cima da gente, questionando. Eu mesmo, teve situações que para não apanhar dele cheguei a levantar senão apanhava.

Eu não acredito nesses abusos. Eu acredito que ele foi coagido, sob ameaças do M., porque quando eles moravam com a gente e foram embora, as facas sumiram todas. É que ele ameaçava matar eu e ela, ele ameaçava a gente de morte, dizia que ia matar eu e ela.

Quando eles foram embora, depois nós sentimos falta das facas e ela achou um monte de faca escondida. Ele escondia. Eles moram com as tias, na verdade é assim, quando eu me envolvi com a mãe deles, eles já moravam com as tias; quando nasceu, nasceu junto com as tias, então basicamente elas criavam né. Depois a gente se separou, foram embora para o Rio Pequeno, foi onde ás vezes buscava eles de fim de semana para ficar com a gente.

MUDANÇA PARA MARÍLIA

Agora só está o J., o M. nem quer ficar mais em casa, não respeita as tias, não acata ordem. Ele é do jeito dele,, tem que ser do jeito que ele quer e a tia não aceitou porque ele queria fumar dentro de casa, queria beber cachaça, queria usar droga e pegaram ele, foram buscar ele na C&A trabalhando e ela teve que ir lá buscar ele. Ela não aceitou porque ela é uma pessoa rígida sabe, e o M. não aceitou. Tanto que ele está pela rua, foi-se embora, nem sei onde está. Diz que agora ele arrumou uma mulher no bairro vizinho e está junto com essa mulher que eu também não conheço, não sei quem é.

Ele morou comigo quando a mãe morreu. Fomos e pegamos os três. Eles já moravam aqui com as tias. São três, tem um mais velho, que já é pai hoje. Esse mais velho em Marília. Do lado de Marília, eu mandei pra lá em um colégio interno, desses de abrigo, que mora no colégio e final de semana minha filha dava assistência, né.

Antes da mãe deles falecer já tinha um acordo com a minha filha de levar ele pra lá para estudar. Ele estudava agronomia, estudava na escola e fazia cursos. Nessa época eu ainda tinha o sacolão.

Eu fiquei sabendo que eles nunca aceitaram o fato de eu viver com ela, trocar, no caso, a mãe deles por ela. Eles nunca aceitaram. Mas eu acredito que o pior disso tudo foi que houve uma época que eu precisei me ausentar para trabalhar e ela que ficou cuidando e eles não acatavam a ordem dela.

Chegou a ponto de o M. estar levando o J. , na época em que o mais velho não estava, a se envolver com pessoas da rua. Tive até que abandonar o serviço no Mato Grosso e vir embora por causa disso, para cuidar deles.

Fiquei oito meses lá trabalhando. Eu tinha material pornográfico, eu tinha DVD né, mas depois que a mãe deles morreu nós desfizemos desse sacolão aí viemos para casa trabalhar com produtos de limpeza na rua e por várias vezes a gente trancava, mas era um barraco, não tinha segurança.

Por várias vezes quando a gente chegava estava televisão quente, DVD quente, o aparelho quente porque eles pegavam para assistir entendeu, é isso, eles pegavam escondido.”.

A testemunha P., disse que: “Conheço a L. desde criança, quando os pais dela moravam no Rio Pequeno, ele trabalhava na fábrica e a gente morava no fundo da fábrica. Conheço de infância praticamente. Conheço ela desde pequenininha. Não convivi com eles, conheci quando moravam juntou lá na Pedreira. Teve uma vez que percebi um comportamento estranho da vítima.

O pai estava trabalhando no Mato Grosso e foi eu e a comadre lá fazer uma visita e um dos moleques estava meio alterado com ela, dizendo que ia matar ela, falando um monte, inclusive eu até segurei e acalmei ele. Parecia até que estava com o demônio no corpo. Era o mais novo. Para dizer a verdade ele até desmaiou viu. Os três estavam em casa.

Para dizer bem a verdade eu não lembro o nome do mais velho, do mais novo, do meio, eu sei que era o mais pequeno. Não sei se algum deles tem problemas. Nunca vi nada fora do normal sobre o relacionamento deles com a L..”

Na fase policial, por ocasião do interrogatório, a acusada relatou que convive há onze anos com o genitor das vítimas e com a morte da mãe eles ficaram aos seus cuidados, sendo que já tinham convivência aos finais de semana e férias. Informou que as vítimas se diziam insatisfeitos e queriam conviver com outros familiares.

Alegou que J. era mais dócil que M. e que não aceitavam as orientações e que não sabe o motivo de alegarem tais fatos. Relatou também que as vítimas tinham um quarto só para eles, tinham privacidade e todos os cuidados necessários.

Informou que em sua casa existiam filmes para adultos e que ficavam guardados e, se as vítimas pegaram, foi escondido. Alegou que jamais abusou sexualmente das vítimas e acredita que inventaram tudo isso para irem embora morar com as tias por parte da genitora deles.

Em Juízo, a acusada também negou os fatos, afirmando, em apertada síntese, que: “Eu não pratiquei os atos descritos na denúncia. Em nenhum momento. Não sei porque eles estão falando sobre esses fatos. No momento não sei relatar nada, porque quando eles foram morar comigo, realmente eles sempre falaram que não queriam morar lá na Pedreira.

Eu perguntava porque e eles simplesmente falavam que gostavam de morar na casa das tias. Eu falei para eles falarem com as tias porque eu não posso obrigar elas a ficarem com vocês, porque elas tem a vida delas.

O M. falou que ia fazer de tudo, até coisa errada para poder ir para lá. Tanto é que várias vezes fui chamada na escola, vim várias vezes no Conselho Tutelar, porque era chamada. Ele aprontava, matava aula, ia usar droga e tudo o mais. Eu cheguei a entrar no meio de uma roda de gente que estava querendo dar uma surra nele, porque ele saiu com uns comentários que tinha pego uma menina, feito coisas erradas com a menina, e os amigos dessa menina foi pegar ele lá na escola, porque até então ninguém achava isso certo. Ele tinha dez anos.

Eu tirei ele do meio da turma e procurei saber o que tinha acontecido, só falaram isso e falaram que iam pegar ele. Antigamente a casa era de seis cômodos separados por madeirite. Tinha meu quarto, o quarto deles, o banheiro, um quartinho de ferramentas, a cozinha e a sala. Eles não dormiam no meu quarto. Eles não tinham acesso aos DVDs porque ficavam no meu quarto, só que no meu quarto tinha a porta mas não trancava e nós dava um jeito de passar um cadeado, mas várias vezes chegamos e eles tinham mexido. Tinha computador também e quando eu entrava para ver e olhava o histórico, tinha coisas erradas lá que eles tinham visto, no período em que a gente não estava em casa. Eu não entendia muito de computador e pensei até em bloquear essas coisas e depois dessas situações pedi para um conhecido meu bloquear. O pai não batia, ele era muito de conversar, mas o Mauricio era de enfrentar. Ele vinha mesmo para cima, tanto que ele pegou um pedaço de ferro enorme e foi para cima do pai dele, como o mais velho também fez isso. Se o pai não tivesse saído fora tinha pegado na cabeça do pai e tinha matado. Sou vinte anos mais nova que meu marido. Tenho diferença de dezesseis anos do Mauricio. Não era comum eu ficar sozinha com ele em casa porque normalmente... tem uma vizinha minha que faço faxina para ela e normalmente sempre estava na casa dela. Como ela era doente, na maioria das vezes eu sempre estava lá. A gente saia para trabalhar e os meninos ficavam em casa. No ano passado, um vizinho meu falou que iam na delegacia dar parte do Mauricio porque ele saia difamando dois moleques lá da rua. O pai do menino foi pra cima dele aqui na Vila Lopes, chegou a ir atrás para poder conversar com ele, então quer dizer, ele fazia muita contenda. Tem uma menina que ele namorou, há um ano atrás, lá na Pedreira, ele também saiu difamando a menina e assim, ele falou que ficava com a menina mesmo né, só que quando eles estavam juntos, a família toda estava reunida na casa, então não tinha como. Sem contar que esses dias, antes dessa última audiência que eu tive, ele até foi lá no mercado, e estava justamente com uma pessoa que tinha sido pega já roubando no mercado várias vezes. Tanto é que quando eu vi, o segurança do mercado que eu trabalho pegou e perguntou se eu conhecia ele. Eu falei que ele eu conhecia e que era filho do meu marido. Aí ele falou que ele estava andando com o rapaz que foi pego aqui várias vezes, sem contar que não está com serviço nenhum. Também ele parou no mercado e me falou que estava morando lá perto, que estava bem e que queria fazer uma faculdade, perguntou o que eu achava disso. Eu ainda falei, nossa, quer fazer, lute por isso. Ele começou a falar que quer comprar um carro, assim, ele tem hora que fala as coisas e ao mesmo tempo já muda para outra coisa.

Também pelo fato do irmão mais velho estar fazendo faculdade agora, e trabalhando, ele falou que quer ser igual o irmão, só que quer ter as coisas melhores que o irmão. Ele sempre foi uma pessoa de querer sempre mais e mais. É difícil. Tanto é que tem uma menina que mora lá na vila que conhece ele, ela está trabalhando no mercado no momento, agora, ela falou que viu ele lá envolvido com umas coisas erradas, mas eu não...

O J., acho que foi coagido a fazer alguma coisa também, porque o J. tá, eu até mostrei, não lembro se foi para a polícia que foi lá buscar as roupas dele, ou se foi para a mulher do conselho, que eu não lembro quem foi que subiu. Só sei que estava escrito com a mão do J, “M. me bateu” e a data, e estava um relacionamento, ele escrevendo com a própria mão dele.

Quando eu falava que ia falar para o pai dele dessa situação, eu mostrava que a letra era do irmão e não minha, ele falava assim, “Você não é doida, eu mato você”. Tanto é que um dia, eu dormindo na sala, porque eu fiquei até mais tarde assistindo televisão. Nesse dia eu comecei a varrer a sala e deixei a vassoura perto do sofá mesmo, de repente, do nada, o M. com uma faca em cima de mim. Só deu tempo de eu levantar e perguntar para ele porque aquilo. Ele simplesmente começou a chorar, chorar, pediu desculpas, saiu e foi dormir. Eu não entendi nada, foi quando eu peguei, passou em psicólogo, foi na Apae de Rio Grande e a psicóloga falou que ele tem um distúrbio sim, só que todas as atividades que dava para ele via assim, que tudo dele é matar, ele queria ser polícia, tudo dele é ser polícia, quer matar, matar e matar, só isso.”.

SEM, CREDIBILIDADE

Porém, referida versão não é digna de credibilidade, vez que isolada e desacompanhada de qualquer demonstração probatória de veracidade. E, ao contrário, a prova colhida em juízo confirma os fatos narrados na denúncia. Com efeito, as vítimas, ouvidas após cinco anos, confirmaram a ocorrência do crime e identificaram a acusada como sendo a responsável, em nada divergindo do quanto dito na fase policial.

A responsável legal das vítimas corroborou as informações trazidas e a testemunha W. relatou os bloqueios que as vítimas apresentavam no período em que sofreram os abusos. As testemunhas de defesa não presenciaram os fatos e se limitaram a tecer considerações acerca dos antecedentes da ré e relatar fatos para desmerecer a palavra das vítimas.

O Laudo Psicológico apontou que em entrevista, a vítima J. mostrou-se espontâneo, cordial e colaborador. Realizou todas as atividades propostas. Apresentou discurso organizado e fluente. Mostrou-se orientado no tempo e no espaço, além de capaz de informar seus dados pessoais.

Sobre os fatos imputados, apontou o perito que o examinado apresentou relato organizado, detalhado e coerente com as informações presentes em seu Termo de Declarações - sem acréscimos ou distorções.

Durante o seu relato, o examinado demonstrou sinais de desconforto e de constrangimento...Sobre a tia guardiã afirmou-se que esta acredita nos fatos imputados, pois quando as vítimas residiam com a madrasta e o pai mencionavam ter acesso a "filmes pornográficos", presenciavam "cenas de sexo entre o pai e madrasta" e até mesmo "a madrasta recebendo outros homens na casa". "Eles achavam graça"....

Em conclusão apontou o perito que não se notou eventual instrumentalização de sua vontade por terceiros, explicitando a possibilidade de ocorrência de alguma forma de aproximação sensual.

Quanto à vítima M., afirmou-se que o periciando mostrou-se cordial e colaborador. Realizou as atividades propostas, mostrando-se bastante crítico e exigente com o resultado de suas produções. Apresentou discurso organizado e fluente...

Sobre o abuso sexual apresentou relato organizado, detalhado e coerente com as informações presentes em seu Termo de Declarações - sem acréscimos ou distorções. Durante seu relato, o examinando demonstrou sinais de emotividade, desconforto e constrangimento....

Entrevistada, a tia manteve o discurso anterior quanto à crença na veracidade dos abusos. Novamente o perito concluiu que não se notou eventual instrumentalização de sua vontade por terceiros, explicitando a possibilidade de ocorrência de alguma forma de aproximação sensual, recomendando acompanhamento psicológico semanal.

Em complementação, em resposta aos quesitos complementares, o perito apontou que o pai teria afirmado que os filhos teriam fantasiado a situação de abuso porque não aceitavam o relacionamento entre a madrasta e o pai e não aceitavam ser corrigidos pela genitora, motivo pelo qual teriam armado a situação para provocar a separação; disse ainda sobre desajuste comportamental do filho M que influenciaria o filho J. Sobre a credibilidade dos relatos, apontou o perito que o histórico fornecido foi por livre relato, após três anos e dois meses dos fatos, não se alterando o quanto relatado anteriormente.

Esclareceu que a denúncia de abuso se deu em contexto familiar peculiarmente delicado, mas que não pode ser descartada no presente caso. Sobre as consequências psíquicas, disse que segundo relatório escolar, no ano de 2014, J. teria se mostrado "isolado", com "semblante muito triste e desanimado", "deixando de fazer atividades" e "dormindo sobre a mesa" – sinais compatíveis com a ocorrência de abuso sexual infantil, mas que, considerando, inclusive, o grande hiato de tempo entre o suposto abuso sexual e sua ocorrência, poderiam ser decorrentes também de outras situações....". Verifica-se que passado certo tempo do abuso, tudo veio à tona quando os irmãos estavam conversando e tocaram no assunto, sendo que ao perceberem que passaram pela mesma situação de abuso sexual por parte da madrasta, resolveram relatar tal fato ao pai.

Considerando que o pai não acreditou nas palavras das vítimas, chamando-os de mentirosos e ainda com a acusada provocando confusão em relação aos fatos, vieram então a se socorrerem na escola, onde contaram com o apoio do vice-diretor, que depois de muito conversar, resolveu entrar em contato com o Conselho Tutelar para apurar tal situação.

A ré e as testemunhas de defesa afirmaram que a vítima M. possui problemas mentais, mas nada trouxeram aos autos que comprovem tal fato, ao contrário, o Laudo demonstra claramente que as vítimas tem desenvolvimento adequado para a idade, porém com traços introversivos e ainda com demonstração de desconforto e constrangimento ao relatarem os fatos, confirmando ainda a possibilidade de ocorrência de alguma forma de aproximação sensual, ou seja, não descarta a possibilidade de abuso sexual por parte da ré.

Assim, a prova produzida é farta e segura, razão pela qual não há como se acolher a pretensão absolutória da defesa. As vítimas, foram firmes em suas declarações na Delegacia de Polícia, bem como em juízo e mesmo passado vários anos, confirmaram o ocorrido de forma sincera, coerente e convincente. A prova demonstra que as crianças de fato viveram todo o constrangimento noticiado, com apenas seis e oito anos na época dos fatos, e, cuja responsabilidade imputaram à acusada.

E o seu depoimento é válido, constituindo elemento de prova valioso, especialmente no crime tratado na presente ação penal, em que a versão da vítima encontra conforto nos testemunhos carreados aos autos.

Note-se que, em entrevista psicológica não se avistou qualquer traço de sugestionamento de terceiros que pudesse desvaler as palavras das vítimas, que são firmes, mesmo passado tanto tempo dos fatos.

Isso certamente porque ficaram gravados eternamente em sua memória os momentos de constrangimento sofridos quando eram crianças... Ao contrário do que sustenta a Defesa, não existe qualquer dúvida a respeito da ocorrência do crime, conforme demonstra todo o conjunto probatório, mais que satisfatório para o acolhimento da pretensão acusatória.

Conforme se aufere, a ré, aproveitando-se de sua autoridade sobre as crianças, enteadas que frequentemente estavam sob sua companhia, a fim de satisfazer sua lascívia, praticou sexo com a vítima M. e atos libidinosos com a vítima J., impingindo-lhes ameaças.

Nas palavras do Desembargador Guilherme de Souza Nucci define-se ato libidinoso como o "ato voluptuoso, lascivo, que tem por finalidade satisfazer o prazer sexual, tais como o sexo oral ou anal, o toque em partes íntimas, a masturbação, o beijo lascivo, a introdução na vagina dos dedos ou de outros objetos, entre outros"É, pois, o caso dos autos. Os crimes, segundo a denúncia, e conforme consta das provas produzidas, foram praticados em relação a M. até o ano de 2006, enquanto em relação a J. no ano de 2008.

De tal forma, inaplicável a pena prevista no artigo 217-A, do Código Penal, introduzido pela Lei nº 12.015, de 07/08/2.009, sendo enquadradas as condutas nos tipos penais previstos nos artigos 213, parágrafo único, e 214, parágrafo único (com redação pela Lei nº 8072/90) c/c art. 224 do Código Penal, vigentes na data dos fatos (art. 1º, do Código Penal e art. 383, do Código de Processo Penal).

Demonstrada a ocorrência do crime, e comprovada a responsabilidade criminal da acusada, a procedência da ação penal é a medida que se impõe, na ausência de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. Passo a dosar a pena a ser imposta.

Ao que consta a ré é primária e não registra antecedentes criminais razão pela qual, atendendo aos critérios norteadores do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena base para cada crime em seu mínimo legal, ou seja, em 06 (seis) anos de reclusão em relação a M., com fundamento no artigo 213, parágrafo único (com redação pela Lei nº 8072/90) c/c art. 224 do Código Penal, e em 06 (seis) anos de reclusão em relação a vítima J, com fundamento no artigo 214, parágrafo único (com redação pela Lei nº 8072/90) c/c art. 224, do Código Penal Não há circunstâncias atenuantes ou agravantes a se considerar. Presente a causa de aumento decorrente da autoridade exercida sobre as vítimas, por ser a ré madrasta de M. e J., aumento a pena de metade, chegando ao patamar de nove anos de reclusão para cada um dos crimes. Tendo em vista que a ré praticou o delito por diversas vezes contra cada vítima, reconheço a continuidade delitiva e aplico o artigo 71 do Código Penal para aumentar a pena em 1/6, calculando-se 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão para os crimes praticados contra cada vítima.

Os delitos devem ser tidos em concurso material, uma vez que ocorreram contra vítimas diferentes, nos termos do artigo 69, do Código Penal, somando 21 (vinte e um) anos de reclusão. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena restritiva de direitos por não estarem preenchidas as condições necessárias especificadas no artigo 44 do Código Penal, ou seja, o montante da pena.

Ausente o requisito temporal previsto no art. 77 do Código Penal, não há de se cogitar de suspensão condicional da pena. Fixo, como regime inicial de cumprimento de pena, o REGIME FECHADO, ante o disposto no artigo 2º, § 1º da Lei 8.072/90 e art. 33, §2º, "a", do Código Penal. DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação penal para o fim de CONDENAR L.C.G.M, qualificada nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 21 (vinte e um anos de reclusão), no regime inicial FECHADO, por infração aos artigos 213 e 214 c/c art. 224, por diversas vezes, contra duas vítimas, nas formas dos artigos 71 e 69, todos do Código Penal. A ré permaneceu solta no decorrer do feito e não trouxe qualquer embaraço ao processamento; assim, nada indica necessidade de alteração da situação atual, nos termos do par. primeiro do art. 387 do Código de Processo Penal. Permito, assim, o apelo em liberdade".









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