
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ofereceu denúncia à Justiça contra a fonoaudióloga Bianca Rodrigues Lopes Gonçalves, acusada de agredir e ofender crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em sua clínica particular em Duartina.
O caso começou a ser investigado pela Polícia Civil em junho do ano passado. Ao final do inquérito policial, a fonoaudióloga responsável pela clínica, Bianca Rodrigues, foi indiciada por tortura e estelionato. Na denúncia oferecida à Justiça, nesta quinta-feira (31), o MP-SP ratifica o teor dos crimes na acusação, denunciando-a também por tortura e estelionato. Além de Bianca, a terapeuta ocupacional, Gabrielle Marques Silveira Cézar, também foi citada pelo MP-SP no documento entregue à Justiça. No entanto, ela foi denunciada apenas pelo crime de tortura. À época do inquérito policial, o delegado responsável pelo caso, Paulo Calil, afirmou que as duas compareceram às intimações e, por isso, permanecem em liberdade. Ao g1, o advogado Luiz Fernando Piccirilli, que defende as profissionais citadas na denúncia, informou que desde o início tem colaborado com as investigações e que suas clientes “negam com veemência os fatos e as informações que constam dos autos de inquérito, da denúncia e demais meios de acusação”. Conforme o advogado, a postura da defesa será mantida nesse novo desdobramento do caso, que é apresentação da denúncia pelo MP e que aguarda agora a apreciação pela Justiça. “É necessário pontuar que todas as acusações destoam de todo o histórico profissional e pessoal das acusadas, demonstrando de uma forma clara que os supostos fatos devem ser melhor analisados, já que as acusadas jamais cometeram qualquer irregularidade ou crime, especificamente as absurdas acusações de estelionato e tortura”, completa. "Esta é uma etapa processual, onde é preciso relembrar que ainda persiste a presunção de inocência e a necessidade de que o conteúdo do inquérito policial e da denúncia seja confrontado com outros meios de prova, com base no devido processo legal. Essa etapa é também uma oportunidade para que demais fatos, nomes e contextos sejam trazidos à apreciação do judiciário, principalmente para confrontar determinadas circunstâncias que foram tratadas em inquérito policial de forma que beirou a ausência de imparcialidade." A defesa aponta que "se os fatos tivessem ocorrido na forma exposta no inquérito, certamente haveria mais pessoas indiciadas como responsáveis perante a Justiça. Em Juízo será esclarecida tanto a verdade sobre os fatos como todos os pontos que não foram tratados com a devida transparência e ponderação", destaca a nota. O advogado diz que "defesa confia no Estado Democrático de Direito e nas instituições, no sentido de garantirem a lisura e imparcialidade essenciais para um justo julgamento que, ao final, esclareça a verdade que foi manchada pela ânsia condenatória que protagonizou o cenário até então." Denúncia Segundo Cristiano de Barros Santos, promotor de Justiça de Duartina e autor da denúncia, ficou comprovado na investigação que a clínica não cumpria com o que foi prometido no tratamento disciplinar e individual, com fraudes sobre a quantidade de procedimentos oferecidos, além de provocar sofrimento às crianças. "Bianca dizia oferecer um tratamento individual e multidisciplinar, isto é, psicológico, fonoaudiológico e terapêutico. Todavia, os atendimentos, que eram para ser individuais e multidisciplinares, acabavam, quando feitos, por serem prestados de forma simultânea às crianças. Bianca, a fim de ludibriar os pais das crianças, criou uma agenda para falsos atendimentos", aponta parte da denúncia. Em agosto do ano passado, a Polícia Civil informou que o laudo da perícia comprovou a autenticidade das fotos, vídeos e prints relacionados ao caso, e não havia qualquer tipo de montagem ou fraude nas imagens que indicavam tortura das investigadas contra as crianças. Imagens das agressões não foram divulgadas, mas o g1 teve acesso a vídeos enviados pela família das crianças e também a prints de aplicativos de conversas da fonoaudióloga (leia mais abaixo). "Tal tortura se dava pela utilização de rotinas e métodos de trabalho que incluíam violência física e psicológica aos infantes que ali estavam para receber tratamento, supostamente individualizado e multidisciplinar, sob a guarda das denunciadas, para o transtorno do espectro autista que os acometiam. Esta rotina de humilhações, violências além de práticas degradantes impingia as vítimas intenso sofrimento mental e psicológico", pontua o promotor na ação. Relembre o caso O caso surgiu no fim de junho. Na época, mães relataram que não estavam percebendo evoluções no tratamento dos filhos, e uma ex-funcionária da fonoaudióloga contou que as crianças não estavam recebendo atendimento. "As crianças não estavam tendo atendimento. A fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo. E eu estou cursando psicologia, ainda não tenho esse repertório de fazer o tratamento adequado", afirmou. Além da falta de atendimento, outras denúncias relacionadas à fonoaudióloga começaram a aparecer. A ex-funcionária, que era contratada como acompanhante terapêutica de um dos meninos atendidos, disse que viu a criança levar um tapa da profissional. A mulher registrou imagens, áudios e vídeos das crianças durante os atendimentos e as entregou à polícia. Uma das mães relatou que o filho começou a falar quando trocou de clínica e profissional para continuar o acompanhamento. Dessa vez, a mãe do paciente contou que o menino de cinco anos frequentava as consultas com a fonoaudióloga todos os dias, desde que foi diagnosticado. "Com o tempo, a gente percebeu que ela negligenciava o tratamento. Meu filho estacionou. A gente perguntava para ela nas reuniões e ela dizia que era assim mesmo, um processo devagar. Na clínica, a Bianca explicava que o meu filho conversava, mas a gente não via isso em casa", lembra. Relatos das mães Mães denunciam agressões e tortura contra crianças autistas em clínica de Duartina Outras mães também conversaram sobre as denúncias de agressões. Uma delas disse que desconfiou da situação quando o filho de 3 anos passou a recusar qualquer tipo de toque no órgão genital. Segundo a mãe, ele chorava muito quando tentavam dar banho ou trocar a fralda e na época o menino não falava. Mais tarde, quando começou o tratamento em outro local, ele contou que a fonoaudióloga tocava nele. Outra mãe ouvida pela reportagem contou que o filho, de 9 anos, era trancado em salas no consultório. Ela descobriu o ocorrido quando foi chamada à delegacia e viu a foto que mostra as mãos do menino no vidro. Ainda segundo esta mãe, o filho voltava para a casa com as roupas urinadas e, algumas vezes, sem camiseta. Já uma terceira mãe relatou que o filho de seis anos levou um tapa na boca por ter mordido a profissional. Prints Prints de conversas mostram a fonoaudióloga tentando forjar atendimentos. "Dá uma disfarçada, sabe, finge que eu tô atendendo" e "eu não vou à tarde para a clínica amiga, inventei para a [nome] que tenho reunião" são algumas das mensagens divulgadas. Alguns prints também mostram que a profissional teria ofendido pacientes. Segundo as denúncias, as conversas seriam de agosto de 2021.


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