Um caso de estelionato através de anúncio de venda uma motocicleta no site OLX/Facebook, em Marília, motivou ação judicial da mulher que vendeu a moto com pedido de liminar e busca e apreensão do veículo.
Ela alegou ter ficado no prejuízo de R$ 6.000 após ter assinado o recibo de transferência e entregue a motocicleta para a compradora. Isso porque não recebeu o valor, apenas um comprovante falso de depósito enviado por um golpista que "intermediou" o negócio.
Na decisão, publicada nesta segunda-feira (31), o juiz Valdeci Mendes de Oliveira, da 4ª Vara Cível do Fórum de Marília, declarou existente a relação jurídica de compra e venda de automóvel conforme o recibo de transferência com firma reconhecida e também considerando a eficácia excepcional da compra e venda com possibilidade de se compensar ou repartir os prejuízos entre as partes e condenou a compradora da motocicleta a pagar para a dona do veículo a quantia de R$ 3.000,00, ou seja, 50% do valor de 6 mil, com juros a partir da citação e correção monetária a partir da sentença. Cabe recurso à decisão.
O CASO
Conforme os autos, a dona da motocicleta, J.L.C, ajuizou ação de obrigação de entregar bem contra a compradora, A.S.F.S, com tutela de urgência de busca e apreensão" contra a compradora.
A dona da moto, alegou na ação que foi vítima de um golpe quando, ao anunciar no site "OLX" a venda de sua motocicleta Yamaha/YBR 125, Factor ED, e já dentro do Cartório de Notas para reconhecer firma de sua assinatura, foi-lhe demonstrado o pagamento do veículo via TED, mas futuramente descobriu que a referida transferência não havia sido efetivada.
Na ocasião, foi mostrado para a dona da moto um "suposto" recibo de R$ 6.500,00 e, acreditando haver recebido o dinheiro, ela entregou a motocicleta e o recibo do veículo. Aconteceu que, ao verificar o extrato bancário, percebeu que não havia sido feito qualquer depósito em sua conta bancária e que havia sido vítima de um golpe.
Dessa forma, a dona da moto efetuou a entrega do bem e assinou o recibo da transferência em 22/07/2020, mas não recebeu qualquer valor. Ao descobrir que havia sido vítima de um golpe lavrou o Boletim de Ocorrência Policial e em seguida ajuizou um pedido condenação da compradora na devolução da motocicleta ou subsidiariamente na indenização por perdas e danos do valor de R$ 6.000,00.
A liminar foi deferia e modificada parcialmente por acórdão. A compradora da moto foi devidamente citada e contestou a ação, ponderando essencialmente que adquiriu a motocicleta após acessar anúncio no Facebook e fazer contanto com pessoa de nome "Aderval" que se identificou como "tio" da dona da moto, tendo feito o pagamento por meio de depósito no valor de R$ 3.800,00 diretamente na conta do terceiro "Aderbal".
Após a assinatura do recibo e o envio do comprovante para vendedora, a motocicleta lhe foi entregue e ela retornou para sua cidade, Guaiçara (76 quilômetros de Marília).
Ao chegar em sua casa recebeu um telefonema da dona da motocicleta informando que havia sido vítima de um golpista. Então se recusou a devolver o bem e ponderou que "tanto a autora, quanto a requerida, foram vítimas de um “golpe” e também registrou um Boletim de Ocorrência Policial. Pediu-se a revogação da medida liminar.
Designada uma audiência de conciliação, não foi possível o acordo entre as partes.
O JUIZ DECIDIU
"Cuida-se de uma ação condenatória para entrega de coisa certa consistente de uma motocicleta Yamaha/YBR 125 e, no caso vertente, os argumentos das partes, os fatos supervenientes e os documentos já juntados nos autos, permitem o julgamento antecipado da lide.
Há fatos notórios, confessados, supervenientes e incontroversos (CPC, arts. 355, I, 374, I, II, III e 493). No presente caso em especial, atendidas as particularidades da lide, a ação da Requerente é apenas parcialmente procedente para acolhimento em parte do pedido subsidiário, com a ressalva de que os prejuízos deverão ser repartidos entre os litigantes conforme o precedente jurisprudencial abaixo transcrito, e também com as ressalvas assecuratórias do direito de regresso contra os terceiros-fraudadores. Na verdade, por diversos motivos relevantes e preponderantes a ação da Requerente é procedente em parte com as ressalvas a seguir. Em primeiro lugar, os dois Boletins de Ocorrências Policiais e a transferência bancária, além das mensagens trocadas entre as partes efetivamente indicam que as partes-litigantes foram vítimas de um golpe ou fraude de terceiro conforme a própria Ré admitiu na contestação, a ponto dela própria lavrar um B.O em sua cidade. Note-se que, as partes caíram num golpe, mas aderiram ou participaram e deram origem ao nascimento de uma compra e venda com o recibo de transferência assinado por quem tinha legitimidade para assiná-lo e para reconhecer a firma.
Em segundo lugar, a própria Autora preencheu e assinou o recibo de transferência do automóvel para a Requerida, o que significa dizer que a Autora concordou, colaborou e quis consolidar a venda e compra do automóvel para a Ré, conquanto sob fraude de terceiros, e não como vítima de furto ou roubo. Houve assim vontade de transferir e assinatura para tanto da própria vendedora.
Em terceiro lugar, dentro das circunstâncias especiais do caso (CPC, arts, 8º e 322, § 2º), se a referida Autora preencheu e assinou o recibo de venda para a Requerida, ela não pode se prevalecer do art. 1.268, § 2º do Código Civil (alienação ou venda “a non domino”), impondo-se aqui reconhecer a eficácia do pagamento feito por quem tinha legitimidade para fazê-lo e que importava a transmissão da propriedade (CC, art. 307), ainda que sob a fraude de terceiro ou estelionato, não se tratando da hipótese de roubo ou furto (CC/1916, art. 521, e CC/2002, art. 1.268).
A rigor, com a sua assinatura no recibo, a Autora colaborou, consentiu e anuiu na compra e venda para a Ré, conquanto tenha confessado ter caído num golpe, aplicando-se aqui, ainda que por analogia, os seguintes precedentes jurisprudenciais...
Assim sendo, considerando o conjunto da postulação, os fatos supervenientes e os princípios previstos nos arts. 8º, 139, inc. IV, 322, § 2º e 493 do Código de Processo Civil, bem assim considerando o pedido subsidiário feito pela própria Autora nas fls. 162, a ação da Requerente é parcialmente procedente para repartição ou compensação judicial dos prejuízos entre vendedora e adquirente, tudo com as ressalvas seguintes.
A Requerida permanece com a motocicleta, consolidada a transferência conforme o documento, ficando deferido o levantamento do bloqueio Renajud , todavia, a Requerida deverá pagar para a Autora metade do valor anunciado pela Autora do bem de R$ 6.000,00, ou seja, a Requerida deverá pagar para a Autora o valor de R$ 3.000,00, aplicando-se aqui os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade previstos nos arts. 8º, 322, § 2º do Código de Processo Civil e mais o seguinte precedente jurisprudencial...
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação ajuizada por J.L.C contra A.S.F.S, e consequentemente declaro existente a relação jurídica de compra e venda de automóvel conforme o recibo de transferência com firma reconhecida , e considerando o pedido subsidiário da própria Autora e ainda os precedentes jurisprudenciais acima transcritos, e também considerando a eficácia excepcional da compra e venda com possibilidade de se compensar ou repartir os prejuízos entre os litigantes (CPC, arts. 8º, 139, IV e 322, § 2º), declaro a compensação judicial e condeno a Requerida a pagar para a Autora a quantia de R$ 3.000,00, ou seja, 50% do valor de 6 mil, agora com juros a partir da citação e correção monetária a partir da presente sentença.
As partes foram reciprocamente vencidas e vencedoras e cada qual pagará os seus respectivos advogados. As custas processuais serão suportadas 50% por cada parte-litigante. P.I.C. Marilia, 31 de julho de 2023".
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