- Por Adilson de Lucca
Justiça condena construtora a pagar indenizações por transtornos e atraso na entrega de apartamentos

Compradora de apartamento no Residencial Meridien ajuizou ação contra a MRV
A Construtora MRV (que figura como ré em várias ações aqui na cidade) sofreu duas condenações judiciais em Marília por transtornos e atraso na entrega de apartamentos e deve pagar indenizações por danos aos compradores. As decisões são da juíza Thaís Feguri Krizanowiski Farinelli, da 5ª Vara Cível do Fórum de Marília e cabem recursos.
Na primeira ação, denominada vícios de construção, Caroline Rotole de Oliveira, alegou que adquiriu um apartamento tipo Giardino (quintal privativo), a ser construído em data futura. Alega que lhe foi apresentado documento que permitia a visualização do imóvel, que possuiria “Área Real Privativa” e “Área Real Privativa Descoberta”, sendo tal espaço de uso exclusivo da adquirente da unidade para atividades de lazer, de recreação e de convivência.
Afirmou que a MRV, na construção da obra, instalou em tal área caixas de contenção/inspeção de esgoto e dejetos orgânicos, que coletam efluentes de origem comum, alocadas em sua área privativa. Apontou que tal situação fere norma da ABNT e pediu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a existência de defeito do produto, por vício de inadequação e depreciação do imóvel. Pediu indenização de R$ 18 mil.
A MRV contestou a ação, alegando, preliminarmente, coisa julgada e pediu a condenação da autora às penas da litigância de má-fé. Prejudicialmente ao mérito, suscita a ocorrência de decadência (Código de Defesa do Consumidor e Código Civil) e de prescrição quinquenal. No mérito, afirma que a autora tomou posse do imóvel em 14/04/2014 e somente ajuizou a ação passados quase 7 anos após receber o bem e cientificar-se das instalações, sem qualquer ressalva.
Ponderou que a autora foi cientificada da possibilidade de instalação de caixas de gordura, sabão e passagem de esgoto e água pluvial em áreas privativas, conforme memorial descritivo, o que também constou do termo de entrega das chaves. Alegou que as instalações não possuem potencial de colocar a unidade do autor em condições insalubres, ou gerar riscos ao local. Sustenta a inexistência de danos materiais indenizáveis.
A JUÍZA DECIDIU
"...Incontroversa a relação jurídica havida entre as partes. Realmente, a autora entabulou com a requerida em 05/03/2012 “Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda”, referente à unidade do Residencial Meridien, no Jardim Cavallari, o qual possui área privativa descoberta...
Na hipótese dos autos, a despeito das alegações da requerida, irretorquível que o imóvel adquirido pela requerente possui na área privativa descoberta a instalação de caixas de contenção, ou seja, de caixas de gordura e de esgoto, sobretudo porque a ré afirmou que “com relação a localização destes dispositivos, a ABNT NBR 8160 determina que as caixas de gordura e sabão devem ser instaladas ao final dos respectivos tubos de queda. Importante destacar, que o final do tubo de queda se configura exatamente na área privativa acessória descoberta.”.
Além disso, o memorial descritivo discorre acerca da possibilidade da existência desses mecanismos, no sentido de que “as caixas de gordura, sabão e passagem de esgoto e água pluvial poderão ser executadas nas áreas privativas descobertas do pavimento térreo”, o que confere verossimilhança às alegações da autora...
Logo, a falha na prestação dos serviços pela fornecedora, ora requerida - reconhecida por sentença transitada em julgado, impossibilitando a rediscussão pelo mesmo fato e cujo conteúdo decisório constitui premissa para o julgamento deste feito - atrai a responsabilidade da ré, considerando-se que a requerente adquiriu unidade de apartamento localizada no térreo do empreendimento, haja vista a possibilidade de aproveitamento da área privativa externa descoberta, tornando verossímil e indiscutível a alegação de que ela não tinha conhecimento a respeito da instalação de caixas de gordura, de esgoto e de águas pluviais nas dependências de sua unidade.
Nesse contexto, inconteste que a parte requerida violou o direito da autora de ser devidamente informada acerca do negócio que estava sendo entabulado entre as partes. Dispõe o art. 6.º, inciso III, do CDC que é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Portanto, depreende-se que a requerida descurou do dever de informação a que estava jungida, sobretudo porque sequer produziu provas no sentido de demonstrar que a adquirente foi cientificada, com clareza, acerca da existência de caixas de gordura, de esgoto e de águas pluviais e das possíveis consequências advindas desta circunstância, mormente porque, detentora dos projetos de edificação e hidráulico do condomínio, tinha prévia cognição acerca das unidades que receberiam as caixas de passagem de água pluvial, de gordura e sabão e de esgoto.
Não se sustenta o argumento da ré de que a instalação das caixas não prejudica a utilização da área privativa externa. É evidente que se tornou inviável a livre fruição da área diante da instalação de caixas sanitárias. De fato, a instalação dessas espécies de caixas em área privativa do imóvel, que se destina ao lazer e à recreação, impediu o uso do bem na forma pretendida pela adquirente...
Em relação ao dano material, a desvalorização do imóvel decorre diretamente da restrição ao gozo pleno da propriedade, seja pela inconteste diminuição da área útil dele, seja pela necessidade de se conceder acesso a terceiros estranhos para a manutenção periódica das referidas caixas. Inegável que a limitação do direito de propriedade com a instalação de bem de uso comum do condomínio em a área privativa impõe compensação pela desvalorização da unidade autônoma da requerente...
Podendo escolher entre um imóvel sem a respectiva caixa na área privativa e outro com ela instalada, referindo-se ao recebimento de dejetos de outras unidades, o consumidor certamente optaria pela aquisição de imóvel que tivesse maior área útil e não lhe trouxesse a inconveniência de ter de anuir com o ingresso de técnicos de manutenção, mesmo que de maneira eventual.
Decerto que um imóvel contendo caixas nessas condições sofre maior depreciação valorativa pelo decurso do tempo, sobretudo diante da possibilidade de intercorrências junto ao sistema sanitário. Assim, deve ser reconhecida a depreciação, o que já restou assentado no v. acórdão supracitado, inclusive.
Decerto que as perícias técnicas utilizadas como provas emprestadas, realizadas para averiguar a depreciação de imóveis em razão da existência de caixas de gordura em área privativa, tal como a hipótese dos presentes autos, constataram, respectivamente, uma desvalorização de 15% e de 10% dos valores dos bens avaliados.
Um dos pareceres anexados pela autora demonstra desvalorização do imóvel em 15% do valor da compra, o que se coaduna com os índices trazidos pela requerida em suas avaliações de mercado, denotando que “um imóvel com a presença de uma caixa de gordura em área privativa, segundo resultado de pesquisa de mercado, demonstrou valorizar 15% menos do que um imóvel padrão”.
Portanto, de rigor a parcial procedência da ação. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação ajuizada por Caroline Rotole de Oliveira contra MRV Engenharia e Participações, para o fim de condenar a requerida a pagar à autora indenização por danos materiais correspondente a 15% (quinze por cento) sobre o valor do contrato, corrigido monetariamente pela Tabela Prática do E. Tribunal de Justiça de São Paulo desde a data da celebração do negócio jurídico e com juros de 1% a partir da citação".
OUTRA AÇÃO
Em outra ação por vícios de construção contra a MRV, Carina Ramos Valenciano, alegou que em 05/02/2012 firmou com a ré contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel, com prazo de 24 meses para entrega do bem. Pontua que subscreveu o contrato de financiamento bancário em 29/10/2012. Aduz, todavia, que o imóvel somente lhe foi entregue em 03/07/2015.
Argumentou fazer jus à indenização por lucros cessantes no valor de R$ 9 mil correspondente a 9 meses de locativos que deixou de ganhar. Sustentou a existência de danos morais indenizáveis.
A MRV alegou litigância de má-fé da parte autora e de seus patronos... No mérito, afirmou que a obra foi entregue no prazo contratual, não havendo se cogitar em mora, porquanto a entrega das chaves estava prevista para 21/09/2019, na medida em que o registro do contrato de financiamento à construção do empreendimento firmado entre a ré e o agente financeiro ocorreu em 21/01/2013. Destacou que a previsão para entrega de chaves era de 32 meses após o registro do contrato de financiamento. Assevera a existência de cláusula contratual possibilitando a prorrogação de conclusão da obra por até 180 dias...
A requerente sustenta a existência de mora na entrega do imóvel, postulando reparação por lucros cessantes e por danos morais.
Portanto, considerando que o imóvel deveria ter sido entregue em 05/05/2015 e que a ação foi ajuizada em 11/03/2021, não caracterizada a prescrição. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passa-se ao exame do mérito.
a promitente compradora adquiriu um “Apartamento 2 quartos Parque Mirabilis no bairro Higienópolis, a ser pago parceladamente à promitente vendedora, a qual se obrigou à construção do imóvel e entrega do bem após determinado prazo. Aliás, a requerida confirma em contestação esse liame. Ocorre que o instrumento contratual não estabeleceu de forma clara e expressa a data de entrega do bem. Observe-se que, consoante o quadro 5 do contrato particular de promessa de compra e venda - Quadro Resumo, a previsão para entrega de chaves era de 32 (trinta e dois) meses após o registro em cartório do contrato de financiamento para construção do empreendimento, firmado entre a construtora e o agente financeiro, o que evidencia o abuso por parte da fornecedora. Lado outro, não se pode olvidar que a cláusula quinta do contrato entabulado entre as partes previu que “A PROMITENTE VENDEDORA se compromete a concluir as obras do imóvel objeto deste contrato no prazo estipulado no item 5 do Quadro Resumo, salvo se outra data for estabelecida no contrato de financiamento com instituição financeira. Nesta hipótese, deverá prevalecer, para fins de entrega das chaves, a data estabelecida no contrato de financiamento.”.
Por sua vez, o contrato firmado pela ré com a instituição financeira previu o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para o término das obras.
Logo, cabível a adoção da interpretação mais favorável ao consumidor (CDC, art. 47 do CDC), devendo ser considerado como termo inicial a data da assinatura do contrato firmado em 05/12/2012, mais o prazo de tolerância de 180 dias, para a entrega do bem. Assim, o prazo limite para entrega do imóvel deu-se em 05/05/2015.
Nesse contexto, as chaves do imóvel foram entregues à autora em 03/07/2015 e, portanto, após escoado o prazo contratualmente estabelecido entre os litigantes, de modo que cabível o pagamento de lucros cessantes, ante a impossibilidade de fruição do bem, por inadimplemento culposo da parte requerida,
O valor da indenização a título de lucros cessantes corresponderá ao percentual de 0,5% ao mês sobre o preço do contrato desde 05/2015 até a efetiva entrega das chaves, limitado, de qualquer modo, ao valor mensal indicado na petição inicial (fls. 04), sob pena de julgamento ultra petita. No que tange aos alegados danos morais, a pretensão indenizatória é improcedente.
Com efeito, a requerente não comprovou reverberação negativa em sua esfera moral, não transbordando a questão o mero aborrecimento. Sequer há provas de que a autora foi exposta a situação vexatória ou humilhante de maneira a ofender seus direitos da personalidade em razão do contrato sub judice, não se entrevendo da causa de pedir circunstâncias excepcionais que justifiquem o acolhimento do pedido. Malgrado a responsabilidade objetiva da ré em razão da atividade empresarial e por se tratar de relação de consumo (CC, art. 927, p. único e CDC, art. 14), como é cediço, para surgir o dever de indenizar, não basta à prática do ato ilícito, sendo, pois, imprescindível a demonstração do dano resultante da conduta ilícita, além, é claro, do nexo de causalidade entre referida conduta e o resultado lesivo. Ocorre, porém, que, no caso em apreço, mesmo diante da constatação do inadimplemento contratual relativo pela requerida, não houve a comprovação dos danos morais alegados pela parte autora. Os fatos narrados na petição inicial não são causa de especial ofensa à honra ou à dignidade da adquirente.
Realmente, da análise do caso não se vislumbra nenhum fato de maior relevância e com força para atingir os atributos da personalidade da autora, capaz de lhes causar eco de ordem moral concretamente experimentado. Igualmente, não ficou demonstrado nenhum desgaste excessivo suportado pela autora, não havendo como se presumir a existência de danos morais indenizáveis. Embora a autora tenha sido obstada de usufruir da unidade autônoma, o atraso na entrega das chaves foi de 2 meses e a consumidora não descreve na petição inicial qualquer situação capaz de produzir os alegados danos imateriais, limitando-se a narrar aborrecimentos em virtude da mora e danos de cunho eminentemente patrimoniais, decorrentes da não fruição do bem.
O mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação exacerbada estão fora da abrangência do dano moral, por fazerem parte da normalidade do cotidiano de qualquer pessoa, não sendo intensas e duradouras o bastante para romper o equilíbrio psicológico do indivíduo a ensejar reparação...
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação ajuizada por Carina Ramos Valenciano contra MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A, para o fim de condenar a requerida ao pagamento de lucros cessantes em favor da parte autora, em valor correspondente a 0,5% ao mês sobre o preço do contrato desde 05/2015 até a efetiva entrega das chaves, limitado à quantia mensal indicado na petição inicial, corrigido monetariamente pela Tabela Prática do E. Tribunal de Justiça a partir do ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE".