- Por Adilson de Lucca
Justiça condena construtora em Marília por danos em imóvel construído sobre "lixão" e taxa ilegal

Duas ações ajuizadas por moradores de condomínios contra a Construtora Serve Engenharia, de Marília, foram julgadas procedentes pela Justiça e a empresa condenada a ressarcir os autores das ações por danos materiais inerentes à reforma necessária ao conserto dos danos provocados no seu imóvel e a devolução de taxa cobrada ilegalmente pela Construtora.
PRIMEIRA AÇÃO
A juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, da 1ª Vara Cível do Fórum de Marília,
acatou ação de Indenização por Dano Material ajuizada por Marcelo Sparapan contra a Serve Engenharia.
O morador alegou que adquiriu o imóvel localizado na Rua José Domingues de Oliveira, na Zona Norte de Marília, construído pela construtora. Com o passar dos anos, o imóvel apresentou instabilidade em sua construção, com surgimento de diversas rachaduras tanto na área interna quanto externa.
Em junho de 2014 acionou a empresa, que realizou os reparos, oportunidade em que tomou conhecimento que seu imóvel foi edificado sobre uma estrutura do tipo “radier”, em área de lixão, o que lhe foi omitido por ocasião da realização do negócio.
A má prestação do serviço, a falta de fundação adequada e acondicionamento da laje “radier” foram as causas da instabilidade da estrutura do imóvel. Após a realização dos reparos e transcorridos mais algum tempo, surgiram novas rachaduras, demonstrando que foram inócuos os serviços prestados pela construtora.
Diante disso, pediu indenização por danos materiais no valor de R$ 76.846,43, correspondente ao valor do financiamento do imóvel, assim como indenização por danos morais em valor equivalente a 30 salários mínimos. A audiência de conciliação realizada junto ao CEJUSC restou infrutífera.
DEFESA
Na contestação, a empresa arguiu, em preliminar, a decadência e prescrição, porque decorridos mais de cinco anos da data da aquisição do imóvel (22.10.2012), de tal modo que não responde pela solidez e segurança do trabalho, nem pelos materiais e do solo (art. 618 do CC), além do que os vícios não foram reclamados dentro do prazo estabelecido na legislação consumerista e a ação foi distribuída depois de escoado o prazo estabelecido no artigo 27 Código de Defesa do Consumidor. Arguiu a ocorrência da coisa julgada, porque o autor ajuizou idêntica ação contra a OPAMEC, onde realizou acordo e recebeu, a título de danos morais, a importância de R$ 35.000,00. No mérito, sustentou que a execução da obra foi acompanhada pela Caixa Econômica Federal e não foi anotada irregularidade, assim como o imóvel estava em perfeitas condições quando de sua entrega ao autor. Negou que a casa do autor tenha sido construída em área de lixão. Destacou que o autor já recebeu indenização por danos morais; que não praticou ato ilícito; que os danos indicados pelo autor podem ser corrigidos e são decorrentes de reforma sem supervisão técnica, motivo pelo qual não há que se falar em redução do valor do imóvel; impugnou o valor dos danos, negou conduta ilícita e nexo causal. Enfim, requereu a improcedência da ação.
LAUDO
Em decisão saneadora, foi acolhida a preliminar de coisa julgada parcial afastando o pedido de indenização por danos morais. Também foi determinada a realização da perícia técnica de engenharia para avaliação dos problemas com o imóvel. O laudo pericial foi apresentado e sua complementação, sucedido por manifestações das partes.
A JUÍZA DECIDIU
"Pretende o autor a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais no valor R$ 76.846,43, alegando a ocorrência de problemas no imóvel decorrentes de vícios construtivos, os quais não foram sanados. Em contrapartida, defende-se a ré negando culpa pelos danos e que as fissuras são decorrentes da acomodação do solo. Negou problemas construtivos e que o imóvel tenha sido construído sobre lixão, assim como que o método "radier" seja irregular. Negou responsabilidade pelos danos materiais, imputando culpa ao autor e impugnou seu valor.
Outrossim, em face ao parecer do assistente técnico, alegou que a culpa pelos danos ocorridos no imóvel é do autor porque realizou reforma sem a devida supervisão técnica, impondo sobrecarga às estruturas do imóvel, provocando problemas em suas fundações. Pois bem. A relação jurídica de direito material estabelecida entre as partes é de consumo, na qual o autor, consumidor, é destinatário final dos serviços prestados pelo réu, fornecedor de serviços, explorador da atividade econômica, nos exatos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
O contrato celebrado entre as partes, rege-se por financiamento do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, sendo que a relação jurídica enquadra-se nas normas do Código Defesa do Consumidor...
O ponto nodal da lide é a constatação da origem dos danos ocorridos no imóvel e apurar a respectiva responsabilidade por sua reparação. A respeito disso foi determinada a perícia judicial, em cujo laudo o senhor perito emitiu o seguinte parecer: “Do estudo dos autos, das observações no local, da análise das patologias verificadas e da pesquisa efetuada, chegou-se as seguintes conclusões: - Que, os danos no imóvel foram ocasionados por recalques de fundação. O recalque ou assentamento é o termo utilizado em engenharia civil para caracterizar o fenômeno que ocorre quando uma edificação sofre um rebaixamento devido ao adensamento do solo sob sua fundação. - Dentre as possíveis causas desses recalques, pode-se citar: falta ou má compactação do solo, execução de fundação errônea e/ou mal executada, infiltração de água e rebaixamento de lençol freático. - O terreno em questão sofreu aterro para atender a cota definida em projeto para implantação da sua fundação (radier), a ausência ou má compactação do aterro é a causa mais provável deste adensamento; - Este adensamento contribuiu para o aparecimento de trincas e fissuras generalizadas, comprometendo com o passar do tempo, a solidez da edificação; - Os vários vícios e defeitos construtivos devem ser sanados, devolvendo-se as condições normais de habitabilidade, solidez e segurança do imóvel .”
Em resposta ao quesito de número 9, formulado pela ré, o perito esclareceu que os problemas ocorridos no imóvel são os mesmos apresentados na inicial antes das reformas realizadas pelo autor. A ré, ainda trouxe aos autos, parecer pericial de seu assistente técnico, no qual apresenta conclusão que contradiz as firmadas no laudo do perito judicial, negando a ocorrência de recalque nas fundações do imóvel, imputando a culpa dos danos às reformas realizadas pelo autor, admitindo que a ré deveria apenas fazer reparos no banheiro, batentes, janelas e impermeabilização.
No entanto, cientificado de seu teor, o perito judicial se manifestou, mantendo as mesmas conclusões quanto aos defeitos, os identificando como vícios construtivos, desvinculando-lhes de qualquer relação com as reformas realizadas pelo autor. Além disso, respondeu a quesitos complementares esclarecendo que os danos no imóvel não foram provocados por sobrecarga realizada pela alteração das estruturas do imóvel, reafirmando que a origem é no recalque das fundações.
O perito ainda apontou como essencial ao esclarecimento do quesito de número 3, a solicitação de documentos a empresa responsável pela obra de reparos de fundação no imóvel, no entanto, a ré não os apresentou. Embora o senhor perito judicial tenha reconhecido que as reformas realizadas pelo autor não foram objeto de projeto e também não estão regularizadas junto aos registros dos órgãos competentes, foi claro em todas as suas manifestações ao desvincular os danos ocorridos no imóvel com as reformas realizadas pelo autor, portanto, trata-se vício construtivo, cuja responsabilidade de reparação é da ré, construtora do imóvel. Vale destacar que a existência de cláusula contratual que impõe o dever do contratante, mutuário, de informar a realização de reformas de ampliação ou modificação no imóvel à Caixa Econômica Federal não é capaz de isentar a ré de responsabilidade de arcar com a reparação dos danos, os quais tiveram origem em vícios construtivos.
Aliás, vale destacar que, ao deixar de atender à solicitação do senhor perito judicial, abriu mão do esclarecimento do quesito complementar por ela própria indicado. Neste contexto, deve-se rememorar que estamos diante de uma relação de consumo, a qual estabelece como um dos direitos básicos do autor, consumidor, a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do CDC. A par disso, cabe asseverar que o artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”;
O dispositivo legal acima confirma que a vulnerabilidade é de fato princípio norteador da aplicação da legislação consumerista. No que diz respeito, as vulnerabilidades aplicáveis ao caso, leciona Leonardo Garcia: “a vulnerabilidade técnica seria aquela na qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço, podendo portanto ser mais facilmente iludido no momento da contratação......Já a vulnerabilidade fática é a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela posição de monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo numa relação contratual, uma posição de superioridade (Código de Defesa do Consumidor Comentado – artigo por artigo - página 36 - Leonardo Garcia – 14ª Edição – Editora JusPodvim – 2019)”.
Deste modo, não há dúvida quanto ao desnivelamento entre as partes no que tange aos conhecimentos específicos referente ao serviço prestado, bem como acentuada diferença entre o poderio econômico, o que referenda a necessidade de aplicação da regra de inversão do ônus da prova.
Neste contexto, à ré caberia o ônus de demonstrar que os danos não tem origem em vícios construtivos, o que não condiz com as conclusões do senhor perito judicial e sua prova apresentada não é suficiente a infirmar as existentes nos autos...
É certo que os danos não são os quantificados na inicial, o qual se refere ao valor total do financiamento do imóvel, mas deverá guardar relação com o necessário à reparação dos danos sofridos e readequação da estrutura do imóvel para evitar nova ocorrência. O perito judicial deixou de quantificar o valor inerente aos danos por considerar que o autor poderia ser prejudicado, tendo em vista que esta é variável de acordo com a solução a ser adotada.
Assim, os danos materiais deverão ser oportunamente quantificados em posterior fase de cumprimento de sentença, ocasião em que deverão ser apresentados orçamentos dos valores necessários aos reparos a serem realizados no imóvel, destinados à solução do problemas indicados pelo senhor perito em seu laudo.
POSTO ISTO e tudo mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedente a presente ação movida por Marcelo Sparapan contra Serve Engenharia Ltda para o fim de Condenar a ré a pagar ao autor indenização por danos materiais inerentes à reforma necessária ao conserto dos danos provocados no seu imóvel, devendo-se tomar as devidas providências para evitar recidiva do problema, tudo nos termos do laudo pericial, cuja apuração deverá ser realizada em fase oportuna de liquidação de sentença. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE".
DEVOLUÇÃO DE TAXAL ILEGAL
Em outra ação, o juiz Valdeci Mendes de Oliveira, da 4ª Vara Cível do Fórum de Marília, acatou ação de Indenização por Dano Material ajuizada por Danilo Bastos de Almeida contra a Serve Engenharia Ltda.
O morador alegou nos autos que adquiriu da empresa um imóvel urbano com financiamento e alienação fiduciária e pagou os "juros da fase de obras" ou a “taxa de evolução de obra” mesmo após a entrega do imóvel (27/07/2019), tudo em razão da aludida empresa não ter informado à Caixa Econômica Federal acerca da conclusão da obra, o que era ilegal e imoral.
A rigor, era mesmo ilegal e abusiva a cobrança da taxa de evolução de obra após a entrega do imóvel ou das chaves ao consumidor-adquirente ( TJ-SP, 1ª Câmara, Ap. nº. 1016823-81.2016.8.26.0451, Rel. Des. Augusto Rezende - fls. 03).
Daí, pois, o pedido judicial de repetição do indébito ou de reembolso das quantias indevidamente pagas por ele-autor nos meses de agosto, setembro e outubro de 2019 no valor total de R$-1.112,00. Juntou-se os documentos e posteriormente juntou o contrato. A empresa-ré foi devidamente citada e contestou a ação, arguindo-se como matéria preliminar a inépcia da petição inicial. Já quanto ao mérito, a referida ré sustentou essencialmente a legalidade e legitimidade da cobrança da taxa de evolução de obra ou os juros de fase de obra pela Instituição Financeira, certo que a obra foi concluída e as chaves do imóvel foram entregues dentro do prazo contratual, frisando-se ainda que o contrato foi livremente assinado pelas partes e, portanto, pacta sunt servanda. Enfim, a referida ré concluiu que legalizou o empreendimento dentro do prazo contratual, inexistindo atrasos ou ilegalidades. Pediu-se a improcedência total da ação.
O JUIZ DECIDIU
"Trata-se de uma ação de “indenização por danos materiais” versando sobre uma relação contratual complexa e, no caso vertente, os argumentos das partes, os fatos supervenientes e os documentos já existentes nos autos são suficientes para a solução do conflito de interesses.
Há fatos notórios, confessados, supervenientes e incontroversos...Pois bem!... No mérito da disceptação, tem-se que, a ação do requerente é deveras procedente. Com efeito. O referido autor como consumidor-hipossuficiente, consoante o Termo de Recebimento de Imóvel conquistou em 27/07/2019 a posse do imóvel que adquiriu e financiou perante a ré e a Caixa Econômica desde 18/06/2018, mas continuou sendo cobrado de uma taxa de evolução de obras ou juros de fase de obras, que reputou ilegal.
Efetivamente, no caso vertente, o aludido requerente em 18/06/2018 firmou com a Caixa Econômica Federal e a Empresa-ré como Incorporadora e Fiadora um "Contrato de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional, Alienação Fiduciária em Garantia, Fiança e Outras Obrigações - Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)- Recursos do FGTS". A referida ré participou do contrato como Incorporadora, Construtora, Fiadora e Entidade organizadora. No aludido contrato estabeleceu-se o prazo de 19 meses para construção e legalização do empreendimento, iniciando-se em junho de 2018, e o imóvel deveria estar construído e legalizado até maio de 2020. A entrega das chaves do imóvel ao autor ocorreu em 27/07/2019, portanto, dentro do prazo previsto. Contudo, a ré somente comunicou à Caixa Econômica Federal a conclusão da obra em 30/10/2019, o que deu azo à cobrança indevida de taxa de evolução de obras pela Caixa Federal contra o Autor de 03 parcelas... totalizando R$ 1.112,00. Pela planilha, a Caixa Econômica Federal considerou o término de obra-construção a partir de 08/11/2019, respondendo a referida ré objetiva e solidariamente por suas escolhas e participações contratuais com prepostos e parceiros.
Na contestação a referida ré não descreveu nem transcreveu a cláusula contratual específica que autorizava a cobrança da chamada taxa de evolução da obra ou juros de fase contratual após a entrega do imóvel, o que significa dizer que, conforme as regras cogentes do Código de Defesa do Consumidor e a Súmula 297 do S.T.J, ainda que por analogia, não poderia a referida ré exigir do consumidor-hipossuficiente quaisquer parcelas ou prestações contratuais abusivas ou desproporcionais ou ainda que coloquem o consumidor em posição de exagerada desvantagem, como ocorreu no caso vertente.
Pelo que se vê dos autos, a ré que não descreveu nem transcreveu a cláusula contratual autorizativa da cobrança da chamada taxa de evolução de obra ou juros de fase contratual, e ainda que a transcrevesse, seria abusiva e desproporcional conforme os princípios do art. 8º do Código de Processo Civil e arts. 6º, 7º, § único, 25, § 1º, 34, 39, 46, 51 e 53 do Código de Defesa do Consumidor. O proceder ou a atitude da ré não poderia criar situação onerosa, gravosa ou desvantajosa para o consumidor, ora autor, tal como acontece. Nem a cobrança extrajudicial nem judicial de juros abusivos poderia acontecer. A rigor, pois, não guarda razoabilidade a cobrança que o autor sofreu e 140 porque a taxa de evolução de obra tem a finalidade de garantir recursos para a finalização da construção, tudo para obtenção do "Habite-se" e consequente concretização do empreendimento, o que evidentemente foi contrariado pelas outras inúmeras cláusulas contratuais de reajustes da prestação do consumidor.
Afinal, quem se comprometeu a construir, vender e financiar com o conhecimento de todos os custos necessários para o empreendimento foi a empresa-ré, construtora, fiadora e organizadora, não se podendo qualificar o consumidor-hipossuficiente, ora autor, de um investidor de risco em aquisição de casas populares e financiadas conforme a petição inicial.
Nem poderia a ré fazer repasses para o consumidor de verbas onerosas ou desproporcionais, mormente em contrato de adesão sem explicação plausível.
Ante o exposto, julgo procedente a ação intentada por Danilo Bastos de Almeida contra a empresa Serve Engenharia Ltda e consequentemente considero inexigível contra o autor a taxa de evolução de obras ou os juros de fase contratual no período de 27/07/2019 a 08/11/2019 e ainda condeno a ré a pagar para o autor o valor de R$ 1.112,00, agora com juros a partir da citação e correção monetária a partir do ajuizamento da ação... Pagará a ré também as custas processuais e os honorários advocatícios que fixo em R$ 1.500,00 conforme os arts. 8º e 85, § 8º do Código de Processo Civil, agora com juros a partir do trânsito em julgado da decisão. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE.

