Familiares de presos da Penitenciária de Marília aguardam cumprimento de decisão da Justiça Estadual (veja abaixo), em Ação da Defensoria Pública, determinando que o Estado, através da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), adote as medidas necessárias à garantia da comunicação dos detentos com seus familiares e do direito de visita em ambiente virtual, quer por meio do contato telefônico (com a instalação de telefone público - "orelhão" - ou meio de comunicação equivalente) quer por meio do exercício do direito de visita em ambiente virtual com os equipamentos já disponíveis, da forma a ser regulamentada pela ré e em observância à capacidade técnica e de pessoal presente em cada estabelecimento penal. Fica vedada a comunicação exclusivamente por carta.
"Entendo que há patente violação ao direito de visitas, com verdadeira incomunicabilidade dos presos nos estabelecimentos prisionais estaduais, eis que a comunicação com o meio externo exclusivamente por carta não parece ser suficiente para que o contato com ambiente externo e o direito de acesso à família esteja preservado", cita trecho da decisão judicial.
Familiares de presos relatam dificuldades de comunicação com detentos. "Os contatos só por cartas estão complicados, precisamos de mais acesso a eles porque isso acaba aumentando nossa preocupação", disse a esposa de um deles, que cumpre pena na Penitenciária de Marília. Familiares encaminharam ao JP trechos de cartas enviadas por detentos, onde eles relatam falta de remédios, assistência, produtos de higiene e alimentação (veja baixo). A Penitenciária de Marília abriga atualmente cerca de 1.400 presos, mas a capacidade é de 622 detentos no regime fechado e mais 421 no regime semiaberto.
Detento pede à mãe que envie remédios para ele
Relato de frio e banho com água que parece estar saindo do congelador
Detento escreve sobre problemas de saúde e tratamento só com Dipirona
Outro relata que presos estão passando fome na Penitenciária
Detento pede produtos de higiene e alimentos em carta enviada à mãe
DECISÃO JUDICIAL EM AÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA
Assunto Ação Civil Pública Cível -
Assistência material
Requerente: Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo Juiz(a) de Direito: Dr(a). Paula Fernanda de Souza Vasconcelos Navarro
Vistos.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, qualifica nos autos, ajuizou ação civil pública com pedido de tutela antecipada contra o Estado de São Paulo. Aduziu que o sistema prisional está sendo severamente atingido pela crise da saúde pública decorrente da pandemia do Covid-19, sendo local propício para a propagação do vírus, também diante da notória superlotação e inaceitáveis condições de insalubridade dos estabelecimentos prisionais estaduais.
Afirma que a Secretaria de Administração Penitenciária não vem tomando medidas eficazes para a prevenção da propagação do vírus, limitando-se a restringir o direito de visita dos presidiários, com suspensão das visitas presenciais, o que fere os direitos fundamentais daqueles que se encontram encarcerados.
Pede que a ré seja compelida a garantir a realização de visitas virtuais aos presos, medida esta ainda não efetivada ante sua suposta inviabilidade informada pela SAP.
Requer a concessão da liminar para determinar a instalação de telefones públicos nas unidades prisionais e que a ré garanta a “visita virtual” por meio de equipamentos audiovisuais de comunicação, garantindo que os detentos disponham de pelo menos 1 hora de contato, com a possibilidade de eventual fracionamento do período; bem como que a ré apresente plano de retorno das visitas presenciais, de maneira gradual, tomando as medidas necessárias para a prevenção, elencadas em inicial.
Por fim, a procedência do pedido. Juntou documentos. Instado a se manifestar, o Ministério público opinou pela concessão parcial da tutela de urgência para obrigar a FESP a elaborar um plano de retorno das visitas presenciais ao presos para garantia dos direitos fundamentais. Deixo de determinar a manifestação da ré antes de proferir decisão acerca da liminar requerida, eis que a SAP já apresentou manifestação administrativa, acostada às fls. 36/37, informando que as visitas estão suspensas para proteção da população carcerária e por ordem judicial; que a instalação de telefones públicos é inviável pela ausência de recursos, bem como que o contato dos presos está sendo feito por carta e através das equipes técnicas.
É o relatório. Decido. O artigo 300 do Novo Código de Processo Civil determina a concessão da tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No presente caso, estão presentes os requisitos legais para o deferimento em parte da tutela de urgência requerida, considerando a probabilidade do direito da parte requerente e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação caso a tutela seja concedida somente ao final da lide. Inicialmente pontuo que a incomunicabilidade do preso é medida inconstitucional, sendo vedada inclusive durante o Estado de Defesa, nos termos do artigo 136, §º 3, inciso IV da Constituição Federal. Além disso, um dos direitos fundamentais da pessoa presa é a garantia de manutenção do contato com a sua família, até como forma de ressocialização, havendo previsão específica do direito de visitas no artigo 41, inciso X da Constituição Federal. Por outro lado, não se descuida que a atual crise sanitária exige medidas mais restritivas no ambiente prisional, eis que a possibilidade de contaminação e disseminação do vírus é maior, dada a aglomeração de pessoas no mesmo ambiente e a baixa salubridade dos estabelecimentos penais brasileiros.
Se de um lado é dever do Estado garantir a comunicabilidade do preso e zelar pelo seu direito de visitas, em respeito à dignidade da pessoa humana e direito de ressocialização, por outro lado as medidas sanitárias são necessárias para preservar a vida e a saúde da população carcerária, dos agentes penitenciários e demais funcionários das unidades e também dos familiares que realizam as visitas.
No caso concreto, entendo que há patente violação ao direito de visitas, com verdadeira incomunicabilidade dos presos nos estabelecimentos prisionais estaduais, eis que a comunicação com o meio externo exclusivamente por carta não parece ser suficiente para que o contato com ambiente externo e o direito de acesso à família esteja preservado.
Além disso, as máximas de experiência e o conhecimento do sistema prisional revelam que é possível, com organização e baixo investimento, garantir um mínimo de comunicação dos presos com os seus familiares, sem prejuízo das medidas sanitárias ao enfrentamento à pandemia Dentre elas: a instalação de telefones públicos é medida rápida, eficaz e de baixo ou nenhum custo ao Estado; a utilização do sistema de video-conferência já instalado nas penitenciárias para a realização de visitas virtuais aos finais de semana ou no período noturno, momento em que o sistema não é utilizado para a realização de audiências ou para a prática de atos processuais de intimação dos presos; a utilização dos computadores instalados nas salas de estudos dos estabelecimentos prisionais para a realização de visitas virtuais no momento em que o sistema não está sendo utilizado pra as aulas; dentre outras medidas.
Observo, contudo, que cabe ao Poder Público avaliar quais são as medidas mais adequadas a serem adotadas em cada estabelecimento prisional do Estado, eis que cada local conta com uma estrutura de funcionários e disponibilidade de equipamentos próprios, não sendo possível determinar a medida adequada para cada estabelecimento. Dessa forma, há possibilidade de deferimento em parte do pedido para que a ré cesse a incomunicabilidade dos presos e garanta minimamente o direito de visitas, pois incumbe ao Poder Público equacionar a garantia do direito de visitas e de comunicação do preso com as medidas sanitárias adequadas e suficientes para conter a crise de COVID-19 diante da realidade de cada estabelecimento prisional do Estado, exercendo o juízo de conveniência e oportunidade próprio da atividade administrativa.
Diante disso, DEFIRO EM PARTE a tutela de urgência para determinar que a ré analise a situação específica dos estabelecimentos prisionais do Estado, adotando as medidas necessárias à garantia da comunicação dos presos com seus familiares e do direito de visita em ambiente virtual, quer por meio do contato telefônico (com a instalação de telefone público - "orelhão" - ou meio de comunicação equivalente) quer por meio do exercício do direito de visita em ambiente virtual com os equipamentos já disponíveis, da forma a ser regulamentada pela ré e em observância à capacidade técnica e de pessoal presente em cada estabelecimento penal.
Fica vedada a comunicação exclusivamente por carta. Deverá a ré, no prazo de 5 dias da ciência da presente decisão, estabelecer as medidas que serão adotadas para garantia do direito de comunicação e visitas dos presos nas unidades prisionais do Estado de São Paulo, sob pena de multa a ser fixada em caso de descumprimento da ordem, bem como de que a regulamentação seja feita pelo juízo.
Deixo de determinar que a ré adote plano de retorno das visitas presenciais aos presos, conforme sugerido pelo Ministério Público, considerando que a ré tem apresentado plano de retomada das atividades nos setores público e privado, tudo a indicar que as pessoas encarceradas serão contempladas no momento adequado, não havendo prova de inércia da ré com relação a essa possibilidade. Cite-se com urgência, observadas as formalidades legais. Servirá a presente decisão, assinada digitalmente, como ofício e/ou mandado. Intime-se".