O jornal boliviano El País publicou matéria sobre a prisão do empresário João Henrique Pinheiro. Produtores de cana-de-açúcar bolivianos, que acusam Pinheiro de crime de estelionato e perda de cerca de R$ 3,5 milhões, pedem a extradição dele para a Bolívia. O empresário estava na lista vermelha da Interpol e foi preso após desembarcar na Espanha, no final de maio.
A ÍNTEGRA DA REPORTAGEM DO JORNAL EL PAÍS
Cicasa, a promessa de um engenho de açúcar para Bermejo (cidade da Bolívia) que acabou numa burla.
Os produtores de cana de açúcar de Bermejo exigem a extradição de João Henrique Pinheiro, o empresário brasileiro que prometeu um engenho de açúcar e acabou na lista vermelha da Interpol. Atualmente, encontra-se detido em Espanha
Em 2019, a esperança ressurgiu nos canaviais de Bermejo. Com a aprovação do Governo Nacional e o aval do Ministério do Desenvolvimento Rural e Terras (MDRyT), o Complexo Industrial Canavieiro (Cicasa) foi oficialmente estabelecido.
Este ambicioso projeto prometia processar 2.500 toneladas de cana-de-açúcar por dia, aliviando assim o excesso de oferta não absorvido pela envelhecida usina IABSA. No entanto, seis anos depois, o que começou como uma promessa de desenvolvimento acabou se tornando um pesadelo jurídico e financeiro para os produtores, que agora buscam justiça após terem sido fraudados em US$ 684.000.
O Golpe por Trás do Sonho
O homem no centro desta história é João Henrique Pinheiro, um cidadão brasileiro que se apresentou como empresário industrial e fornecedor de máquinas especializadas para a construção da usina.
Segundo Rodolfo Garzón, representante da Cicasa e líder da Federação dos Produtores de Cana-de-Açúcar do Sul (Fecasur), foi Pinheiro quem convenceu os investidores a prosseguir com o contrato, assinando documentos públicos e recebendo um total de US$ 684.000, dinheiro transferido de bancos bolivianos para contas internacionais. “Cumprimos todos os desembolsos exigidos pelo contrato. Ele chegou a enviar um engenheiro do Brasil para trabalhar na terraplenagem e no projeto da instalação”, explica Garzón, observando que o maquinário nunca chegou.
O que se seguiu foi uma longa e frustrante busca por justiça. Diante dos evidentes atrasos na entrega do maquinário, uma comissão da Cicasa viajou ao Brasil, onde confirmou que o equipamento que Pinheiro havia exposto não lhe pertencia. Com base nesses antecedentes, decidiram instaurar um processo criminal por fraude qualificada em Tarija, dada a impossibilidade de litigar no Brasil devido aos altos custos e às exigências de cidadania no país.
Captura Internacional
Com as provas documentadas, o caso avançou no Ministério Público de Tarija, até que o Tribunal Público de Família e Investigação Criminal de Bermejo emitiu um mandado de captura internacional para João Henrique Pinheiro, activando o selo vermelho da Interpol.
No entanto, mesmo com esse mandado, não foi possível localizar o acusado no Brasil. Segundo Garzón, Pinheiro chegou a se candidatar a prefeito de Marília e manteve um perfil público elevado, mas foi difícil notificá-lo em juízo.
Depois de não obterem respostas nessa primeira ocasião no Brasil, os afectados apresentaram um segundo pedido de cooperação para congelar as suas contas e registar os seus bens, mas mais uma vez sem sucesso. A justiça brasileira era hermética.
A reviravolta inesperada ocorreu a 27 de maio de 2025, quando a Interpol notificou, a partir de Madrid, Espanha, que Pinheiro tinha sido detido e colocado sob custódia, abrindo uma nova possibilidade para o caso avançar: um pedido formal de extradição para a Bolívia.
O projeto que nunca foi
A Cicasa não foi um projeto improvisado. Em 2019, os produtores de cana-de-açúcar passaram dois anos negociando sua aprovação com o MDRyT, obtendo autorização para usar 10.463 hectares agrícolas para o cultivo de cana-de-açúcar.
Ao mesmo tempo, a Cicasa foi legalmente registada na Fundempresa e foi realizado um estudo técnico que avaliou o custo total da fábrica em 12 milhões de dólares, com tecnologia importada que lhe permitiria processar cana tanto para açúcar como para álcool anidro para venda à YPFB.
Os mais de 1.000 produtores filiados à Fecasur foram diretamente afetados. Para além da fraude, o tempo perdido teve impacto na sua economia, especialmente quando a fábrica da IABSA não conseguiu absorver toda a produção.
Atualmente, o projeto Cicasa continua paralisado. Sem máquinas, sem fundos e com um processo judicial em curso, os produtores de cana-de-açúcar de Bermejo continuam a carregar o peso da frustração. O que poderia ter sido uma alternativa produtiva para uma das regiões mais atrasadas de Tarija tornou-se um símbolo de desconfiança e fraude.
A usina de açúcar
O misterioso desaparecimento do acusado no Brasil
Enquanto na Bolívia os produtores de cana de Bermejo acompanham o processo judicial por fraude agravada contra o empresário João Henrique Pinheiro, no seu país de origem, o Brasil, a sua ausência prolongada tem gerado especulações.
Segundo o Marília Notícia, Pinheiro - conhecido por ser o candidato mais rico a prefeito de Marília nas eleições de 2024 - foi colocado na lista vermelha da Interpol em setembro do mesmo ano, a pedido das autoridades bolivianas.
O empresário deixou o Brasil no dia 26 de maio em um voo para Madri, na Espanha, e não há registro de seu retorno desde então. A notícia da sua inclusão na lista vermelha só veio a público meses depois, aumentando as dúvidas na sua terra natal sobre o seu paradeiro.
Apesar de algumas fontes terem rumores de que teria sido detido em Espanha, o seu advogado no Brasil, Luiz Eduardo Gaio Junior, negou ter confirmação da detenção. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também disse não poder fornecer qualquer informação sobre o assunto. Atualmente, não há mandado de prisão em vigor em solo brasileiro.
Além disso, Pinheiro enfrenta um processo civil em Marília, incluindo uma ordem de despejo de um imóvel no aeroporto daquela cidade, ocupado pela sua empresa Sugar Brazil, por uma dívida de mais de 88 mil reais. Tudo indica que seu histórico de conflitos judiciais vai além da Bolívia.