Moradora de Marília que implantou próteses de aumento de seios que criam riscos de câncer receberá i
- J. POVO- MARÍLIA
- 3 de jul. de 2020
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A juíza da 1ª Vara Cível do Fórum de Marília, Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, condenou uma empresa a pagar indenizações de R$ 21.627,00 à uma mulher que implantou próteses de aumento de seios que podem causar câncer. Cerca de R$ 16 mil são para a mulher trocar as próteses e R$ 5 mil por danos morais.
A autora da ação apontou angústia pelo fato de seu histórico familiar de câncer de mama, além da avó, também o desenvolvimento da mesma doença em sua mãe, aos 45 anos.
"Ora, aquilo que o próprio fabricante assume não prestar ao fim a que se destina, sem causar graves riscos, recomendando voluntariamente sua destruição, pela mesma razão não deve permanecer implantado no corpo da autora", citou a magistrada na sentença.
O CASO
Conforme os autos, "após implantar as próteses, em agosto de 2017, a mulher teve informação que a empresa Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda
A reclamante submeteu-se a uma cirurgia plástica de implante de próteses mamárias de silicone da marca/modelo Allergan Natrelle Inspira TSX 400g, adquirida pelo valor de R$ 2.403,00.
Em julho de 2019, tomou conhecimento que a fabricante, havia anunciado o recall internacional de suas próteses de silicone texturizadas por estarem ligadas ao Linfoma Anaplásico de Células Grandes, isto é, ao câncer.
A ação foi motivada após a FDA (autoridade federal do Departamento de Saúde dos EUÁ) emitir relatório associando as referias próteses ao risco de seis vezes maiores de desenvolvimento da doença, recomendando ainda a retirada das próteses do mercado.
Não bastasse isso, a mulher possui condição genética que contribui demasiadamente para o desenvolvimento da enfermidade, inclusive com histórico familiar de câncer, o que lhe trouxe angústia diante da possibilidade de ser vitimada pela grave doença, razão pela qual impõe-se a urgente necessidade de cirurgia de troca dos implantes, cujo menor preço orçado foi de R$ 16.627,00. Tais fatos, dada a necessidade de nova cirurgia e a possibilidade de contrair uma grave doença, causaram danos morais e indenização".
DEFESA
A empresa contestou a ação. Defendeu a qualidade de seus produtos, mencionado o recolhimento voluntário de próteses mamárias em 24.07.2019, por precaução. Tal recolhimento teria ocorrido após anúncio de autoridades sanitárias americanas, acerca da incidência incomum de linfoma anaplásico de grandes células associados ao implante mamário (BIA-ALCL), fato que não corresponde ao reconhecimento de qualquer defeito nos produtos.
Sustentou que a possibilidade do desenvolvimento do linfoma constitui evento atrelado à própria natureza do produto, sendo do conhecimento da autora desde quando optou por realizar a mamoplastia de aumento. Também sustentou falta de prova da necessidade da substituição das próteses implantadas e que a autora optou pela realização do procedimento estético, assumindo eventuais riscos devidamente informados.
A JUÍZA DECIDIU
"1-Trata-se de ação na qual a autora pretende a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, respectivamente nos valores de R$ 16.627,00 e R$ 34.930,00, em razão de, após adquirir e implantar próteses mamárias (mamoplastia de aumento), da marca/modelo Allergan Natrelle Inspira TSX 400g, a fabricante, ora ré, devido a alerta emitido pela FDA, anunciar o recall internacional de suas próteses de silicone texturizadas, por estarem ligadas à incidência incomum de Linfoma Anaplásico de Células Grandes, isto é, ao câncer.
Além disso, a autora teria condição genética que contribuiria demasiadamente para o desenvolvimento da enfermidade, inclusive com histórico familiar de câncer, provocando grande angústia diante da possibilidade de contrair a grave doença, orçando a substituição das próteses a um preço mínimo de R$ 16.627,00.
Não obstante a pretensão da ré na realização de perícia médica, in casu não vislumbro a necessidade da prova técnica, eis que os elementos constantes dos autos se mostram suficientes ao convencimento do juízo para o deslinde da questão.
Quanto aos documentos versados em língua estrangeira sem a devida tradução juramentada, a própria autora se despiu do interesse de sua tradução, não servindo aqui de suporte ao decisum...
As partes não divergem acerca do procedimento cirúrgico a que se submeteu a autora, com vistas ao implante das próteses mamárias (mamoplastia de aumento), da marca/modelo Allergan Natrelle Inspira TSX 400g.
A própria ré, aliás, bate-se pela qualidade de seus produtos, sobretudo daqueles utilizados pela autora. Também incontroverso o fato de que a ré promoveu, mundialmente e de maneira voluntária, em 24.07.2019, o recolhimento das próteses mamárias não implantadas, como medida de precaução.
Tal providência teria sido provocado após a ré ter sido informada pela FDA, agência regulatória americana, sobre a incidência incomum de linfoma anaplásico de grandes células associadas ao referido implante de mama (BIA-ALCL).
No entanto, defende a ré que tal atitude foi tomada por precaução, não havendo orientação e tampouco necessidade, sobretudo no caso em tela, de remoção ou substituição das próteses já implantadas. Enfim, ainda que se tente negar, imperioso concluir que o recolhimento dos produtos ocorreu em razão das informações prestadas pela agência reguladora americana, face a alta incidência de linfoma anaplásico de grandes células associadas ao implante das próteses da ré.
A selar tal inferência, dos documentos, verifica-se que a ré, além do recolhimento dos produtos, também promove a devida publicidade das recomendações aos usuários, inclusive à classe médica, para que não utilizem os produtos.
Assim, não há dúvidas do potencial risco para os consumidores, sobretudo daqueles que militam em seu desfavor, outros fatores que aumentam o perigo de desenvolvimento da grave doença.
Em que pesem as alegações da ré de que os riscos de desenvolvimento seriam baixos, tais argumentos não são suficiente a afastar a pretensão posta pela autora. Aliás, não fosse importante e concreta a possibilidade e o risco de desenvolvimento da doença, não teria a ré recolhido os produtos do mercado.
Por sua vez, a autora, submetida ao procedimento cirúrgico para implante das próteses em dezembro/2017, ainda soma em seu desfavor, conforme se nota do documento, outros fatores que aumentam o risco de desenvolvimento da enfermidade, como histórico familiar e ancestralidade judaica ashkenazi.
De acordo com o relatório médico, a autora teria histórico familiar de câncer de mama da avó, bem como o desenvolvimento da mesma doença em sua mãe, aos 45 anos.
A ancestralidade judaica ashkenazi, também contemplaria maior frequência de mutações genéticas, associadas ao risco de câncer de mama e ovário.
Assim sendo, é de clareza solar que a autora implantou em seu corpo produto da ré, que, se não retirado, gera a possibilidade de desenvolvimento de grave doença, com o que não é obrigada a conviver.
Nem se diga que era do conhecimento da autora essa possibilidade. Se assim o fosse para o consumidor, mais ainda o seria para o fabricante ou fornecedor, que não poderia colocar em risco a vida e integridade alheia.
Ora, aquilo que o próprio fabricante assume não prestar ao fim a que se destina, sem causar graves riscos, recomendando voluntariamente sua destruição, pela mesma razão não deve permanecer implantado no corpo da autora.
Nos termos da norma consumerista, o produto é considerado defeituoso, de acordo com o § 1° do artigo 12 do CDC, quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam. É exatamente o caso dos autos, eis que a prótese implantada na autora oferece risco a sua saúde e a sua própria vida.
Anote-se que o alerta genérico contido no encarte das próteses não se confunde com a situação concreta apontada nos autos. Trata-se de responsabilidade objetiva, não dependendo da aferição de culpa, eximindo-se a ré de sua responsabilidade somente se demonstrasse suficientemente a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, o que não ocorreu. Dessa forma, impõe-se, inconteste, o dever da ré de arcar com as despesas de retirada da indigitada prótese, até porque se trata de preservação da própria saúde da consumidora. Enfim, aplica-se o art.12 do CDC: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
A indenização por danos patrimoniais mede-se pela extensão dos danos (CC, art. 944), cujos prejuízos restaram devidamente comprovados, acolhendo-se o menor valor apontado nos orçamentos juntados aos autos (fl. 36) de R$ 16.627,00. 2-
Quanto aos danos morais, observe que Limongi França (Reparação do dano moral, RT 631/31) assevera que “dano moral é aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos.”. Ou, no dizer de Yussef Said Cahali (Dano moral, RT, p. 20/21): “Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes á sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito á reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”.
No caso em tela, é óbvio que os transtornos causados geraram aborrecimentos e abalo moral indenizável, eis que dizem respeito à própria integridade física e à vida da autora, que se viu diante de um grave risco, ainda pendente de ser resolvido.
E assim é, haja vista ainda depender de futura cirurgia para retirada e substituição de prótese mamária, sujeita aos riscos que o procedimento cirúrgico proporciona, envolvendo anestésicos, internação hospitalar, dor, recuperação etc.
Diante disso, certa a obrigação de indenizar pelo dano não patrimonial, resta quantificar o valor da indenização...
Nessa esteira, o valor da indenização deve atender os fins a que ela se presta, considerando a condição econômica da vítima e do ofensor, o grau de culpa (leva-se em conta aqui a predisposição pessoal da autora que agrava o risco da doença, abrandando-se o valor a ser fixado), a extensão do dano, a finalidade da sanção reparatória e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Entendo razoável, pois, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Essa quantia é o quanto basta para remediar o sofrimento causado pela parte ré, sem caracterizar enriquecimento sem causa para a autora. Enfim, de rigor o acolhimento do pedido inicial.
POSTO ISTO e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação movida contra ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA para o fim de:
1-CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos materiais de R$ 16.627,00, acrescidos de correção monetária, a contar da data do orçamento ( 22.08.2019), e juros moratórios legais, a partir da citação;
2-CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos morais à autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária, a contar desta decisão, e de juros moratórios a contar da citação. Sucumbente, CONDENO a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios da parte adversa que fixo em 18% do valor total da condenação (R$16.627,00 + R$ 5.000,00), nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil".


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