- Por Adilson de Lucca
Caminhoneiro flagrado pela PF e PRE com 550 quilos de cocaína é condenado a 11,8 anos de cadeia

Motorista de um caminhão baú refrigerado que transportava mais de 500 quilos de cocaína em fundo falso no teto do baú (carregado com carnes), flagrado em ação da Policia Federal de Marília e Polícia Rodoviária Estadual, próximo a Assis (70 quilômetros de Marília), foi condenado a 11 anos e 8 meses de reclusão por tráfico de drogas. A carga de droga (500 tijolos de cocaína) foi avaliada e cerca de R$ 90 milhões). O flagrante, ocorrido no dia 30 de setembro passado, na Rodovia Raposo Tavares, foi lavrado na Delegacia de Policia Federal em Marília. A decisão é do juiz Arnaldo Luiz Zasso Valderrama, da 3ª Vara Criminal e da Infância e Juventude de Assis.
Conforme os autos, Fernando Luiz Trevisam, na noite de 30 de setembro de 2021,transportava 544.947g de cocaína em um fundo falso no teto do baú do caminhão Scania, carregado com carnes.
Ele partiu de Loanda (PR) com destino à São Paulo. Policiais militares e federais em fiscalização de rotina notaram seu nervosismo no momento da apresentação dos documentos, o que gerou uma minuciosa vistoria no veículo, sendo localizada, em um fundo falso preparado do veículo, a exorbitante quantia de droga apreendido.
O motorista disse aos policiais que receberia R$ 5 mil pelo transporte de eletrônicos e não sabia das drogas.
Em juízo, afirmou que foi procurado por pessoas em Umuarama (PR) onde lá foi feita proposta para transportar eletrônicos em troca de receber R$ 5 mil, No ato recebeu R$ 3 mil e receberia mais R$ 2 mil em São Paulo.
O acusado era primário e não possuia passagens. Declarou que não tinha conhecimento de que levava drogas e só soube após a abordagem. Os traficantes entregaram o caminhão já carregado.
O JUIZ DECIDIU
"A pretensão veiculada nesta ação penal é procedente. A materialidade do delito de tráfico ficou comprovada... A autoria também é certa e atribuída a Fernando, conforme se extrai do conjunto probatório, notadamente a prova oral colhida sob o crivo do contraditório.
Em seu interrogatório o réu negou o tráfico e ter ciência daquela droga. Relatou que foi contratado para transportar placas de gesso, mas como estava fraco por causa da pandemia o proprietário da empresa lhe chamou para fazer uma parceria. Mencionou que conseguiram esta linha de Loanda/PR a São Paulo/SP, para transportar carne, e tinha uma linha do Ceasa até Presidente Prudente.
Declarou que voltava até Loanda para carregar no frigorífico. Narrou que teve conhecimento de que um pessoal tinha que levar eletrônicos de ônibus e sobrava mercadoria, conseguiu o contato e desceu até Umuarama para carregar o eletrônico. Informou que o proprietário da mercadoria falou que levaria celular. Contou que deixou o caminhão num galpão e após um dia e meio foi informado que carregaram, ele não quis dizer onde estava e lhe prometeu pagar R$ 5 mil, deu R$ 3 mil e ganharia mais R$ 2 mil no Brás. Disse não ter imaginado que estava no teto do caminhão. Frisou ter ficado surpreso pela estrutura feita por eles. Ressaltou que zela pelo seu trabalho e por dentro é impossível, só descobriu após a abordagem da polícia. Frisou que a polícia federal foi atrás do depoente desde Umuarama, até achou que eram assaltantes.
Negou ter ficado nervoso durante a operação. Destacou que em momento algum confessou aos policiais o transporte da droga. Esclareceu que do dinheiro apreendido R$ 1.500 foi dado pela empresa para viagem e o restante foi dado por quem contratou o transporte do eletrônico.
Afirmou que é caminhoneiro desde 2012, foi a segunda vez que fez esse trajeto. Relatou que na outra viagem ganhou 15% de R$ 6 mil e mais R$ 1.300 para viajar até Presidente Prudente. Mencionou que sua renda oscila entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. Disse que não desconfiou porque era no final do ano e ainda lhe deram um celular.
Frisou que deixou seu telefone com esse rapaz e quando finalizasse a entrega pararia perto do Brás onde lhe levariam até onde teria que ir. Negou que a empresa onde houve o carregamento seja a da dona do caminhão. Negou que o proprietário do caminhão soubesse desse transporte. Negou ter passagem e ter tido problema com a justiça.
A testemunha Fábio afirmou que fazia operação com a Polícia Federal na praça de pedágio, abordaram o caminhão na praça de pedágio e o réu demonstrou muito nervosismo. Relatou que ele não conseguiu responder perguntas como para onde ia e o que carregava. Mencionou que quando subiram no teto do baú perceberam que tinha uma lâmina metálica não comum para o caminhão. Declarou que quando removeram perceberam que havia tabletes de cocaína enfileirados, totalizando 500 tabletes. Narrou que ele admitiu que havia carregado o caminhão em Loanda, com nota fiscal verdadeira, passou em Umuarama e o pessoal preparou o caminhão com a droga, com destino a São Paulo, onde seguiria até o Brás para entregar a droga, mediante o recebimento de R$ 5 mil. Negou que ele tenha dito para quem trabalhava. Tais informações foram confirmadas pelo policial Cristian.
Pois bem. Ressalto que para a caracterização do crime de tráfico não é necessária a efetiva comercialização das drogas, que se consuma pelo fato do agente transportar entorpecentes, para entrega e consumo de terceiros, o que ficou caracterizado.
Dessa forma, o fato de policiais não terem presenciado a entrega da droga ao usuário não impede a condenação dos réus, pois o conjunto probatório traz diversos indícios de que aquele entorpecente transportado por Fernando seria entregue ao consumo de terceiros. Policiais narraram que faziam operação com a Polícia Federal na praça do pedágio, abordaram o réu e ele demonstrou nervosismo e versões desencontradas sobre sua viagem. Revistaram o veículo e localizaram no fundo falso, situado no teto do baú do caminhão, vários tabletes de cocaína, com peso total de 544,9 kg. A versão do requerido, de que havia sido contratado para levar eletrônicos e não sabia do conteúdo da carga não convence. Primeiro porque esta versão de que contratou a entrega de eletrônicos pelo valor de R$ 5 mil restou isolada nos autos e não foi confirmada por nenhum meio de prova. Segundo porque os policiais narraram que ele apresentou grande nervosismo ao ser abordado. Terceiro porque aos policiais Fernando admitiu a ciência do transporte da droga e não vislumbro motivos para os policiais o acusarem injustamente, pois sequer o conheciam. Quarto porque não é crível que o réu deixasse seu caminhão com pessoas estranhas por um dia e meio para esconder o carregamento e não tivesse notado a estrutura que foi montada no teto do caminhão. Quinto porque se trata de uma carga valiosíssima e não é verossímil que traficantes fossem confiá-la a um completo desconhecido, que não soubesse onde estava a droga e nem para quem deveria entregar. A título de exemplo cito aqui matéria veiculada na Agência Brasil de comunicação, em que um carregamento de 400 kg de cocaína, menor que o apreendido na posse de Fernando, foi avaliado em 2021 em R$ 72,9 milhões.
Mesmo que não soubesse a quantia exata é evidente que tinha totais condições de saber que levava um grande carregamento de entorpecente, afinal dirigia um caminhão e não um carro de passeio. Além disso, ninguém em sã consciência pagaria R$ 5 mil para alguém transportar pequena quantia de drogas. O transporte da cocaína se deu do Estado do Paraná para São Paulo, razão pela qual deve ser aplicada a causa especial de aumento prevista no art. 40, V, da Lei nº 11.343/06.
No mais, observo que com Fernando foi achado dinheiro, há indícios de que é proveniente do transporte de drogas e nenhum indicativo em sentido contrário, o que justifica o perdimento. Vale anotar os dizeres dos Professores Vicente Grecco Filho e João Daniel Rassi, “quanto ao perdimento dos bens envolvidos na droga há inversão do ônus da prova, na forma do art. 60, § 2º, da Lei de Tóxicos. Caberá ao acusado demonstrar a origem ilícita dos bens e não à acusação a origem ilícita, que fica presumida pelos indícios suficientes” (Lei de Drogas Anotada, Saraiva, 2007, 2ª tiragem, p.189). ...
Assim, deve ser decretado o perdimento do referido numerário em favor da União, nos termos do art. 91, II, do Código Penal c.c art. 63 da Lei n.º 11.343/06. Outrossim, é caso de perdimento do caminhão utilizado por Fernando, pois ficou comprovado o uso do veículo para a prática do crime de tráfico de drogas. Ressalto que o E. Supremo Tribunal Federal fixou, em sede de repercussão geral, a tese de que: “é possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal” (RE 638.491/PR, rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j.17/05/2017). Embora a transportadora tenha juntado nos autos apensos um contrato de locação com o réu, foi confirmado pela perícia que o veículo estava modificado com fundo falso no teto do baú (fls.160/161 e 164), a afastar a boa-fé por inexistir qualquer indicativo de que esta modificação é recente (posterior à locação). O perdimento de bem oriundo de crime de tráfico é corolário da condenação, com suporte em determinação legal e constitucional (art. 63 da Lei 11.343/06 e art. 243 da Carta Magna). Ademais, nada impede que o terceiro adote as medidas judiciais cabíveis contra o réu para discutir seu prejuízo. Destarte, o conjunto probatório é harmônico e coeso a ponto de legitimar o decreto de condenação pelo tráfico, não sendo o caso de aplicação do princípio in dubio pro reo. Respeitado o sistema trifásico, estabelecido na Constituição Federal, e considerando as diretrizes estipuladas pelos artigos 59 e 60 do Código Penal, passo a dosagem das penas, eis que não milita em favor do acusado qualquer dirimente: Consoante a inteligência do art. 42 da Lei nº 11.343/06, a quantidade e a natureza da droga apreendida, entre outros aspectos, devem ser sopesadas no cálculo da pena (STF, HC 127241/SP, rel. Min. Dias Toffoli, julgado 04-08-2015, STF, RHC 117489/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado 18-06-2013) e constituem fundamentos idôneos para fixar a pena-base acima do mínimo legal (STF, RHC 122598, Rel. Min. Teori Zavaski, julgado em 14-10-14). A culpabilidade, entendida como índice de reprovabilidade da conduta, é de elevadíssima intensidade pela grande quantidade e natureza da droga apreendida (544,9 kg de cocaína). A vultosa quantidade do entorpecente apreendido revela o dolo exacerbado a exigir certo incremento da basilar, nos termos do artigo 42 da Lei nº. 11.343/06, possibilitando a circunstância ao agente atingir maior número de usuários, de modo a contribuir sobremaneira com a disseminação do vício e correlata destruição de lares ou famílias. Deve o réu responder exatamente pela sua culpabilidade, que é elevadíssima pela quantia de drogas que aceitou levar. Destaco aqui o julgamento de caso análogo pela E. 4ª Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que o réu transportava 2,5 toneladas de maconha. No julgamento da apelação nº 0001745-71.2017.8.26.0696, relatado pelo Des. Luis Soares de Mello, em 12/11/2019, foi mantida a elevação da pena no dobro do mínimo pela elevada quantia de droga transportada e pelo réu ter se aproveitado de caminhão com um fundo falso. Como bem destacado no v. voto, “a majoração da pena-base é medida de prudência e razoabilidade no sentenciamento de feitos. Vale dizer. Há que se tratar iguais, igualmente, e desiguais, desigualmente. Fugir disto, data venia, é negar equidade”. Dar a mesma pena para aquele que transporta 100g, 5k e 544 kg de cocaína, como no caso concreto, seria absolutamente injusto e desproporcional. Há oito anos juiz titular de vara criminal e há quase dois anos titular em Assis, local conhecido por ser rota de tráfico de drogas proveniente dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná rumo a São Paulo, nunca me deparei com tráfico de tamanha quantia de cocaína, razão pela qual o réu merece punição exemplar diante da culpabilidade e circunstância da droga estar acondicionada em fundo falso. Sobre o fundo falso, já decidiu a jurisprudência que: (...) 4. A utilização de fundo falso para ocultação dos entorpecentes é circunstância delitiva que denota elaboração e maior reprovabilidade na conduta, razão pela qual se reputa a vetorial "circunstâncias do crime" como negativa”. (Apelação Criminal nº 5005942-94.2015.4.04.7002, 8ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel. Leandro Paulsen. j. 11.10.2017, unânime). Sobre a possibilidade de um elemento do art. 59 justificar incremento da pena acima do patamar padrão de 1/6 cito jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. APLICAÇÃO DO QUANTUM DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. TERCEIRA FASE. INCIDÊNCIA DE DUAS MAJORANTES. AUMENTO DA PENA NA FRAÇÃO DE 3/8 (TRÊS OITAVOS). POSSIBILIDADE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) III - "A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível que "o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto." (AgRg no REsp nº 1.430.71/AM, Sexta Turma, Relª Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 06.05.2015). IV - A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que deve ser adotada a fração paradigma de 1/6 (um sexto) para aumento ou diminuição da pena pela incidência das agravantes ou atenuantes genéricas, e não pela incidência de circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal. (STJ, Habeas Corpus nº 520.193/RJ, 5ª Turma, Rel. Leopoldo de Arruda Raposo. j. 15.10.2019, DJe 21.10.2019). "A ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não é uma operação aritmética em que se dá pesos absolutos a cada uma delas, a serem extraídas de cálculo matemático, levando-se em conta as penas máxima e mínima cominadas ao delito cometido pelo agente, mas sim um exercício de discricionariedade vinculada que impõe ao magistrado apontar os fundamentos da consideração negativa, positiva ou neutra das oito circunstâncias judiciais mencionadas no art. 59 do CP e, dentro disso, eleger a reprimenda que melhor servirá para a prevenção e repressão do fato-crime" (STJ, AgRg no HC nº 188.873/AC, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 08.10.2013, DJe de 16.10.2013). É primário e não ostenta maus antecedentes. Não há informação acerca de sua conduta social e personalidade. Os motivos do crime foram inerentes ao tipo penal. Na primeira fase, atento a tais circunstâncias, fixo a pena em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa. Na segunda fase não há atenuantes. O réu não confessou e em momento nenhum admitiu saber que transportava entorpecente. Há também a agravante do art. 61, II, “j”, do Código Penal, pleiteada pela acusação na denúncia, eis que o crime foi cometido durante o estado de calamidade pública causado pela pandemia de Coronavírus que irá durar até 31/12/2020, conforme reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20/03/2020. Reconhecidamente, a sociedade encontra-se vulnerável no âmbito da saúde e, também, no aspecto psicossocial, pois o isolamento e as restrições impostas à circulação de pessoas têm causado conflitos psicológicos que levam, muitas vezes, à utilização de produtos químicos, incluindo entorpecentes. Também há notícias de que policiais tem ficado doentes por causa do Coronavírus, de modo que não é absurdo concluir que essa pandemia também pode afetar a fiscalização de crimes como o tráfico. Esta agravante já foi aplicada em no julgamento de um traficante pelo C. Superior Tribunal de Justiça: “(...) Impende destacar que os autuados foram presos em flagrante durante o período de calamidade pública, decorrente da pandemia do COVID-19, circunstância que eleva a reprovabilidade de suas condutas, eis que previsto como agravante genérica (art. 61-II, 'j', do CP). Veja-se que nem mesmo o alto risco de contágio foi motivo suficiente a ser ponderado pelos indiciados a fim de dissuadi-los do intento deletério de cometerem os crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Não se pode olvidar também que os averiguados descumpriram orientações do Ministério da Saúde de isolamento social, o qual está sendo amplamente divulgado nos meios de comunicação. Assim, as condutas dos autuados revestem-se de maior gravidade, eis que aumentaram os índices de disseminação do vírus COVID-19 a toda a população do Município, colocando em risco a saúde pública” (STJ, HC 584871/SP, Min, Nefi Cordeiro, j. em 04.06.2020, destaquei). Além disso, como bem destacou o Exmo. Des. Edison Brandão, “se trata de agravante de caráter objetivo, não se exigindo, portanto, requisito outro adicional que não a mera existência do estado emergencial, a atribuir maior grau de reprovabilidade às condutas ilícitas perpetradas durante sua vigência” (TJSP, Apelação nº 1509419-67.2020.8.26.0228, 4ª Câmara de Direito Criminal, j.26.01.2021). Assim, majoro a pena em 1/6 (um sexto) e a fixo provisoriamente em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e pagamento de 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa. Na terceira fase não há causas de diminuição. Não deve ser aplicada a redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Ressalto que nada obstante a primariedade, a expressiva quantidade de entorpecente transportada (544 kg de cocaína) torna inaplicável a referida causa especial de diminuição. Isso porque demonstrou que não era traficante ocasional. Ninguém começa traficando esta quantia de droga e ninguém confiaria carga tão valiosa a um desconhecido, inferindo-se destas circunstâncias que o réu já vinha se dedicando às atividades delituosas há muito tempo. Na esteira do entendimento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, "a expressiva quantidade de droga apreendida, aliada a outras circunstâncias próprias do caso concreto, ora pode impedir a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4°, da Lei 11.343/06, caso em que estará evidenciada a dedicação à atividade criminosa, ora como fator que, embora não impeça a aplicação da causa de diminuição, será tomada como parâmetro para definir o quantum da redução da pena" ...Conclui-se que “nenhum chefe do tráfico confiaria quilos de entorpecente a um traficante de primeira viagem”, de onde se extrai que o réu já praticou o tráfico de drogas em outras ocasiões. Penso que é a hipótese dos autos. Embora o réu seja primário, infere-se que as circunstâncias do caso concreto levaram a crer que ele é criminoso habitual, evidenciando não ser merecedor da benesse. Por fim, se o douto Advogado ler com atenção o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, verá que está escrito que o Juiz poderá reduzir a pena, ou seja, é uma faculdade e não uma obrigação. Presente a causa de aumento (inciso V do artigo 40 da Lei nº 11.343/06), relativa ao tráfico de drogas interestadual, conforme fundamentação supra. Pondere-se que a considerável distância entre as cidades (Loanda/PR e Sãlo Paulo/SP), quase 800 quilômetros, autorizava incremento superior ao mínimo (STJ, AgRg no HC 445766/MS, Relator Min. Felix Fischer, julgado 02-8-2018). Assim, majoro a pena em 1/3 (um terço) e a torno definitiva em 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão e o pagamento de 1.166 (mil e cento e sessenta e seis) dias-multa, cada qual no valor de 3/30 do salário-mínimo, em face da renda apurada no interrogatório e do valor do salário mínimo vigente na época dos fatos, valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento, de acordo com o art. 49, caput, e § 2º c/c o art. 60, caput, ambos do Código Penal. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade será o fechado, ex vi do montante da pena, do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 e da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico. Justifico a fixação do regime prisional mais gravoso, a não substituição por pena restritiva de direitos e a suspensão condicional da pena também pelo tráfico de grande quantia de drogas, a indicar um envolvimento reiterado com este tipo de crime, seja pelo fato de estarem ausentes os requisitos dos arts. 44, III, e 77, II, do Código Penal, seja porque o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 estabelece que a reprimenda por crime de tráfico de drogas deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, seja porque o art. 5º, XLIII, da CF/88, estabelece que a lei deverá dispensar tratamento mais gravoso ao crime em questão, destacando também a importância da repressão a esse delito no art. 5º, inc. LI. Frise-se que a Corte Especial do C. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que as hipóteses excludentes do regime de substituição de penas, contempladas no art. 44 do Código Penal, tem como suporte unicamente o critério do legislador ordinário; já a inconversibilidade das penas quando a condenação decorre do tráfico ilícito de entorpecentes têm por si a vontade do constituinte, que em dois momentos destacou a importância da repressão a esse crime, no art. 5º, XLIII e LI, da CF (Argüição de Inconstitucionalidade/HC 120.353, Corte Especial, Rel. Orig. Min. Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, DJe: 18.12.09). O crime de tráfico de entorpecentes, além de ser equiparado a hediondo e ser a principal causa de inúmeros outros delitos patrimoniais, gera efeitos nefastos para a sociedade e para as famílias de bem. Nesse aspecto, acerca da necessidade do regime mais grave para o tráfico de drogas, cito o voto do eminente Desembargador Machado de Andrade, no julgamento da Apelação nº 0004588-12.2016.8.26.0189, julgado em 21/09/2017: “Esse desgraçado vício da cocaína chegou em nosso país e, principalmente, nessa cidade de São Paulo, onde todo mundo sabe que existem logradouros públicos, que foram praticamente tomados por viciados. É bom lembrar que o usuário de cocaína quando não tem dinheiro para adquirir a cocaína pura, que é em forma de pó, passa a se utilizar de uma forma inventada nos Estados Unidos, mais, precisamente na cidade de Nova York, no início dos anos 1970, denominada crack, aliás muito mais potente no sentido de fazer com que apenas com uma aspiração da fumaça tóxica (coloca-se a pedra em um pequeno cachimbo, conhecido como “marica”, geralmente de vidro, esquenta-se embaixo com uma chama de isqueiro ou fósforo, e a pessoa suga a fumaça que desprende da pedra de “crack”) já se torna dependente desta desgraça que foi inventada por indivíduos alheios a qualquer sentimento de piedade e que tinham somente interesse em ganhar dinheiro. Ora, uma pessoa que transforma seu semelhante num morto vivo, ou seja, um verdadeiro zumbi, como os que se vê na mídia, principalmente televisiva, indivíduos convivendo juntos na maior sujeira e promiscuidade, sendo que os locais onde essas pobres almas habitam, tem que ser constantemente lavado, com jatos de água e detergentes, pela Prefeitura Municipal, a fim de remover o fedor que exala do chão devido às secreções e excrementos que essas pessoas deixam naqueles locais. Tudo o que disse acima, e que é do conhecimento de todos, acontece por apenas uma razão, devido à ação de pessoas destituídas de qualquer sentimento de amor ao próximo, como é o caso do traficante e, nesses autos, do acusado. Com relação à conduta social do recorrente, não há qualquer dúvida que, com sua atividade de traficantes, ele causou um mal irreparável à sociedade, uma vez que muitos adolescentes, provavelmente, foram por ele jogados no inferno de uma vida de usuário de drogas. O direito, como é cediço, é uma ciência mutável, ou seja, ele tem que acompanhar a evolução humana, e se adaptar às suas necessidades que mudam a cada época do desenvolvimento da sociedade.
Assim sendo, como uma das finalidades da pena é intimidar um possível criminoso, é mais do que óbvio que um crime como o tráfico de drogas, que, sem falar nos males causados à pessoa humana, abre as portas para inúmeros outros delitos, como furtos, roubos, homicídios, prostituição etc.; não pode receber um tratamento menos gravoso do que um delito de menor potencial ofensivo. Assim, ante o terrível mal que o réu causava à sociedade antes de ser preso não há outro regime, senão o inicial fechado, como forma de contraprestação do Estado à sua conduta. Fixar-se um regime mais benéfico do que o inicial fechado, seria conceder-se uma benesse ao réu, a qual ele não é merecedor”.
No mais, a concessão dos citados benefícios, além de ser, no meu entender, incompatível com a sua gravidade, não se mostraria suficiente para a prevenção ou reprovação do delito (art. 59 do Código Penal), gerando ofensa ao disposto no art. 44, inc. III, do CP, e verdadeira sensação de impunidade a esta cidade.
Por fim, foi publicada a Lei nº 12.736, de 30 de novembro de 2012, que deu novas regras ao instituto da detração penal. Esta possui previsão legal no art. 42 do Código Penal, segundo o qual “computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”. Pelo art. 1º: “a detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, nos termos desta lei”. Já o art. 2º traz o § 2º ao art. 387 do CPP: “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”. Reputo a lei constitucional, por representar a vontade legítima do legislador de diminuir o tempo de espera para a progressão do regime e por competir ao legislador a tarefa de determinar o momento e juízo competente para efetuar a detração. Neste caso concreto o réu somente faria jus à progressão de regime após o cumprimento de 2/5 da pena, o que não aconteceu. Assim, apesar da detração ora realizada, o regime inicial de cumprimento da pena restante ainda será o fechado.
Diante do exposto, com fundamento no art. 387, do Código de Processo Penal, JULGO PROCEDENTE a pretensão veiculada nesta ação penal para: a) CONDENAR o réu Fernando Luiz Trevisam, qualificado nos autos, à pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.166 (mil e cento e sessenta e seis) dias-multa, cada qual no valor de 3/30 do salário-mínimo, como incurso no art. 33, caput, c.c. artigo 40, inciso V, da Lei nº 11.343/06; b) CONDENAR o réu ao pagamento das custas judiciais, previstas no art. 4º, § 9°, “a”, da Lei Estadual nº 11.608/03; c) DECLARAR a perda, em favor da União, do caminhão, do celular e do numerário apreendidos nestes autos, com base nos arts. 91, inc. II, do Código Penal, e 63, da Lei nº 11.343/06. Uma vez que se cuida de réu que viu o desenrolar do processo sob custódia cautelar e traficava grande quantia de droga, a indicar periculosidade e risco concreto de reiteração delituosa caso seja posto em liberdade, nego-lhe o direito de recorrer em liberdade, considerando a necessidade de garantir a ordem pública e a jurisprudência que adoto como razão de decidir, in verbis: “Criminal. RHC. Formação de quadrilha. Receptação qualificada. Adulteração de sinal de veículo automotor. Apelação em liberdade. Réu preso durante toda a instrução do processo. Efeito da condenação. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Regime prisional. Argumentos não apreciados pelo tribunal a quo. Supressão de instância. Incompetência desta corte. Existência de recurso próprio. Impetração simultânea ou isolada. Possibilidade. Análise do mérito determinada ao tribunal a quo. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. Habeas corpus concedido, de ofício. Não se concede o direito ao apelo em liberdade a réu que permaneceu preso durante toda a instrução do processo, pois a manutenção na prisão constitui-se em um dos efeitos da respectiva condenação. Precedentes do STJ. A custódia provisória para recorrer não ofende a garantia da presunção da inocência. Incidência do verbete da Súmula n.º 09/STJ. Eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, se outros elementos dos autos recomendam a custódia preventiva. (...)” (STJ, RHC 18438/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.12.2005, p. 446, destaquei). HABEAS CORPUS - ATO INDIVIDUAL - ADEQUAÇÃO. O habeas corpus é adequado em se tratando de impugnação a ato de colegiado ou individual. HABEAS CORPUS - RECURSO ORDINÁRIO - SUBSTITUIÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - QUANTIDADE. Tem-se sinalizada a periculosidade do agente quando surpreendido na posse de grande quantidade de drogas, sendo viável a inversão da ordem do processo-crime, no que direciona a apurar para, selada a culpa, prender, em verdadeira execução da pena. (Habeas Corpus nº 158276/RJ, 1ª Turma do STF, Rel. Marco Aurélio. j. 21.05.2019, unânime, DJe 03.06.2019, destaquei). Tendo em vista que o réu está preso cautelarmente por este processo, recomende-se-o no local onde está detido, encaminhando-se cópia desta sentença ao ilustre Diretor do estabelecimento prisional. Deixo de fixar indenização mínima, tal qual consta no art. 387, inc. IV, do CPP, por não ser tal determinação compatível com a natureza difusa das vítimas. Sentença registrada eletronicamente. Publicada em audiência, saem os presentes intimados. Cumpram-se as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Decorrido o trânsito em julgado, determino as providências: 1) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, comunique-se o desfecho da ação penal ao IIRGD; 2) Comunique-se ao Juízo Eleitoral para as providências cabíveis, tal qual consta do art. 15, III, da Constituição Federal; 3) Extraiam-se a guia de execução definitiva conforme art. 105 da Lei de Execução Penal; 4) Requisite-se a incineração dos entorpecentes; 5) Traslade-se cópia desta sentença para o incidente apenso e intime-se o Advogado interessado; 6) Expeça-se ofício ao Banco do Brasil solicitando que transfira o valor apreendido em favor do FUNAD, constando como CNPJ do favorecido o nº 02.645.310/0001-99, banco 001, agência 1607-1, c/c 170500-8, código identificador nº 2002460000120201, e o envio de comprovante nos autos, no prazo de 10 dias; 7) Confirmado o perdimento do veículo e do celular, expeça-se ofício à SENAD, encaminhando cópia do auto de apreensão de bens, sentença de perdimento, certidão do trânsito em julgado, para ciência. Envie-se-o pelo e-mail cdc.funad@mj.gov.br; 8) Nesse caso, expeça-se ofício à Delegacia de Polícia autorizando a entrega do bem à pessoa indicada pela Senad; 9) Certifique-se o cálculo da pena de multa e taxa judiciária, nos termos do Provimento C.G. nº 11/2015, disponibilizado no D.J.E. de 27/02/2015; 10) Após, intime(m)-se o(s) réu(s), via carta de intimação com AR, a fim de que pague(m) a multa (privativa/cumulativa) em favor do FUNPESP - Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo – a ser efetuado no Banco do Brasil, Agência 1897-X, conta nº 139.521-1, e para que recolha(m) as custas processuais por meio da Guia DARE-SP (Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais), Código 230-6, comprovando-se nos autos, no prazo de 30 dias, sob pena de execução da dívida pela Procuradoria Geral do Estado (dívida ativa) e execução da pena pecuniária pelo Ministério Público; 11) Decorrido o prazo para recolhimento das custas, extraia-se certidão de sentença para a inscrição em Dívida Ativa, a(s) qual(is) deverá(ão) ser instruída(s) com cópia(s) da denúncia ou queixa e respectivos aditamentos, com datas de recebimento, planilha de identificação e sentença ou acórdão, se houver, com certidão do trânsito em julgado, comunicando-se a providência à V.E.C. competente, com cópia(s) da intimação (réu e Defesa) e da(s) Certidão(ões) extraída(s); 12) Comprovado o pagamento da multa, certifique-se e comunique-se à VEC; 13) Se o(s) réu(s) não for(em) encontrado(s) ou não pagar(em) no prazo supra, certifique-se, extraia-se certidão de sentença e dê-se vista ao Ministério Público para ajuizar ação de execução junto à VEC. Lance-se a movimentação “Cód. 62050 - Autos no Prazo - Execução da Multa Penal”, a qual atribuíra ao processo a situação “suspenso”, e encaminhe-se o processo com tramitação digital, automaticamente, para a fila “Ag. Execução – Pena de Multa"; 14) Não havendo comunicação do ajuizamento da ação de execução da multa penal, e decorrido o lapso prescricional, certifique-se e voltem-me os autos conclusos para extinguir a pena e determinar a remessa dos autos ao arquivo definitivo; 15) Com a comunicação, pelo Juízo da execução, do ajuizamento da ação de execução da multa penal, anote-se no histórico de partes o evento “Cód. 17 - Início da Execução da Pena de Multa”, indicando no complemento o número do processo de execução; 16) Após, lance-se a movimentação “61619 - Definitivo - Processo Findo com Condenação” e arquivem-se os presentes autos; 17) Com a comunicação, pelo Juízo da Execução, da extinção da pena de multa, altere-se a situação do processo com o lançamento da movimentação “Cód. 22- Baixa Definitiva”. Em seguida, o(a)(s) Defensor(a)(es), o(s)réu(s) manifestou(aram) o desejo de recorrer contra a sentença proferida nesta data. Pelo MM. Juiz foi decidido: Vistos.
1. Recebo o recurso interposto pelo(a) defensor(a). Sai o(a) Defensor(a) intimado(a) para apresentação das razões no prazo de 8 (oito) dias.
2. Se não forem apresentadas razões no prazo pela Defesa, intime-se para apresentar no prazo de 24 horas e, se não fizer, intime-se o réu para constituir novo Advogado no prazo de 10 (dez) dias.
3. Decorrido o prazo, determino à Serventia que diligencie em prol da nomeação de Defensor Dativo junto à OAB e intime-se-o para apresentar as razões recursais.
4. Após a apresentação das razões de recurso, abram-se vistas ao Ministério Público para apresentação de contrarrazões no prazo de 8 (oito) dias;
5. Expeça-se a guia de execução provisória e envie-se à VEC competente;
6. Após, remetam-se os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para julgamento do recurso de apelação interposto pelo(s) sentenciado(s) e pelo Ministério Público, observando-se as formalidades legais. Considerando a pena imposta ao(s) sentenciado(s), anoto que a prescrição da pretensão punitiva ocorrerá em 15 de dezembro de 2037. Saem os presentes intimados". Nada mais. Lido e achado conforme".

