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  • Da redação

Justiça condena idoso a 30 anos de reclusão por abusos sexuais contra garota de 8 anos. Ele é casado



EXCLUSIVO


O juiz Arthur Lutiheri Baptista Nespoli, do Fórum de Bastos, condenou o idoso V.M (nome abreviado para preservar a identidade da vítima e familiares dela) a 30 anos de reclusão em regime inicial fechado, por estupro de vulnerável e abusos contra uma garota de 8 anos, neta de sua companheira, com quem vive está casado há três anos. O idoso foi incurso duas vezes no Artigo 217-A (Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos).

Conforme os autos, "o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ofereceu denúncia em face de V.M por ter praticado ato libidinoso contra E., menor de 14 anos. Segundo relata a peça acusatória, em data inicial incerta até o dia 21 de julho de 2018, em Bastos, o acusado, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima. V.M. é casado com a avó paterna de E.há três anos e residem no endereço supramencionado.

A vítima, de apenas oito anos de idade, costuma frequentar a casa da avó. Mas durante o ano de 2018, até o dia 21 de julho do mesmo ano, o acusado praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, consistentes em passar as mãos em suas pernas, nádegas e vagina, além de esfregar o pênis nas nádegas da criança, por cima da roupa.

Aproveitando-se dos momentos em que a avó da criança estava ausente, o acusado pedia para que E., sentasse em seu colo, oportunidade em que esfregava seu pênis na criança, por cima da roupa, a passava a acariciar o corpo da vítima, inclusive nas partes íntimas, enfiando as mãos dentro da roupa da menor.

De acordo com os relatos da vítima, os fatos ocorreram por mais de uma vez. Valendo-se da condição de companheiro da avó da vítima, nessa condição, o acusado tinha autoridade sobre ela".A denúncia foi recebida em 22 de outubro de 2018.

O JUIZ DECIDIU

"No mérito, a ação penal é procedente. As provas colhidas no curso da instrução criminal demonstram, de forma clara e indubitável, a materialidade delitiva, assim como a autoria do delito. A materialidade delitiva restou evidenciada pelo Boletim de Ocorrência, bem como pela prova oral coligida tanto na fase inquisitorial quanto no curso processual, como será a seguir demonstrado.

Da mesma forma, a autoria também é certa e recai sobre a pessoa acusado. Colhida a prova oral, segue a síntese dos depoimentos. E., no dia 25 de julho de 2018, em fase inquisitiva, disse que Valdemar é casado com sua avó há bastante tempo e ultimamente tem passado todas as tardes na residência de sua avó, pois está de férias.

Recentemente o indiciado tem apresentado conduta que vêm incomodando a depoente, a ponto de não querer ir a casa de sua avó. O indiciado tem pedido para a declarante sentar em seu colo e passa a acariciar as suas pernas, bem como puxa sua vestimenta e passa a mão em sua vagina e em suas nádegas sem retirar sua roupa.

O indiciado nunca pediu para a depoente tocá-lo e nunca colocou a boca nas partes íntimas dele. Sua avó nunca avistou tais atitudes, mas contou o ocorrido para ela e ela disse para que a declarante não contasse nada para ninguém.

O acusado nunca proferiu ameaças, nem falou para que a depoente não contasse nada pra ninguém, mas ele diz que a declarante é bonita. O autor nunca lhe mostrou o órgão genital dele e também não tentou inseri-lo na depoente. Os fatos foram presenciados pelo irmão mais novo, P., da declarante, mas o acusado nada tentou com ele.

Em juízo, reafirmou que V.M ficava passando a mão na depoente, sinalizando que seria entre as pernas, por mais de duas vezes. Relatou ainda: “Toda vez que a minha avó e o P. entravam para dentro, ele chamava eu e eu ia, e ele mandava eu sentar no colo dele, e eu sentava. Aí ele começava a passar mão em mim”.

Os fatos se davam quando o acusado ficava sozinho na área da casa com a depoente, sendo que nesses momentos sua avó e seu irmão ficavam dentro da residência. Sentia-se à vontade na casa da avó e depois perdeu a vontade de ir até lá. P.H.C. dos S., em solo Policial, relatou que é irmão da vítima e com ela ia esporadicamente a casa da avó, sendo que no local, o acusado passava as mãos nas pernas de sua irmã, além de colocar a mão por dentro da roupa dela, em suas nádegas.

Além disso, o autor puxava sua irmã para próximo dele e ficava esfregando-a em seu órgão genital por bastante tempo. A vítima chegava a reclamar de dores nas costas devido a posição que era colocada. Sua avó nunca presenciou tais atos, mas o depoente viu quando sua irmão contou para sua avó e ela disse que não era para contar para seu genitor.

O acusado nunca tentou passar a mão no declarante e nem praticar qualquer ato libidinoso. M.C, a avó, em solo Policial, aduziu que é casada com Valdemar há três anos e seus netos E. e P. vão esporadicamente a sua casa e ali permanecem sem a presença dos genitores.

Sobre os fatos narrados por sua neta, informa que nunca presenciou seu marido praticando atos libidinosos contra sua neta, bem como ela nunca lhe contou que isso ocorria. Nega que sua neta tivesse lhe contado e que teria pedido a ela que ficasse quieta sobre os fatos. Soube dos fatos pelo filho, genitor da vítima.

Na segunda-feira, seu filho ligou dizendo que iria atrás do marido da declarante e diante disso, a depoente mandou o acusado sumir. Não queria ver algo grave acontecer. A declarante não sabe informar o paradeiro do autor, ele fugiu sem deixar vestígios dizendo que nada fez com a neta da depoente.

Em juízo, disse que não viu o acusado fazendo algo com sua neta. Soube que seu filho iria até sua residência com um pedaço de madeira, para matar Valdemar, sendo assim disse para seu marido sair da casa. Anteriormente, não houve qualquer problema entre o acusado e a família da depoente.

J, em sede inquisitiva, expôs que é genitora da vítima e seus filhos sempre gostaram de ir na casa da avó M., sendo que com frequência ficavam sob seus cuidados. Há um mês sua filha passou a apresentar um comportamento estranho, querendo colocar várias camadas de roupas para ir para casa da avó e sempre questionava se seu irmão iria junto, pois não queria ir sozinha. A vítima passou a se negar para ir a casa da avó e há uns dez dias, enquanto estava na casa de sua mãe S., a declarante disse a vítima que a levaria para a casa da avó M., sendo que E. ficou apavorada e começou a dizer que não iria. Achou estranho o comportamento de sua filha, momento em que S. disse para a vítima: “Conte para avó o que está acontecendo, que ninguém irá brigar com você”.

A vítima relatou que não queria mais ir na casa da avó M. porque o avô estaria passando a mão nela. O marido da declarante, C., começou a indagar a filha o que estava acontecendo, momento em que a vítima indagou o pai: “você vai matar o vô?”. Após acalmá-la, E começou a contar que o acusado se aproveitava da ausência de M. e passava a mão nas pernas, nádegas e vagina da mesma por dentro de sua vestimenta, além de colocá-la em seu colo e ficar esfregando seu pênis em suas nádegas.

A vítima disse que tentava sair, mas ele a apertava impedindo que a mesma saísse e quando sua avó estava se aproximando, o autor dava um tapa em suas nádegas e mandava ir brincar. A vítima disse que relatou o ocorrido para sua avó M., e ela disse para que a criança não contasse para seu genitor, pois ele mataria o marido da avó.

Após isso, a vítima e seu irmão não mais visitaram a avó. Depois de todo o ocorrido a declarante chamou M. para conversar e ela defendeu o marido e não respondeu se sabia ou não dos abusos. Em seguida, M; mandou o acusado ir embora e em seguida foi embora com ele, ficou com medo de ser considerada cúmplice do autor e por isso voltou.

M. mantém contato com o acusado e afirma que continuará casada com ele. Em juízo, repisou o que foi narrado em fase inquisitiva, e acrescentou que sua filha lhe relatou que o acusado estava passando a mão nela, que “fazia uns movimentos nas costas dela, que ela ficava de quatro encolhida e ele ficava se esfregando nela”, que ele pedia para a vítima sentar no colo dele e passava a mão na virilha da criança. Informa que sua filha sempre gostou de usar shorts, blusinha e notou que ela começou a levar roupas para a casa da avó, que passou a ir de calça, querer usar sutiã. Quando a depoente chamou o esposo para que ele ouvisse o que a filha estava falando, a criança ficou apavorada. E.V.C. dos S. relatou que contou o ocorrido a avó, mas ela disse para que nada contasse ao esposo da declarante, porque ele mataria todo mundo e M. ficaria sozinha.

A menor disse também que quando avó saia para ir ao mercado, ficava sozinha com o acusado, momento em que ele a colocava em seu colo. O irmão da vítima contou a depoente que viu o acusado colocando a irmã no colo, mas que isso não acontecia com ele. Após os fatos, M. disse que a declarante era mentirosa e que a vítima estava estragando o casamento dela. M. disse ainda para a depoente que o acusado estava morando em outra cidade. A declarante sempre confiou na avó das crianças, não teve qualquer outro problema. Nunca deixou seus filhos na casa de M., sem que ela estivesse no local. Soube dos fatos apenas pela criança.

S., em solo Policial, expôs que é avó materna da vítima e que ela reside nos fundos de sua casa, juntamente com a mãe e o pai dela. Em certo dia, a depoente estava na cozinha de sua casa, junto com J. e E., ocasião em que J. disse a vítima que no dia seguinte ela iria ficar com a avó paterna, M., mas a menor passou a relutar, dizendo várias vezes que não iria. A declarante, por saber que a vítima gostava muito de ir na casa da M. questionou E, dizendo: “Por que você não quer ir na casa da sua outra avó? Você sempre gostou de ir lá? Aconteceu alguma coisa?” e a criança respondeu: “Meu avô fica passando a mão em mim, ele coloca a mão dentro da minha bermuda, passando a mão por debaixo da bermuda na minha perna indo em direção da minha bunda, e depois me segurava e balançava na direção dele, e nisso doía minhas costas”.

A filha da declarante, J. na ocasião, perguntou para a vítima por que ela não tinha falado antes sobre o ocorrido, para a avó paterna M., ou para o pai ou ainda para a mãe.. E., respondeu que havia contado para avó M. e ela tinha lhe falado para não contar pra ninguém, pois senão o pai da vítima iria matar o avô e ela nunca mais iria lá.

Questionaram a vítima se Valdemar havia passado a mão nas genitais dela, ou em qualquer outra parte do corpo, sendo que ela respondeu que não. A depoente percebeu anteriormente, que a vítima sempre ao ir para a casa da avó M. queria colocar várias roupas, ou seja, “colocava calça e saia por cima, mesmo estando calor”.

Em juízo, repisou a narrativa da sede inquisitiva e acrescentou que, passado três dias que a vítima relatou os fatos, a questionou se tais fatos eram mesmo verdadeiros ou mentira, tendo E.respondido “Não vó, não é mentira” e relatou novamente o ocorrido para a depoente.

Após os fatos a vítima reprovou na escola. Relata que M. ficava com as crianças frequentemente, mas houve um tempo em que ela não queria ficar com os netos. A declarante afirma que as crianças ficavam com a M. apenas nos finais de semana. J. e C. gostavam de V.M.

C., no dia 10 de agosto de 2018, em sede inquisitiva, disse que é genitor de E. e V.M é seu padrasto. Há um ano o acusado conheceu sua genitora e se casaram. Certo dia, após J. e a mãe dela, S., conversarem com a vítima, sobre V.M tê-la molestado, o depoente conversou com a filha e ela disse:

“Pai, ele ficava passando a mão em mim e eu não gostava, ele passava a mão na minha perna em direção a bunda, e ficava me balançando no colo dele”. Após questionada, ela ainda acrescentou que ele não havia passado as mãos nos seios dela, ou havia mostrado ou feito ela mexer nas genitais do acusado. Não questionou a vítima se V. teria tocado nas genitais dela. Falou com sua genitora e ela negou que E. tivesse lhe confessado algo, e asseverou que ela estaria mentindo sobre V.M. Em virtude de seu labor, não conseguiu constatar anteriormente, qualquer sinal que a vítima estaria demostrando quanto aos possíveis abusos sofridos, porém, acredita que ela esteja falando a verdade, pois ela não costuma mentir e ainda “adorava” ir na casa da avó, e não teria motivos para inventar tais fatos.

Em juízo, ratificou o que havia dito anteriormente e acrescentou que não ouviu a primeira vez que sua filha relatou os fatos, mas posteriormente ao questioná-la, E. lhe contou que o acusado lhe passava a mão e se esfregava nela, disse ainda ao depoente que a avó lhe disse para não contar nada ao declarante para que ele nada fizesse com a avó da vítima e o acusado. Após os fatos, a vítima parou de ir na casa da avó.

V.M, ratificou em juízo, o que disse na Delegacia. Que é casado com M., avó da vítima, há três anos. Desde quando se casou, os netos da esposa, E. e P. frequentam a casa. Não tem costume de brincar com as crianças, nunca tendo ficado sozinho com qualquer um deles, em especial a vítima. Nunca colocou E. em seu colo ou passou a mão em suas pernas ou genitália, bem como nunca fez elogios a qualquer das crianças.

A vítima nunca teve medo de ir até sua casa e após os fatos não a viu. Não mora mais no endereço de sua residência, pois está sendo ameaçado pelo pai da menor, então está dormindo em locais diversos, inclusive dentro do próprio veículo, motivo pelo qual demorou para comparecer na Delegacia.

Acrescentou que o endereço citado na denúncia é o endereço da residência da vítima, lugar que não frequentava. Tinha contato com a vítima e o irmão dela, como se avô delas fosse. Sabe as consequências de se envolver com um menor e nunca teve interesse por criança. Nunca ficou sozinho com as crianças, sua esposa sempre estava junto. As crianças visitavam sua casa nos finais de semana. Mudou-se da cidade orque estava sofrendo ameaças por parte do genitor da vítima.

A palavra da vítima merece crédito pela coerência do que narrado em solo policial com aquilo que descreveu em juízo. Ao contrário do que alegado pela combativa defesa, a versão apresentada pela vítima foi corroborada por diversas testemunhas, seja em fase policial, seja em juízo, como se passará a expor.

Segundo os depoimentos prestados por S, avó materna da vítima, e J, genitora da vítima, notaram que E. estava indo até a casa de sua avó paterna vestida com várias roupas, mesmo quando estava quente. Posteriormente, quando a vítima se negou a ir para casa da avó M., a questionaram sobre o porquê da negativa, tendo E relatado os fatos nesse momento. ainda, após passados três dias dos relatos, S. questionou a criança se os fatos narrados por ela eram verdadeiros, sendo que a vítima os reafirmou, descrevendo-os novamente com riqueza de detalhes, tudo de forma coerente.

Em reforço à credibilidade da narrativa da vítima, tem-se o relato de seu irmão P.., que presenciou os fatos, afirmando que viu o acusado passando as mãos pelo corpo de sua irmã. Presenciou também quando a vítima contou os fatos para a avó M. e esta disse a neta que não contasse para seu genitor C., receando a reação dele contra seu marido, o acusado. Corroborando com os demais relatos, C, genitor da vítima, relatou que em conversa com a avó materna e a mãe da menor, E. relatou que o acusado lhe passava a mão e se esfregava nela. No primeiro momento dos relatos, C. não ouviu o que a filha disse; mas depois sua filha lhe relatou os fatos novamente, corroborando o que já havia narrado.

Trata-se o delito em tela de um crime que geralmente ocorre furtivamente, longe dos “olhos da sociedade”; por isso, a palavra da vítima é de extrema valia e “desse entendimento não discrepa a melhor doutrina, merecendo destaque o magistério do emérito processualista Fernando da Costa Tourinho Filho que, ao apreciar o valor probatório das declarações da ofendida e após pontificar que deve ela 'ser aceita com reservas, devendo o juiz confrontá-la com os demais elementos de convicção, por se tratar de parte interessada no desfecho do processo', faz a ressalva de que 'em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime.

Assim, naqueles delitos clandestinos qui clam comittit solent – que se cometem longe dos olhares de testemunhas – a palavra da vítima é de valor extraordinário' E prossegue o insigne prelecionando que “nos crimes contra os costumes, e.g., a palavra da ofendida constitui o vértice de todas as provas. Na verdade, se assim não fosse, dificilmente alguém seria condenado como sedutor, estuprador, etc., uma vez que a natureza mesma dessas infrações está a indicar não poderem ser praticadas à vista de outrem' (in Processo penal. Saraiva. São Paulo. 3º vol. P. 259/260)” (RT 834/549).

É de se ressaltar a clara mudança na compleição da vítima ao ser indagada sobre o acusado. Ao se mencionar o nome do acusado e ser perguntada sobre os fatos da denúncia, a vítima imediatamente franziu o cenho, acabrunhou-se e ensimesmou-se; mesmo claramente aflita com a lembrança aterradora, confirmou que o acusado a colocava no colo e passava a mão em suas partes íntimas, demonstrando o local com as mãos.

Diante da tenra idade da vítima, impossível se admitir que uma versão tão harmônica e detalhada seja fruto de uma mente fantasiosa ou de influência de terceiros. O fato de o laudo pericial não ter constatado vestígios físicos de conjunção carnal ou outro ato libidinoso, ao contrário de enfraquecer a versão da ofendida, a fortalece, na medida em que os abusos por ela narrados não deixariam marcas a serem apuradas em exame pericial.

De se ressaltar, ainda, a ressalva apresentada pelo perito: "deve-se ressaltar que apesar de não haver indícios no exame físico que permitam concluir sobre ato libidinoso ou estupro, temos na entrevista da criança descrição organizada, coerente e lógica sobre as experiências por ela relatadas." (fl. 33, grifo nosso) A própria natureza do delito, bem como a dinâmica dos fatos, dificulta a existência de testemunhas presenciais.

Entretanto, a coerência dos relatos da vítima em todas as oportunidades em que fora ouvida, bem como sua narrativa a numerosas e diferentes pessoas e em ocasiões diversas, deixa claro a credibilidade do relato. Ademais, no presente caso houve sim testemunha ocular: o irmão menor da vítima, P. que presenciou o acusado colocando sua irmã no próprio colo e acariciando a ofendida.

Portanto, com base nas provas documentais e depoimentos testemunhais, tem-se que a negativa apresentada pelo réu tanto em fase inquisitiva quanto em juízo não são dignas de credibilidade, uma vez que totalmente desconexas com as provas dos autos, isoladas por completo e totalmente inverossímeis.

Da mesma forma, restou comprovado, ainda, que os fatos se deram por diversas vezes. A vítima relatou que todas as vezes que ia até a casa da avó e esta se ausentava, V.M pedia para a menor sentar em seu colo e passava mão em seu corpo. Corroborando, tem-se os relatos de S. e J., que ratificaram a narrativa da ofendida, acrescentando que flagraram inúmeras vezes a vítima sobrepondo diversas peças de roupa, mesmo em dias de calor, quando ia a casa da avó paterna: era o meio que a menor lançava mão para tentar se proteger dos abusos.

Ao contrário do que alegado pela combativa defesa, nem sempre M. estava próxima aos netos em sua casa. De fato, consoante relatado pela ofendida, o acusado aproveitava-se dos momentos – mesmo que breves – em se encontrava fora da vista da avó da criança para perpetrar os atos criminosos, com por exemplo, quando M. ia ao mercado ou "entrava" em casa para fazer algo.

Corroborando a dinâmica factual apresentada pela menor, tem-se o depoimento de seu irmão P.. Sendo assim, M. não poderia ter presenciado os fatos, já que o acusado aproveitava-se dos momentos em que ela não estava próxima para praticar os atos libidinosos. O irmão da vítima, P. ., que presenciou os fatos, narrou com riqueza de detalhes e com coerência com o depoimento da vítima como se dera a dinâmica delitiva, corroborando o relato da ofendida. Por outro lado, não há que se falar em desclassificar o delito de estupro de vulnerável para contravenção prevista no artigo 65, da Lei de Contravenções Penais ou para o artigo 232 do ECA.

Conforme delineado acima, mesmo que o acusado não tenha praticado conjunção carnal com a vítima, o tipo legal descrito no artigo 217-A do Código Penal é abrangente, coibindo não só a conjunção carnal, como também, outros atos libidinosos. E dúvida não há de que passar a mão nas nádegas, vagina e pernas da criança, além de esfregar a vítima em seu órgão genital, constitui ato libidinoso...

Tampouco há que se falar em desclassificação para o tipo do art. 215-A do CP, haja vista a especialidade do art. 217-A do mesmo diploma: em sendo a vítima menor de quatorze anos de idade, o crime será o de estupro de vulnerável.

O réu aproveitou-se da autoridade e influência que tinha sobre a vítima, incorrendo na causa de aumento do art. 226, II, do CP. O acusado é companheiro da avó paterna da ofendida, sendo seu avô de consideração, consoante a própria declaração da vítima em Juízo, que o chama de "vô". Naturalmente, em sendo convivente de sua avó, tinha o imputado sobre a menor – de apenas oito anos de idade à época dos fatos – autoridade moral, como se avô biológico fosse.

Destarte, ausentes causas excludentes de tipicidade e ilicitude, tem-se que a condenação é medida de rigor ao caso em tela. A continuidade delitiva restou mais que demonstrada, na medida em que os abusos se deram por mais de uma vez, consoante a farta prova oral acima explanada. De fato, os abusos se deram inúmeras vezes no ano de 2018, até o dia 21 de julho, última visita desacompanhada à casa da avó paterna. Passo, pois, à fixação da pena. A fixação dos aumentos da primeira fase sobre a pena mínima constitui procedimento contrário à lei.

A contrariedade é notada mais facilmente nos casos em que há grande intervalo entre a reprimenda mínima e a máxima, quando esta se torna impossível, frustrando a determinação do legislador. Segundo o procedimento que valora cada circunstância judicial com um aumento de 1/6 ou 1/8, merecerá a reprimenda máxima o fato criminoso em que estiverem presentes todas as circunstâncias, pouco importando as suas gravidades; ao passo que um fato criminoso envolto em somente uma circunstância negativa, mas presente em um grau elevado, sofrerá um aumento mínimo. Respeitados os posicionamentos contrários, isso é má interpretação sobre o sistema de imposição de penas estabelecido pela Reforma de 1984 e descumprimento da Constituição, na medida em que esta impõe a individualização da pena, a qual necessita uma valoração da gravidade concreta das circunstâncias. O art. 59 do Código Penal exige que a fixação da pena atenda à finalidade de reprovação e prevenção do crime, o que também não se alcança com tabelamentos...

Deste modo, fixar os aumentos levando em conta somente o número de circunstâncias e não sua valoração concreta, é agir com automatismo, que eventualmente poderá culminar em injustiça. Portanto, o grau do aumento depende mais da intensidade concreta das circunstâncias que da extensão com que são encontradas.

Conforme disposição do artigo 59 do Código Penal e atendendo a culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta, é elevada. O fato de a vítima ser menor de 14 (quatorze) anos é elementar do tipo penal. Verifica-se que a vítima do delito pode ser criança ou adolescente. Por conseguinte, resulta claro que em sendo criança, maior reprovabilidade terá a conduta, devendo a reprimenda recrudescer na medida em que diminui o numero de anos de vida do ofendido. O tipo penal visa proteger pessoas que não têm a capacidade ou discernimento para consentir com o ato sexual ou que não têm condições de oferecer resistência a eventual ato não consentido: daí falar-se em vulnerabilidade. Ora, resulta claro que quanto mais tenra a idade da vítima, menor será sua capacidade de autodefesa ou compreensão, facilitando a consumação do delito; importando, por conseguinte, em maior reprovabilidade da conduta.

Logo, no caso concreto, tendo-se em vista que a vítima tinha apenas 08 (oito) anos de idade à época dos fatos, de rigor a exasperação da pena-base. Os motivos, entendidos como as razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal, são neutros, uma vez que inerentes ao tipo penal. Os antecedentes, o comportamento da vítima, a personalidade do agente e conduta social do acusado são neutros. As consequências do delito, entendidas como a intensidade de lesão ou nível de ameaça ao bem jurídico tutelado, abrangendo, ademais, os reflexos do delito em relação a terceiros, não apenas no tocante a vítima, são negativas. Após os abusos, a vítima teve forte abalo psicológico. Inegavelmente, o fato de ter sido molestada em tenra idade agravou sobremaneira sua formação espiritual, marcando profundamente em sua alma um sofrimento que afetou seu saudável desenvolvimento. Trata-se de estigma psicológico indelével e de consequências deletérias incomensuráveis que não pode ser desconsiderado pelo Juízo, sob pena de se violar o preceito constitucional não apenas da individualização da pena mas também de proteção à criança.

Trata-se de fato concreto verificável pelo que dos autos consta, na medida em que afetação psicológica da menor fora percebida por sua genitora e avó materna, que notaram que a criança somente ia para casa da avó paterna vestida de sobrepostas peças de roupa, mesmo em dias de calor; posteriormente negou-se ir até a casa onde habitava o acusado.

Ademais, a criança fora reprovada na escola, "repetindo o ano" após os acontecimentos, atrapalhando seu desenvolvimento estudantil. Outrossim, durante sua oitiva em audiência, perceptível a dor e o sofrimento que os fatos ainda lhe causam, notadamente por sua compleição chorosa e o forte incômodo em abordar o assunto.

As circunstâncias do crime, entendidas como o modus operandi (as singularidades do próprio fato que escapam a definição legal do tipo) são negativas, na medida em que acusado se valeu da oportunidade de a vítima estar sem a supervisão de outro adulto, e dentro do ambiente familiar, no qual se presume a segurança e o bem-estar de todos.

Deveras, não havia ninguém maior e capaz que pudesse visualizar a investida criminosa, a tentar impedir a consumação do delito em socorro à vítima. Em outras palavras, a vulnerabilidade inerente à idade da ofendida estava exponenciada pelas circunstâncias nas quais se desenvolveu o ato delituoso, guardado pelo sigilo da inviolabilidade do domicílio. Pelo exposto, fixo a pena-base em 12 (doze) anos de reclusão. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.

Presente a causa de aumento de pena do artigo 226, inciso II, do Código Penal, vez que o réu é marido da avó da vítima (avô de consideração da menor), elevando-a de ½ (metade), o que resulta na pena de 18 (dezoito) anos de reclusão. Em razão da continuidade delitiva, considerando o número de atos libidinosos praticados pelo réu contra a vítima – inúmeras vezes, por cerca de sete meses, conforme assentado na fundamentação – aplico o art. 71, caput, do CP, e elevo a pena em 2/3 (dois terços), fixando-a em 30 (trinta) anos de reclusão, pena esta que converto em definitiva, por não encontrar nenhuma outra circunstância modificadora aplicável. Fixo o regime prisional inicial FECHADO, nos moldes do artigo 33 do CP, ante as circunstâncias judiciais desfavoráveis, bem como pelo montante de pena aplicado. Regime inicial menos gravoso mostrar-se-ia insuficiente para reprovação e prevenção do crime, na forma do artigo 59 do Código Penal. Não há que se falar em substituição da pena por restritivas de direito (art. 44, CP), nem aplicação da suspensão condicional da pena (art. 77. CP), pelo montante de pena aplicado, bem como pelas circunstâncias judiciais negativas.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal, CONDENANDO o réu V.M, qualificado nos autos, à pena de 30 (trinta) anos de reclusão, em regime inicial fechado, como incurso no artigo 217-A, caput, c.c. artigo 226, inciso II, na forma do artigo 71, caput, todos do Código Penal. Faculto ao acusado o direito de apelo em liberdade. Após o trânsito em julgado da sentença: 1. Estando preso o condenado, expeça-se guia de recolhimento para execução, na forma do art. 105 da LEP; 2. Oficie-se ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, para fins do disposto no art. 15, III, da CF. 3. Oficie-se ao Instituto de Identificação do Estado de São Paulo(IIRGD); Expeça-se todo o necessário, fazendo as comunicações de praxe, notadamente a do art. 201, §2º, do CPP. Por último, condeno o acusado ao pagamento das custas".


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