Bispo Cipolini, da Diocese de Marília e o padre Lancellotti
A Diocese de Marília, entidade que administra igrejas católicas, publicou uma “Carta Aberta de Apoio ao padre Júlio Renato Lancellotti”, Vigário Episcopal da Arquidiocese de São Paulo (SP) para o Povo da Rua, recentemente, alvo de um pedido de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal para investigar a atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs) da capital paulista (veja abaixo).
O texto, "elaborado em respeito à atividade pastoral de motivação e articulação eclesial e social realizado pelo sacerdote", é assinado por Dom Luiz Antonio Cipolini, bispo diocesano de Marília, pelo representante dos padres no Conselho Presbiteral, padre José Afonso Maniscalco e pelo diácono José Eduardo Caparroz, presidente da Comissão Diocesana de Diáconos (CDD).
A Carta de Apoio dos ministros ordenados de Marília, cujo território pastoral está localizado no centro-oeste do Estado de São Paulo, recorda que o apostolado exercício pelo Pe. Júlio a favor dos irmãos e irmãs que vivem nas ruas da capital, vai ao encontro do exemplo de Jesus Cristo e do momento eclesial vivido.
O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que as denúncias contra o padre Júlio Lancellotti serão levadas ao Vaticano. Ele diz ter recebido acusações “de extrema gravidade”.
Lancellotti é alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs proposta pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil).
A comissão pode ser instalada a partir de fevereiro, segundo o jornal. Leite afirmou que irá aguardar o esclarecimento dos fatos para comentar a iniciativa.
“Peço um pouco de paciência”, afirmou o vereador à Folha. “Vou aguardar que a primeira denúncia contra o padre chegue ao Vaticano, que está sendo providenciada. Tanto lá quanto no Ministério Público de São Paulo e na Confederação Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB].”
Na entrevista, Leite se mostrou impactado com as denúncias.”Quando as denúncias contra ele, que são de extrema gravidade, forem protocoladas, vou me manifestar”, observou o parlamentar. “Até lá, eu vou aguardar a reunião do colégio de líderes [que será realizada no retorno do recesso do Legislativo paulistano].”
Contatado pelo jornal, o padre Júlio enviou reportagem da revista Piauí, publicada em 2022. A matéria lembrada por ele, segundo a Folha, revelou que integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) usaram um perfil falso para forjar uma acusação de pedofilia contra ele.
INVESTIGAÇÕES E CRACOLÂNDIA
O padre Júlio Lancellotti pode ser investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores de São Paulo a partir de fevereiro. A comissão, apelidada de CPI das ONGs, tem como objetivo investigar organizações que fazem trabalho social na Cracolândia e a relação do religioso com as entidades.
A autoria é do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que coletou as 24 assinaturas necessárias para protocolar o pedido, em 6 de dezembro, que será discutido na volta do recesso parlamentar da Casa, no início de fevereiro. O vereador é um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), mas deixou o grupo em 2022.
No requerimento, o parlamentar pede que sejam investigadas ONGs "que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos dependentes químicos" que frequentam a região conhecida como Cracolândia, no centro da capital paulista.
Conforme o vereador tem publicado em suas redes sociais, a CPI tem como alvo principal a atuação do padre Júlio Lancellotti naquela área e a relação dele com as entidades sociais. O Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, o Bompar, e o coletivo Craco Resiste também serão alvos da CPI, conforme já definido por Rubinho. Ambas também atuam junto à população em situação de rua e dependentes químicos que vivem na região central da cidade.
O padre Júlio já foi conselheiro do Bompar, entidade filantrópica ligada à Igreja Católica. Segundo ele disse em uma entrevista à "Folha de S. Paulo", o religioso não exerce o cargo, que ocupava sem remuneração, há 17 anos.
A investigação deverá ganhar contornos eleitorais, pois Lancellotti é próximo de Guilherme Boulos (Psol), um dos pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo nas eleições que acontecem em outubro deste ano.
O partido de Rubinho, União Brasil, apoiará a reeleição de Ricardo Nunes (MDB), e Kim Kataguiri, filiado à sigla, também é pré-candidato. O partido tem Milton Leite, presidente da Câmara Municipal, como principal liderança no Estado. Em suas redes sociais, o vereador chama Lancellotti de "falso padre" e de "padre do Boulos".
Rubinho Nunes diz ter o apoio de 30 vereadores e que a CPI das ONGs entrará "na lista de preferências" para ser instalada. Porém, para passar a frente das outras proposições e logo ser instaurada, é preciso que haja um acordo entre todos os vereadores, e que o requerimento alcance ao menos 28 votos em duas sessões de votação em plenário.
O QUE DIZEM OS ALVOS DA CPI
Pelas redes sociais, o padre Júlio afirmou que não pertence a nenhuma ONG e que a "atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo na Cracolândia"
"Esclareço que não pertenço a nenhuma Organização da Sociedade Civil ou Organização Não Governamental que utilize de convênio com o Poder Público Municipal. A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que por sua vez, não se encontra vinculada de nenhuma forma às atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão", escreveu.
Já a Arquidiocese de São Paulo emitiu uma nota se dizendo perplexa sobre a articulação para a instauração da CPI.
“Acompanhamos com perplexidade as recentes notícias veiculadas pela imprensa sobre a possível abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que coloca em dúvida a conduta do Padre Júlio Lancellotti no serviço pastoral à população em situação de rua”, afirmou a arquidiocese.
A Craco Resiste também se manifestou via nota pública. No texto, o movimento salientou que "não é uma ONG", e sim "um projeto de militância para resistir contra a opressão junto com as pessoas desprotegidas socialmente da região da Cracolândia".
“Atuamos na frente da redução de danos, com os vínculos criados com as atividades culturais e de lazer. E denunciamos a política de truculência e insegurança promovida pela prefeitura e pelo governo do estado. Quem tenta lucrar com a miséria são esses homens brancos cheios de frases de efeito vazias que tentam usar a Cracolândia como vitrine para seus projetos pessoais. Não é o primeiro e sabemos que não será o último ataque desonesto contra A Craco Resiste”, publicou.
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