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  • Da redação

Justiça manda Estado pagar R$ 400 mil de indenização a familiares de detento morto na Penitenciária


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O juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (Foro Central da Capital), determinou o pagamento de indenização por dano moral ao pai e três filhos do detento Cássio Lino de Souza, encontrado morto em uma cela da Penitenciária de Marília em 2005.

Cada um dos requerentes receberá R$ 100 mil e o pai do falecido mais R$ 2.600,00 (corrigidos desde a data do fato) como ressarcimento de despesas com funeral.

Os requerentes alegaram na Ação que "houve omissão estatal pela morte de Cássio Lino de Souza, então detento, ocorrida em 13 de março de 2005, por ato de outro preso nas dependências da Penitenciária de Marília". Pediram pagamento de pensão mensal de um salário mínimo para cada um dos filhos pela dano patrimonial e mais 400 salários mínimos para cada um por dano moral.

A Fazenda Pública alegou ter havido suicídio do detento e não homicídio. Nesse sentido, o magistrado citou na sentença que "não houve clareza" e apontou a falta de laudos periciais para comprovação da natureza da morte do detento. "O silêncio da ré (Penitenciária) em requerer a perícia para apurar o ocorrido, é forte indicativo da ocorrência de possível homicídio – ainda que não se conheça a autoria", completou o juiz.

A pensão mensal também foi negada pelo juiz. "O pagamento da pensão consiste em uma lesão ao interesse patrimonial do indivíduo, mas não há qualquer comprovação de atividade lícita da vítima que permitisse ser o pai do autor o efetivo provedor do lar, portanto, não há a possibilidade de fixação de qualquer valor de indenização".

O JUIZ DECIDIU

É o relatório. Decido. Cuida o mérito sobre saber se a ré é responsável, e se sim, em qual extensão, pela morte do detento – é dizer, se a morte foi causada por ação de um agente público ou de outro detento, ou se não havia o que ser feito a evitar o resultado porque teria ocorrido um suicídio.

De rigor, pela procedência parcial do pedido, pois embora facultado à ré nova possibilidade em termos de instrução probatória, silenciou, conforme certificado.

Assim, não se desincumbiu a ré do ônus em demonstrar que houve um suicídio ao invés de possível homicídio tornando a situação sem clareza. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal prescreve a responsabilidade civil do Estado ou de quem lhe faça as vezes. Isto significa dizer que para a apuração de eventual responsabilidade da Administração Pública ou de quem a substitui é necessário: a) identificar o comportamento do Poder Público; b) aferir o dano, seja este material ou moral; c) revelar o nexo causal entre o comportamento e o dano, e ainda a imputação normativa correspondente.

E um esclarecimento deve ser feito: o nexo causal explica-se pelo modal apofântico, próprio das leis da natureza, sob a função descritiva (a definição do ser), logo, só é possível em relação à ação; a imputação normativa estrutura-se sob o modal deôntico, pois regula as condutas humanas, destarte, é prescritiva (estipula o que deve ser), e sempre – é claro – deve estar presente, tanto na ação quanto na omissão, pois imprescindível à qualificação jurídica do fato. Os três elementos acumulam-se e são indispensáveis. Sem qualquer um deles não há falar-se em responsabilidade civil do Estado. A imputação normativa é indispensável em situações que envolvem a omissão do Estado e naquela, como é o caso concreto, em que se trata de obrigações de meio, a exemplo da atuação dos profissionais da área da saúde. A imputação normativa nestes casos – omissão e obrigações de meio – é o dever jurídico de evitar o resultado, o que não se apura apenas sob o aspecto da culpa lato sensu. Neste sentido, Sérgio Cavalieri Filho: É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas”. As clássicas teorias sobre a causa e efeito referem-se ao plano fático, ao mundo do ser, das relações apofânticas.

A teoria da imputação objetiva, ao valorizar o indispensável modal deôntico à juridicização dos elementos do mundo fenomênico (nem poderia ser de outra forma), permite realçar a responsabilidade objetiva do Estado nos termos desejados – leia-se: prescrito – pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Em síntese, o dever jurídico de impedir o resultado, quando presente pela interpretação tópico-sistemática das normas aplicáveis ao caso, justifica a responsabilidade civil do Estado tanto diante da omissão quanto das obrigações de meio.

Cumpre aferir, portanto, se havia algum dever jurídico de evitar o resultado no caso em apreço. O indivíduo que se encontra encarcerado está sob a custódia do Estado, e deve este zelar por sua integridade física. No caso, o preso, foi encontrado morto nas dependências da Penitenciária de Marília. A divergência encontra-se em saber o que o levou à morte, se foi homicídio ou suicídio.

Os motivos que levaram à consumação do fato – o que o levaria a suicidar-se, ou qual a razão de o matarem – não podem ser esclarecidos, mas não afetam a solução da causa, pois o que é indispensável à aferição da responsabilidade é mesmo identificar se o detento se matou – pois não há o dever jurídico de o Estado evitar um ato contra a própria vida – ou se o mataram – pois o Estado deve evitar este resultado.

O silêncio da ré em requerer a perícia para apurar o ocorrido, é forte indicativo da ocorrência de possível homicídio – ainda que não se conheça a autoria. Assim, que se queira retirar a própria vida é um dado, que se consiga lutar contra o próprio instinto de sobrevivência, reações quase mecânicas do corpo de evitar o desfalecimento, é outra situação. Note-se que o laudo de exame de corpo de delito, trazido em documentação da própria ré, conclui, entre outras observações, que o ponto de suspensão está bem marcado na região retroauricular direita. Não observados sinais de ação de outros agentes lesivos de interesse médico legal, exceto o fato de existir sinal de ter permanecido com os punhos amarrados. De outro lado, a situação narrada poderia ter sido melhor apurada, caso a perícia tivesse sido solicitada também pelos autores. Portanto, a ausência de clareza dos fatos ocorridos também justifica indenização em patamar não elevado. Assim, quanto ao dano moral visível é o abalo causado pela morte de um ente querido, a dor suportada pelos filhos e pelo pai, o que justifica a sua fixação em R$ 100.000,00 para cada coautor.

Outrossim, pelos mesmos motivos expostos há o direito ao ressarcimento dos custos despendidos com o funeral, pois provado com o documento, que a época deu-se pela importância de R$ 2.600,00 (13 de março de 2005).

O pagamento da pensão consiste em uma lesão ao interesse patrimonial do indivíduo, mas não há qualquer comprovação de atividade lícita da vítima que permitisse ser o pai do autor o efetivo provedor do lar, portanto, não há a possibilidade de fixação de qualquer valor de indenização.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a ré a pagar a cada autor da quantia de R$ 100.000,00 por danos morais a contarem juros e correção monetária, a partir desta sentença, acrescido da importância de R$ 2.600,00 a ser paga ao pai do falecido a título de ressarcimento pelas custas com o funeral, a contar juros a partir desta sentença e correção desde o pagamento que ocorreu em 13 de março de 2005, nos termos da tabela prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo".


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