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  • Por Adilson de Lucca

Dr. Knobel, mariliense, pioneiro na implantação de UTI no Brasil e a declaração de Daniel Alonso


Dr. Elias Knobel com o prefeito Daniel Alonso, antes da cirurgia cardíaca realizada esta semana no Hospital Albert Einstein, em São Paulo

Em maio de 2021, em plena pandemia da Covid, o prefeito Daniel Alonso compareceu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aberta pela Câmara de Marília para investigar gastos da Prefeitura com a pandemia.

Perguntado sobre denúncias de falta investimentos na contratação de UTIs, ele fez uma declaração que causou grande repercussão: "E deixar claro de uma vez por todas que o leito de UTI não é garantia de vida pra ninguém".

Alonso, conforme boletim médico, se recupera da cirurgia bem-sucedida em uma UTI do Hospital Albert Einstein. Está sedado e respira sem a ajuda de aparelhos.

"UTI É O CORREDOR DA VIDA"

Já o médico cardiologista (um dos melhores do país) Dr. Elias Knobel, 78 anos, mariliense, pioneiro na implantação de UTI no Brasil, tem a seguinte opinião: "UTI é o corredor da vida".

Daniel Alonso se recupera da cirurgia cardíaca, realizada na manhã da terça-feira (12), em uma das UTIs do Hospital Albert Einstein, justamente onde o Dr. Knobel, há 51 anos, implantou uma das primeiras UTIs do Brasil. Foi diretor da UTI por 47 anos e hoje segue como diretor emérito do setor no hospital.

Ele relata situações neste setor. "Até um minuto antes, até antes de entrar na UTI, o cara era o dono do mundo, era saudável, era elegante, era um esportista, de bem com a vida. De repente, pum. Existe uma quebra da estrutura de vida. . Já vi gente poderosíssima chegar ali".

Diz que nesse ambiente o orgulho de desmonta e já viu muitos familiares que não se falavam se reconciliarem, heranças perderam o valor e muita gente enxergar a própria fragilidade que antes não via.

Em 1970 o conceito de UTI ainda era novo no mundo, e o Dr. Elias topou o desafio de criar uma. Cardiologista clínico, elel liderou a estruturação e dirigiu por 32 anos a UTI do Hospital Israelita Albert Einstein, até hoje uma referência em terapia intensiva

Dr. Knobel acompanhou, nos últimos 51 anos, a evolução da Medicina e participou de momentos decisivos do incremento da saúde no país.

A lista de títulos dele é extensa: professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), master do American College of Physicians, fellow da American Heart Association e do American College of Critical Care Medicine e membro honorário do European Society of Intensive Care Medicine.

Ele também é autor de livros consagrados e centenas de artigos científicos. E leva no currículo algo que não estava em seus horizontes quando se formou em Cardiologia pela Unifesp em 1967: a criação da Unidade de Terapia Intensiva do Einstein.

O Dr. Elias tinha apenas 28 anos e a experiência de ter atuado em vários prontos-socorros de São Paulo quando chegou ao Einstein com a missão de implantar uma unidade especializada no atendimento a pacientes críticos.

Na época, o conceito era uma novidade aqui e em outras partes do mundo. A primeira UTI da Instituição foi inaugurada em 18 de maio de 1972. Tinha quatro leitos de cuidado intensivo e seis de semi-intensivo.

"Fomos um dos primeiros hospitais do mundo a contar com uma estrutura semi-intensiva", recorda ele, destacando o pioneirismo dentro do outro pioneirismo, que era a própria criação da UTI.

"Foi um período de desbravamento e entusiasmo, que implicava grandes aprendizados, inovações e adaptações. Era tudo muito novo. Precisamos, inclusive, aprender a consertar equipamentos importados, pois no Brasil ainda não existia assistência técnica habilitada", conta.

FAMA INTERNACIONAL

Depois da primeira UTI, vieram as expansões, com novas unidades em 1975 e 1996, consolidando o Einstein como detentor de uma das maiores estruturas de UTI do mundo.

"Fomos crescendo fisicamente, inovando em tecnologias e, principalmente, investindo em recursos humanos, que sempre foi o nosso grande diferencial", ressalta o Dr. Elias.

Os profissionais da equipe viajavam com frequência ao exterior para conhecer o que havia de melhor nos grandes centros médicos internacionais e trazer as inovações e boas práticas para dentro do Hospital. A estrutura tecnológica da UTI do Einstein logo se tornou uma das mais avançadas do mundo, e o trabalho ali desenvolvido foi ganhando fama internacional.

Antes de se tornar padrão no cenário assistencial, a unidade já trabalhava com indicadores e estabelecia seus próprios protocolos de conduta, práticas na época pouco comuns.

Trilhando caminhos inovadores, foi protagonista e palco de feitos marcantes no contexto brasileiro e internacional, como a adoção de mecanismos para controle da sepse (infecção generalizada) e infeções hospitalares comuns em UTIs e os avanços no tratamento do infarto e outros problemas cardiovasculares.

"A partir de um trabalho que sempre procurou combinar qualidade e sustentabilidade, fomos reconhecidos como a melhor UTI da América do Sul", orgulha-se o Dr. Elias.

USINA DE CONHECIMENTO

Essa bem-sucedida experiência virou referência, e o Dr. Elias perdeu a conta do número de participações em simpósios, aulas em faculdades e outros eventos científicos no Brasil e em países como Alemanha, França, Bélgica, Israel, Portugal, Chile, Argentina e Uruguai.

"Mostrávamos tudo de cabeça erguida, apresentando nosso elevado nível de qualidade no campo da terapia intensiva", enfatiza ele.

Sua expertise o conduziu a outras posições institucionais: foi um dos sócios-fundadores da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva e ativo participante da criação da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Foi também o idealizador do International Symposium on Intensive Care and Emergency Medicine for Latin America (ISICEM- LA), capítulo latino-americano do tradicional evento realizado em Bruxelas, considerado o mais importante simpósio de terapia intensiva do planeta.

"Além disso, fomos pioneiros na publicação de trabalhos científicos produzidos em UTI, realizados num hospital privado, o que era inédito naquela época. São mais de 700 publicações e muitos livros especializados", informa.

O Dr. Elias é autor de mais de 20 livros, três deles publicados também em espanhol. Entre eles, estão os manuais de Terapia Intensiva (Neurologia, Enfermagem e Nutrição, entre outros); Condutas em Terapia Intensiva Cardiológica; e o best seller Condutas no Paciente Grave, que está em sua 4ª edição. Escreveu, ainda, várias obras que extrapolaram com sensibilidade e criatividade os muros técnicos e científicos da medicina, como Memórias Agudas e Crônicas de uma UTI, Vivências e Confidências: Histórias Médicas, A Vida Por Um Fio e Por Inteiro e Coração... É Emoção, este último ganhador do Prêmio Jabuti 2011 (Psicologia e Psicanálise).

"No âmbito da literatura, minha grande inspiração é Moacyr Scliar, médico sanitarista gaúcho, um dos grandes contistas nacionais", revela.

IMPULSO HUMANISTA

Atualmente, o Dr. Knobel dedica boa parte de seu tempo às atividades em seu consultório no Einstein, um espaço decorado com fotografias e peças que tornam o ambiente aconchegante, como a coleção de corujas exposta no alto da estante e as peças de madeira esculpidas por ele próprio – um dos hobbies que cultiva, além da paixão por viagens e por temas relacionados a ecologia. É mais uma mostra de sua capacidade de transitar por diferentes mundos – da medicina à arte e literatura.

Na própria medicina transitou por eras diversas, e procura extrair o melhor de cada uma. "Eu sou um médico que participou do lançamento de todas as últimas grandes inovações da medicina: ecocardiograma, ultrassom, ressonância magnética, tomografia, medicina nuclear, etc. Contudo, tenho uma formação clínica ortodoxa. Sou aquele clínico de examinar, de por a mão no paciente", afirma o Dr. Knobel.

Qual o segredo para conciliar medicinas que hoje parecem tão diferentes?

"O que fiz foi aprender a usar todos esses avanços tecnológicos e associá-los a uma prática médica direcionada a quem realmente interessa: a pessoa", diz o médico. "De fato, o que me move é esse impulso humanista. Sou um médico ortodoxo que pratica medicina moderna", resume.

" EU VEJO UM PACIENTE QUE FICA NA UTI QUE SE DESPEDE E AS LÁGRIMAS CORREM"

Há mais de cinco décadas trabalhando em UTIs, o cardiologista diz que se sente frágil ao ter que enfrentar a morte de pacientes. "Com o tempo eu virei um patife. Eu vejo um paciente que fica na UTI que se despede e as lágrimas correm."

Dr. Knobel afirma que a pandemia da Covid-19 só escancarou a realidade estressante dos profissionais nas UTIs e a escassez de leitos, antes distante das classes brasileiras mais abastadas.

“"Todo mundo ficou perplexo com falta de leitos de UTI, estarrecido com a falta de respiradores durante a pandemia. Mas o problema é que quem trabalha em UTI vive esse problema no Brasil. O Brasil é um continente, tem vários Brasis. A polêmica do último leito e de quem vai usar o único respirador que tem é antiga. Isso nós vivemos há muito tempo"”, relata Knobel.

"Na pandemia, as portas da UTI foram abertas para o povo, que ficou estarrecido vendo um enfermeiro na frente de batalha se contaminando, um médico esgotado, com a face de sofrimento que todos têm. E eles continuaram trabalhando”", lembrou.

Por ser do grupo de risco da Covid-19, Knobel não esteve na linha de frente contra o novo coronavírus.

“"À medida que vou ficando mais velho, vou me aproximando da despedida. Não é nada trágico. É a história natural da vida", reflete.”

ENTREVISTA

PERGUNTA - O senhor esteve na linha de frente da UTI do Einstein contra a Covid-19?

KNOBEL - Fui discriminado, entre aspas, pela idade. Levanto todo dia às 5h30, vou dormir às 23h, meia-noite, tenho consultório todo dia. Mas usei o bom senso, fiquei recolhido. Tenho tido muita experiência com teleconsulta e telemedicina. Uma vez ou outra ia ao hospital e não entrava em contato com pacientes na UTI.

Mas acompanhei todo o preparo em relação à pandemia. Já tinha passado por situações difíceis e semelhantes na minha carreira, como na época em que apareceu a Aids, em 1974 com a epidemia de meningite, teve o H1N1 recentemente.

PERGUNTA: - Como a pandemia de Covid-19 foi comparável à outras situações?

KNOBEL - A do coronavírus eu confesso que, até certo ponto, pegou a gente de surpresa. No começo a Organização Mundial de Saúde relutou em declarar uma pandemia

Na de H1N1, nós tínhamos o tamiflu como uma medicação antiviral, estávamos com uma estrutura bem montada e não tivemos uma enxurrada de pacientes de uma vez só. Isso atenuou.

Na época do HIV, o Einstein foi o primeiro hospital a abertamente internar pacientes com Aids na UTI. Tinha uma ala no prédio onde ficavam esses pacientes. No começo tínhamos receio de nos contaminar com o HIV. Com o tempo fomos percebendo que quem era frágil era o paciente. Mas vi profissionais se espetando com agulha e tendo que se tratar.

A Covid-19 envolveu um grande trabalho físico e emocional. O pessoal estava se desgastando e o que a mídia percebia era só a ponta do iceberg. A base do iceberg é terrível. A polêmica do último leito e de quem vai usar o único respirador disponível é antiga. Isso nós vivemos há muito tempo sempre que se sai de um parâmetro de equilíbrio.

O Brasil nunca se preparou para uma assistência básica no mínimo decente. Se o governo tivesse utilizado medidas preventivas, uma fração do que se gastou na pandemia com compras de emergência e montando UTIs de campanha... Uma parte pequena disso seria suficiente para começar uma infraestrutura básica decente de saúde.

Há muitas UTIs públicas muito boas, mas essa questão sempre esbarra no recurso. Alguns políticos de um nível discutível preferem construir um viaduto do que infraestrutura sanitária. A UTI não aparece muito. Apareceu na pandemia, com todo mundo endeusando.

PERGUNTA - Falando um pouco da sua história, a UTI do Einstein, que o sr. implantou, foi uma das primeiras no país?

KNOBEL - Em 1967 não existia UTI. Pacientes graves iam para sala de recuperação, onde tinham mais recursos. No ano de 1969, 1970, é que que começaram as UTIs do Brasil. Surgiu em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em São Paulo mais ou menos ao mesmo tempo. No 9 de julho, no Sírio [Libanês], na Beneficência [Portuguesa], e a do Einstein, em 72.

PERGUNTA - As UTIs eram menos acessíveis? Era menos comum ir para a UTI?

KNOBEL - Com o tempo, foram se estabelecendo critérios de internação em UTI. Teve uma época em que todos os pacientes depois de uma cirurgia maior ficavam na UTI, porque a família ficava sossegada, o médico também. Mas isso tem um custo. A UTI é muito cara porque tem que ter gente, que é o mais importante, equipamento, estrutura e organização. E tem que ter critério, ser para paciente grave mesmo.

Agora começaram a importar respiradores ao montes e os que chegam são levados para um local onde não tem gente que saiba mexer. É a mesma coisa que dar uma Ferrari para eu guiar. O pessoal que trabalha com doente grave precisa saber clínica, cirurgia, informática, precisa mexer com respiradores, monitor cardíaco, tem que tratar infarto, insuficiência renal.

Enfermeiros de terapia intensiva deveriam ser ultravalorizados em termos de condição de trabalho e de remuneração. E é muito estressante, você se consome.

PERGUNTA - Do início das UTIs até agora, os equipamentos mudaram muito?

KNOBEL - Sim e não. É mais sofisticado hoje. É um Volvo e antes era um Toyota. O primeiro ventilador parecia uma geladeira, mas conseguia tratar o paciente. Esses de hoje tem uns botõezinhos a mais, circuitos melhores. É igual entrar no carro hoje, que tem um GPS. Mas os carros de antigamente te levavam aonde você queria.

PERGUNTA - No passado a UTI era vista como fim de linha?

KNOBEL - Na década de 1970, 1980, o Darcy Ribeiro chamou a UTI de corredor da morte, mas a UTI é o corredor da vida. Hoje é uma coisa muito mais humanizada. Fomos os primeiros a introduzir psicólogos na UTI. Eu adoro essa parte de humanização, fomos os precursores ao abrir portas para acompanhantes permanentes.

Antes era um terror, tudo fechado. Na hora em que as portas foram abertas e as pessoas começaram a olhar aqueles aparelhos, aquela parafernalha, elas ficaram horrorizadas. Eles mal entendiam que aquilo é que salvava vidas.

PERGUNTA - O senhor falou muito sobre tensão do ambiente. O que vocês fazem para o ambiente ser menos tenso?

KNOBEL - Quando você olha estatísticas sobre estresse nas profissões, você vai ver que nós dois somos premiados. Entre as mais estressantes estão profissionais de saúde e profissionais de mídia. Dentro da medicina, a situação mais estressante é com intensivistas, com UTI.

O estresse é muito grande para pacientes, familiares e profissionais. As pessoas tinham receio da luz na cara, do ambiente fechado, de não ter comunicação, contato. Mas quando se analisou a percepção do estresse, quem menos sentia era o paciente. Depois vinham o familiar e o profissional de saúde.

As estratégias foram abrir as portas, permitir visitas, acompanhantes. Temos em alguns lugares ambientes amplos em que o familiar dorme junto. Para humanizar, temos psicólogos, religiosos, passam padres, pastores, rabinos.

PERGUNTA - E para o médico?

KNOBEL - Estamos há anos falando de burnout. Lidamos com a vida. Você fica cuidando de uma pessoa e, de repente, ela morre na sua cara. Isso choca. É uma coisa muito estressante e sacrificante.

PERGUNTA - Como esse ambiente influenciou a sua vida?

KNOBEL - Não escondo que quando eu entrei na UTI eu tinha 28 anos. Cheguei a ter que conversar com psicólogos para dar respaldo. Tinha uma fase da vida em que eu acordava no meio da noite, não conseguia dormir bem. Você vive em um campo de batalha.

Quem trabalha em UTI nunca esquece. É muito difícil. Você vê tudo que pode imaginar. Além de você dar um remédio, ligar um aparelho, colocar um equipamento moderno, existe o ser humano que está lá. Nunca me esqueço da minha mãe e do meu pai na UTI. Isso te faz amadurecer, causa microtraumas.

É uma situação de limite de vida. Frequentemente fico emocionado lembrando. Tenho pacientes há 40 anos que eu conheço da UTI, que estão vivos. Isso é um prêmio que não tem dimensão.

PERGUNTA- Viver com a morte diariamente deve mudar a percepção sobre o tema. Como você enxerga a morte?

KNOBEL - Eu virei um patife. Com o tempo eu virei um patife. Eu vejo um paciente que fica na UTI que se despede e as lágrimas correm. Mesmo que não seja o seu paciente, quando você vai numa UTI você vê alguém que poderia ser seu irmão, seu pai, sua esposa, seu filho. Até um minuto antes, até antes de entrar na UTI, o cara era o dono do mundo, era saudável, era elegante, era um esportista, de bem com a vida. De repente, pum. Existe uma quebra da estrutura de vida. Quando acontece com ele, acontece com a família toda. A família desagrega. Já vi gente poderosíssima chegar ali. Não tem dinheiro que pague.

O ser humano é muito forte e frágil ao mesmo tempo. Quantas vezes não vi gente entrar com febre de manhã e, no fim da tarde, morrer. Eu não posso ignorar isso

À medida que fico mais velho, vou me aproximando da despedida. Não é nada trágico. É a história natural da vida.


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