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  • Foto do escritor J. POVO- MARÍLIA

Justiça condena ex-vereador que comandava esquema de notas frias com motoristas de ambulâncias. Comerciante de Marília foi preso no rolo


Adão da Ambulância chegou a ser preso pela Polícia Civil em 2016

O ex-vereador (mais votado em 2008 e em 2012 pela coligação "Honestidade e Transparência") e motorista de ambulância da Prefeitura de Cândido Mota, Adão Manzini, o Adão da Ambulância, de 54 anos, foi condenado sob acusação de uso de notas frias para justificar despesas de viagens com veículo da saúde. Parte das notas eram fornecidas por restaurantes e lanchonetes localizados em Marília.

No curso das investigações pela Polícia Civil, cinco pessoas foram presas em junho de 2016, entre eles um comerciante de Marília que emitia as notas, uma funcionária do setor de fiscalização da prefeitura e três motoristas de ambulância, entre eles o vereador Adão Manzini. Todos foram presos temporariamente porque tentaram atrapalhar as investigações, escondendo provas.

A investigação começou em 2014 e segundo a polícia, as fraudes aconteciam desde 2013. As investigações apontaram que o grupo desviava pelo menos R$ 10 mil por mês.

A ação de improbidade administrativa teve 11 réus, sendo dez deles beneficiados em acordos de não persecução civil. Adão Manzini figurou na ação de Improbidade Administrativa/Enriquecimento ilícito e a setença de condenação dele foi publicada nesta quarta-feira (22). O réu deverá devolver R$ 203 (isso mesmo, duzentos e três reais!!!) aos cofres públicos, além de outras sanções e suspensão dos direitos políticos por 8 anos. Cabe recurso à decisão.

O CASO

Conforme denúncia do Ministério Público Estadual, através do promotor Marcelo Freire Garcia, o réu, bem como outros motoristas, causou prejuízo aos cofres de Cândido Mota, porque no período de janeiro de 2013 a setembro de 2014. trabalhava como motorista no setor de transporte de pacientes da Secretaria de Saúde daquela cidade e recebia adiantamento para pagamento de despesas de viagens mediante prestação de contas, sendo que no período de janeiro de 2013 a setembro de 2014 teria se apropriado indevidamente de valores, mediante expedientes fraudulentos, consistentes na obtenção de notas fiscais inidôneas e falsas, que foram apresentadas com datas diversas das viagens realizadas, em horário em que os estabelecimentos estavam fechados, notas em branco, dentre outras irregularidades indicando que não representavam despesas reais.

Consta ainda na denúncia que o setor de agendamento de viagens dos motoristas ambulanceiros agia a mando do réu Adão, apontado com chefe da organização. Dois restaurantes de Marília forneciam as notas fiscais falsificadas, utilizadas no esquema, resultado em um prejuízo aos cofres públicos, estimado em R$ 160.000,00.

O MP pediu a condenação dos réus, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 160.000,00, que deverão ser corrigidos e atualizados, bem como à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos, ao pagamento de multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

O réu Adão Manzini se manifestou por escrito, pugnando pela rejeição liminar da inicial, alegando, em síntese, preliminar de inépcia da inicial diante do pedido genérico de condenação dos réus solidariamente ao montante total estimado, sem individualizar o dano supostamente causado por cada um dos agentes. No mérito, alega inexistência do ato de improbidade, uma vez que não houve conduta dolosa. A defesa do réu pediu ainda instauração de incidente de insanidade e suspensão do processo. O requerimento do réu foi indeferido.

VANTAGEM INDEVIDA

Ao individualizar a conduta de Adão, o Ministério Público alegou, em síntese, que o réu, na condição de motorista ambulanceiro, utilizando-se de expedientes fraudulentos, apresentou as notas fiscais especificadas supostamente inidôneas ou falsas, relativas às viagens ocorridas nos dias 13 e 16/01/13; 08 e 25/09/13; 11 e 13/11/13, obtendo vantagem indevida no valor total de R$ 203,00, apurada a partir do laudo pericial contábil elaborado pelo Instituto de Criminalística, dos autos do inquérito civil.

Afirmou ainda o MP que de um estabelecimento localizado em Marília, o motorista apresentou a notas fiscal 1701, no valor de R$ 40,00, conforme especificado. Afirma ainda que Adão Manzini era vereador do Município de Cândido Mota que exercia a liderança do grupo e na prática era quem mandava no setor de transporte de pacientes, sendo tratado pelos demais funcionários como chefe, a quem os réus A. e W prestavam contas, além de auxiliar diretamente os demais motoristas na obtenção de documentos falsos como ocorreu com o motorista ambulanceiro A., para quem Adão teria providenciado nota fiscal inidônea para comprovação de despesas, conforme transcrição de áudio apenso de interceptação telefônica.

No mais, o pedido de condenação formulado pelo Ministério Público em suas alegações finais, quanto à reparação do dano, se restringiu àqueles apontadas como irregulares no relatório, totalizando a quantia de total de R$ 203,00, referentes às seguintes notas fiscais nos valores de R$ 35,00, R$ 40,00, R$ 40,00, R$ 20,00, R$ 33,00 e R$ 35,00.

Não obstante a falta de especificação do número da Nota Fiscal no relatório apontado pelo Ministério Público com sendo despesas irregulares, passíveis de reparação, verifica-se que referidas notas fiscais foram especificadas dos autos do inquérito civil, nos autos de sindicância administrativa instaurada pela administração pública municipal.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 13/01/2013, verifica-se que o valor de R$ 35,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que foram expedidas duas Notas Fiscais no mesmo valor, pelo mesmo estabelecimento, com a mesma descrição "refeições" e em horários muito próximos, às 19:18:28 hs e às 19:29:00hs, sendo glosado o valor de a uma das notas porque seria "impossível" tomar as duas refeições em horários muito próximos.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 16/01/2013, verifica-se que o valor de R$ 40,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que no período da viagem ocorreram duas paradas para tomar refeições, às 12:58:30hs e às 15:29:30hs, sendo glosado o valor de a uma das notas porque supostamente seria "desnecessário" tomar as duas refeições durante esse curto período de intervalo.

A propósito, cita a ação, verifica-se que para as despesas realizadas no período de janeiro de 2013, o réu Adão recebeu adiantamento no valor total de R$ 1200,00, do qual foram glosadas apenas as duas despesas acima totalizando a quantia de R$ 75,00, ou seja, representando 6,25% do adiantamento cuja prestação de contas foi considerada irregular para efeito de reparação. Não consta do autos o balancete final da prestação de contas do período em questão.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 08/09/2013, verifica-se que o valor de R$ 40,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que no período da viagem, com saída de Cândido Mota para Marília às 21:00 horas e retorno às 2:00 horas, foi emitida a Nota Fiscal 1701, sendo glosado referido valor porque a despesa foi considerada "desnecessária" e o estabelecimento comercial não funcionaria naquele horário informado.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 25/09/2013, verifica-se que o valor de R$ 20,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que no período da viagem ocorreram três paradas para tomar refeições,sendo as duas primeiras em horários próximos, às 08:17:33hs e às 09:40:17hs, sendo glosado o valor de a uma das notas e mesmo valor porque seria "desnecessário" tomar as duas refeições durante esse curto período de intervalo.

A propósito, verifica-se que para as despesas realizadas no período de setembro de 2013, o réu Adão recebeu adiantamento no valor total de R$ 1300,00, do qual foram glosadas apenas as duas despesas acima totalizando a quantia de R$ 60,00, ou seja, representando 4,61% do adiantamento cuja prestação de contas foi considerada irregular para efeito de reparação. Não consta do autos o balancete final da prestação de contas do período em questão.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 11/11/2013, verifica-se que o valor de R$ 33,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que no período da viagem ocorreram três paradas para tomar refeições, sendo as duas primeiras em horários próximos, às 11:30:20hs, no valor de R$ 30,00, e às 12:21:34hs, no valor de R$ 33,00, sendo glosado o valor de R$ 33,00 porque "impossível" tomar as duas refeições no curto espaço de tempo.

Quanto à despesa apontada como irregular, datada do dia 13/11/2013, verifica-se que o valor de R$ 35,00 foi glosado pela autoridade sindicante, considerando que no período da viagem, com destinos Marília e Araçatuba, saindo de Cândido Mota às 05:30hs e retorno às 16:00 horas, foram feitas 3 paradas para refeições, sendo glosado o valor da Nota Fiscal 109915 porque a despesa foi considerada "desnecessária" e Nota Fiscal não tem data de emissão. A propósito, verifica-se que para as despesas realizadas no período de novembro de 2013, o réu Adão recebeu adiantamento no valor total de R$ 1000,00, do qual foram glosadas apenas as duas despesas acima totalizando a quantia de R$ 65,00, ou seja, representando 6,5% do adiantamento cuja prestação de contas foi considerada irregular para efeito de reparação.

Consta do autos o balancete final da prestação de contas do período em questão, indicando que do referido adiantamento houve restituição de saldo não utilizado no valor de R$ 26,02.

GASTOS EXCESSIVOS E CONVERSAS COM O PREFEITO

A testemunha arrolada pelo Ministério Público, Katia Gutierres Carvalho Chadi, ouvida em juízo, disse que: "foi nomeado como Secretária da Saúde do Município de Cândido Mota em abril de 2013.

Os motoristas recebiam adiantamento e vinham com prestação de contas das viagens que vinham do departamento de transporte para a secretaria de saúde e passavam pela depoente que avaliava horários de saída, chegada, gastos de alimentação e combustível. Notou que haviam gastos excessivos e conversou com o prefeito Zacharias Jabur várias vezes. Como ele não se manifestou e dizia que iria resolver, a depoente começou a fazer os apontamentos por escrito como medida de controle das despesas. Quando essas prestações de contas vinham para a depoente na secretaria a depoente tinha que dar um visto e como o prefeito não lhe dava respaldo nas solicitações, a depoente passou a se recusar a assinar esses documentos. Chegou a pegar prestações de contas com nota fiscal em branco.

Chegou a ligar em restaurantes onde a nota constava refeição e o restaurante não vendia refeição, só salgados. Todos os motoristas do setor de transportes da ambulância apresentavam excessos nessas despesas. Conversou também no departamento jurídico e disseram que iriam conversar com o prefeito e em conversa com o prefeito, a partir daquela data da conversa com a depoente, a conferência da prestação de contas passaria a ser feita pela secretaria da fazenda. Depois foi chamada pelo Ministério Publico para prestar esclarecimentos porque um motorista foi na tribuna da Câmara Municipal e fez essa denúncia das notas, dos gastos abusivos.

A depoente também prestou depoimento na polícia civil. A depoente entrou na secretaria em abril e em maio já começou a conversar sobre isso com o prefeito, não se recordando ao certo a data em que passou a formalizar por escrito. Mas foi logo no início das suas atividades. Não se lembra do Ofício da Secretaria estabelecendo limite de gastos com as diárias dos motoristas. A depoente com o prefeito conversaram em reuniões para controlar esses gastos estipulando limites. Foi feita essa proposta de redução de gastos, mas isso não foi cumprido. Essa tabela reduzia o valor das despesas e estabelecia várias normas, como horários de saída e retorno do município. Confirma que houve queixa dos motoristas com essa determinação. Antes da depoente entrar na prefeitura, não sabe como eram as despesas com adiantamentos. A depoente não analisou situação anterior à sua nomeação e não conversou sobre isso.

Depois que o prefeito afastou todos os motoristas da saúde e colocou eles em outras secretarias, os outros motoristas que vieram de outros setores se readequaram às mudanças. Não houve redução do quadro nessa época, não teve falta de motorista, não atrapalhou o serviço. Pelo contrário, essa atitude do prefeito, com a troca dos motoristas, inclusive atendendo a orientação do tribunal de contas, resultou na redução de gastos em 50% e aumento de número de viagens.

Esses valores são desembolsados como adiantamento de despesas e o valor do adiantamento dependia do motorista e os itinerários percorridos, proporcional à distância. O valor era retirado na tesouraria na prefeitura e a secretaria de saúde não tinha acesso a esse dinheiro. O adiantamento era para despesas com alimentação e combustível. Não inclui pedágio porque ambulância não paga pedágio.

Antes da depoente, analisavam as contas os funcionários A. e A. Sobre a nota fiscal em branco, a depoente encaminhou ao prefeito para providências, mas não sabe se foram tomadas providências. Houve várias reuniões difíceis de se conversar sobre o assunto. O assunto era tratado como diária, mas nunca ficou questionando porque era tratado dessa forma e não questionavam isso.

A depoente entendia que a diária do motorista era para despesas de alimentação e combustíveis, mas não para gastos excessivos dos recursos públicos. Normalmente as viagens da ambulância para São Paulo saíam por volta das 23 horas e os agendamentos poderiam ter um ou mais pacientes. O veículo Van normalmente levava um número maior de pacientes e retornavam no dia seguinte no fim da tarde ou início da noite. Não existia legislação no município sobre esses gastos e foi o prefeito quem determinou a tabela de comum acordo em reunião.

INVESTIGAÇÃO EXTENSA

A testemunha arrolada pelo Ministério Público, Antônio José Fernandes Vieira, Delegado de Polícia, ouvido em juízo, disse que: "presidiu a investigação que foi instaurada em razão de ação civil pública. Foi uma investigação extensa. Houve interceptação telefônica e partiu do principal suspeito, acusado à época, que era um vereador que se chamava Adão. Além de vereador ele era motorista e os demais motoristas o chamavam de chefe. Haviam diálogos entre W. e A. dizendo que Adão iria pagar o advogado deles. Fizeram buscas e apreensão em alguns restaurante em Marília.

Concluíram que todas as notas fiscais juntadas ali eram ideologicamente falsas. Haviam um hábito entre os motoristas que eles tinham um valor de diária que tinha que ser comprovado. Então eles passavam a nota do restaurante sem que o restaurante sequer estivesse aberto. Se lembra que todos os motoristas que juntaram notas desses restaurantes foram indiciados, não sabendo se por peculato ou outro motivo. ]

Na interceptação telefônica haviam um motorista que se reportava a Adão como chefe e um diálogo de A. dizendo que se Adão não pagasse o advogado ela iria contar tudo que sabia. As pessoas se reportavam a A. que trabalhava com a organização das escalas na ambulância e era procurada pelos demais motoristas para falar a respeito do Adão. Não se recorda da confissão de alguém especificamente.

Se lembra que fizeram a prisão e busca em um dos donos de restaurante e após a busca ele liga para um dos motoristas e fala “você acha que eu iria entregar todas aquelas notas falsas que eu tinha. Lembra que o proprietário era o D. Não sabe se os réus entendiam se era algo lícito, mas era uma situação usual e eles incorporavam isso como parte do salário deles e era o que fazia ser mais interessante ser motorista de ambulância. A polícia identificou alguns valores em perícia para apurar esses valores e isso foi apresentado no processo".

DECISÃO

O juiz André Figueredo Saullo, da 2ª Vara Cível do Fórum de Cândido Mota, citou na sentença que "no caso, tem-se que efetivamente não ficou comprovada efetiva apropriação indébita dos recursos públicos e muito menos em proporções tais que efetivamente tivesse algum condão de alterar o status patrimonial do agente público, diante da módica quantia apontada. Nesse sentido, encerrada a instrução processual, sequer o Ministério Público, autor da ação, se convenceu da existência do desvio de vultosa quantia estimada em R$ 160.000,00, e que teria sido apropriada indevidamente pelos réus a ponto de ensejar obrigação solidária de ressarcir os cofres públicos em tal montante, tal como constou do seu pedido inicial.

No ponto, quanto ao suposto enriquecimento ilícito e prejuízo a ser ressarcido ao erário público, restringiu-se o Ministério Público, em suas alegações finais, ao pedido de condenação do réu Adão Manzini, pagamento do valor R$ 774,79, a título de ressarcimento integral do dano, considerando o valor do dano atualizado causado pelo réu, correspondentes às notas fiscais apontadas como irregulares no relatório.

Nesse sentido, também cai por terra a alegação de que o réu Adão Manzini, além de incorrer dos desvios considerados individualmente de sua responsabilidade, também teria concorrido para os desvios de terceiros supostamente como líder ou chefe de suposta organização.

De outro modo, pugna o Ministério Público, em suas alegações finais, pela responsabilidade individual do réu Adão Manzini na medida do prejuízo que efetivamente deu causa, por sua própria conduta direta e da qual também teria se beneficiado diretamente, sem que de tal conduta tenha resultado efetivo enriquecimento, não obstante a lesão ao erário.

E de fato, o valor ao cabo pretendido pelo Ministério Público a título de reparação do dano ao erário decorre de verdadeiras inconsistências na prestação de contas do réu Adão Manzini, em razão de despesas reputadas desnecessárias ou desarrazoadas, como de fato se dava de forma sistemática no setor de transportes da secretaria de saúde, tal como apurado nos autos do inquérito civil público e que se confirmou ao cabo da instrução processual nos presentes autos.

Mas não que de tais inconsistências, necessariamente, tenha se revelado a utilização de notas fiscais ideologicamente falsas como meio de apropriação indevida dos recursos públicos. É o que se verifica a partir dos motivos determinantes do ato administrativo que resultaram na glosa dos referidos valores, conforme consta dos autos da sindicância administrativa instaurada pela administração pública municipal...

A propósito, como bem observado pela defesa do réu Adão em contestação, não obstante suposta informação de que referido restaurante não servia jantar nesse horário da viagem, ensejando dúvida quanto à autenticidade da nota, ficou comprovado pelo Laudo Pericial, elaborado pela Polícia Técnico-científica ainda no citado Inquérito Policial da Delegacia Seccional de Assis, que não foi preenchida pelo réu, corroborando, pois, a versão da defesa, no sentido de que "foi a própria proprietária quem teria emitido referida Nota Fiscal n° 1701, na lanchonete em Marília", que de fato pode ter servido um lanche ou despesas diversas como "refeição", ainda que não servisse propriamente jantar no horário em questão.

Também as declarações colhidas durante o inquérito civil indicam que o estabelecimento comercial funcionava esporadicamente à noite servindo lanches e salgados, sendo que a busca e apreensão realizada no local, assim como as informações prestadas pela Prefeitura Municipal de Marília, igualmente confirmam que referido estabelecimento comercial efetivamente existia e estava em regular funcionamento...

O que se verifica é que, diante do conjunto probatório e em especial a prova testemunhal, o réu, assim como os demais motoristas, pegavam as notas fiscais com a descrição genérica do consumo como "refeições" a fim de contornar a limitação do uso da verba com o valor autorizado para cada refeição ou mesmo com outras despesas de consumo pessoal não autorizadas.

Nesses casos, ainda que as circunstâncias indiquem absoluta falta de transparência e rigor no uso dos recursos públicos, não é possível concluir que efetivamente se trata de nota fiscal falsificada e que a referida despesa seria inexistente, mormente considerando o conceito indeterminado daquilo que o estabelecimento comercial pode lançar genericamente como refeição.

Com efeito, a apuração da responsabilidade do réu por ato de improbidade, deve observar a individualização da sua conduta, de modo que o fato de eventualmente ter sido comprovada a falsidade de algum documento fiscal utilizado na prestação de contas de algumoutro motorista, nas mesmas circunstâncias operadas pelo réu, não autoriza presumir, necessariamente, que as notas fiscais utilizadas pelo réu na prestação de contas também o sejam.

Ainda que o conjunto das provas possa efetivamente ensejar a existência de indícios de práticas fraudulentas e apropriação indevida, o fato é que no curso da instrução processual não foi produzida prova suficiente nesse sentido, ao menos em relação à conduta do réu Adão Manzini, conquanto as provas sejam suficientes para demonstrar a malversação, o mau uso do dinheiro público do adiantamento de viagens pelo réu na condição de motorista do setor de transportes da secretaria de saúde do município de Cândido Mota.

No mais, não há nos autos qualquer outro sinal de que a conduta do réu tenha efetivamente resultado em acréscimo patrimonial, com efetivo incremento dos seus rendimentos por suposta apropriação indevida de verba pública, conduta esta que, para além de configurar a hipótese de improbidade prevista no art. 9º, XI ou XII, da LIA, para efeito de responsabilidade de natureza civil e política administrativa, constitui o ilícito penal do art. 312, do Código Penal.

A propósito, observa-se que os mesmos fatos também foram objeto de apuração na esfera criminal, com a concomitante instauração de ação penal, Processo n. 0002000-79.2015.8.26.0120, da 1ª Vara local, que ao cabo resultou na absolvição dos réus por insuficiência de provas, concluindo aquele juízo criminal, em síntese, que o mesmo conjunto probatório, embora indicasse mau uso dos recursos públicos, não demonstrou e não confirmou que os réus efetivamente se utilizaram de expediente fraudulento mediante apresentação de notas fiscais falsas para apropriação ilícita do valor das despesas inexistentes.

Por outro lado, o conjunto probatório autoriza concluir que a conduta do réu configura sim ilícito administrativo caracterizado como improbidade, por malversação, mau gasto, desperdício do dinheiro público, tratando-se, assim, de conduta mais propriamente caracterizada como improbidade que causa prejuízo ao erário, nos termos do art. 10, caput, da Lei 8.429/93...

No caso, o conjunto probatório demonstra, à evidência, que o regime de adiantamento de despesas era autorizado pela autoridade administrativa competente, gestor da secretaria de saúde, com a finalidade exclusiva de atender às necessidades do agente público com as despesas básicas de alimentação enquanto estivesse fora do município em razão da função como motorista e durante os horários das refeições, quais sejam, obviamente, café da manhã, almoço e jantar.

Tanto é que o adiantamento só era feito para os motoristas que realizavam viagens fora do município e de maior duração cuja jornada fosse estendida durante os intervalos para refeição. Aliás, era este justamente o motivo pelo qual as despesas das notas fiscais vinham discriminadas como refeição, sabedores que eram os agentes da finalidade da verba, que não era outra senão realizar a despesa necessária com o almoço e jantar, além do café da manhã que tinha um valor menor. Isso é fato incontroverso e comprovado documentalmente.

Nesse sentido, inclusive, e já considerando os desvios verificados pelo Tribunal de Contas do Estado em relação ao excesso das despesas com alimentação em circunstâncias no mínimo duvidosas, sem motivação ou justificativa para tais dispêndios, a Secretária da Saúde formalizou ofício ao departamento de transportes no dia 23/09/13 esclarecendo, expressamente, quanto à tais circunstâncias em que se considerava justificada despesa realizada..

Com efeito, não é a simples violação da lei por conduta eventual atribuída ao despreparo do agente público que caracteriza o ato de improbidade administrativa, mas sim a violação consciente dos preceitos legais adotada como prática pelo agente público de modo a subverter os valores e princípios da administração pública, desvirtuando o uso dos recursos públicos como se fosse coisa própria, a configurar verdadeiro atentado aos princípios da Administração Pública.

E de fato, o conjunto probatório demonstra que efetivamente havia verdadeiro abuso de tais recursos públicos, com realização de despesas desnecessárias, excessivas, indevidamente incluídas na rubrica genérica lançada nas notas fiscais como "refeição", no mínimo demonstrando a intensão e o claro propósito de ocultar a verdadeira natureza de tais despesas, que não fossemaquelas autorizadas, relativas ao pagamento de alimentação com o café da manhã, almoço e jantar.

Conforme restou demonstrado, a prática era corriqueira entre os motoristas que faziamviagens pelo departamento de transportes da secretaria municipal de saúde, tratando-se de verdadeiro "modus operandi" que acabou sendo institucionalizado entre os motoristas do setor de transportes da saúde promovendo o desvio de finalidade do recurso público em prejuízo do erário.

No caso do réu, tem-se que a conduta se deu nesse contexto, no exercício da função de motorista, e de forma também recorrente realizava despesas não sabidamente não autorizadas ou além do limite previsto, tentando justificar tais despesas com a sua inclusão indevida na prestação de contas como despesa de refeição, muitas vezes, inclusive, com a emissão de mais de uma nota fiscal em horários próximos, o que efetivamente não representava a necessidade do servidor que fosse própria daquele intervalo destinado à refeição com café da manhã, almoço ou jantar.

A propósito, verifica-se a partir da prova documental que instruiu a presente ação de improbidade, que antes mesmo da instauração do inquérito civil pela promotoria do patrimônio público, em agosto do ano de 2014, tais irregularidades já haviam chamado a atenção do Tribunal de Contas em relação a referidas despesas realizadas no exercício de 2013, com a consequente instauração de sindicância administrativa pela prefeitura em junho daquele ano de 2014.

Conforme consta do relatório de apuração das contas do exercício de 2013, elaborado pelos agentes de fiscalização do tribunal de contas, foram identificadas despesas realizadas emexcesso, sem motivação ou justificativa para tais dispêndios.

A prova oral também é unísssona nesse mesmo sentido, qual seja, que o réu, assim como os demais motoristas, efetivamente sabiam da finalidade da verba de adiantamento a ser utilizada com despesas de alimentação nos horários de refeição que são os de costume, bem como do limite desses gastos que deveriam ser proporcionais ao tipo de refeição, café da manhã obviamente comum valor menor do que as despesas com o almoço e jantar, compreendendo as 3 refeições diárias. Do mesmo modo, a prova documental acerca dos desvios no uso da referida verba de adiantamento com despesas consideradas excessivas sem motivação e justificativa razoável, também veio corroborada pela prova testemunhal, confirmando que tais excessos passaram a chamar a atenção, inclusive diante da existência de indícios de apropriação indébita dos valores mediante uso de notas fiscais falsificadas ideologicamente com despesas inexistentes...

Ou seja, ao contrário do que supõe a defesa, não se tratava de uma situação eventual ou fato de menor importância e muito menos de um erro acidental quanto ao tipo de despesa coberta como refeição, mas sim de verdadeiras irregularidades que se agravaram tomando proporções relevantes a ponto de chamar a atenção do sistema de controle do Tribunal de Contas do Estado e que depois, por vias independentes do controle já instaurado, culminou na instauração do inquérito civil a partir da notícia do uso de notas fiscais fraudulentas para desvio da verba de combustível.

Evidente, também, que o réu, era conhecedor das regras, como motorista experiente que era, inclusive diante da posição política que ocupava como vereador na ocasião e também autor de projetos de lei para instituir o regime de diárias para os motoristas em situações passadas.

E de fato, foram nestas circunstâncias é que se deram as despesas glosadas relativas à verba de adiantamento utilizada pelo réu Adão e que foram identificadas ao menos nas prestações de contas dos meses de janeiro, setembro e novembro de 2013. Nesse sentido, foram considerados como inidôneos ou irregulares ao menos 7 notas fiscais, todas praticamente com as mesmas características, contendo a descrição da despesa como "refeição"; com indicação de um mesmo valor padrão, normalmente compatível com despesas de almoço ou jantar que são de maior custo se comparados à pequena refeição do café da manhã; além de indicar horários muito próximos entre a emissão de uma e outra nota fiscal.

Com efeito, como poderia o réu, durante o mesmo horário de jantar, ter tomado duas refeições seguidas no mesmo restaurante, em menos de 10 minutos, ao custo de exatos R$ 35,00 cada, como apontam as Notas Fiscais 77643 e 77644, do dia 13 de janeiro de 2013?.

Como poderia o réu, logo depois de tomar uma refeição como almoço ao custo de R$ 40,00, ter tomado uma nova refeição pelo mesmo preço de R$ 40,00 e com intervalo de 02:30 horas entre as duas refeições das Notas Fiscais 37268 e 77793, de 16/01/2013?. Qual a necessidade do réu de fazer uma despesa com refeição ao custo de R$ 40,00, compatível com o preço de um jantar, na viagem com saída de Cândido Mota às 21 horas e retorno às 2 horas, como constou da Nota Fiscal 1701?

O que justifica tal despesa, se o réu tinha tempo hábil para fazer sua refeição no próprio domicílio, antes da sua saída? O que justifica o preço de R$ 40,00, se o próprio estabelecimento informou que normalmente estaria fechado nesses horários ou quanto mais forneceria pequenos lanches e não refeição no horário em questão? Nas notas fiscais glosadas do dia 25/09/2013, foram duas paradas próximas no período da manhã com despesas idênticas também no valor de R$ 20,00 cada nota!

O quê justifica a despesa dobrada com café da manhã, além de contrariar as normas estabelecidas? Nas despesas dos dias 11 e 13 de novembro, o réu saiu de Cândido Mota na madrugada com retorno no período da tarde, mas apresentou 3 notas fiscais com despesas de refeição para cada um desses dias, enquanto que o razoável seriam apenas as refeições com o café da manhã e com o almoço, sendo que as últimas duas notas foram emitidas com horários próximos e em valor maior compatível com os limites de almoço, não se justificando as duas refeições.

Nota-se que o mesmo padrão de irregularidade se repete nas demais despesas glosadas, com valores padronizados e horários incompatíveis com a realidade e com as reais necessidades da função e da rotina de trabalho estabelecidos no romaneio de viagens. No mais, os motivos pelos quais referidas despesas foram glosadas evidenciam não só o excesso como também indicam que o réu agiu de forma deliberada no sentido de promover o desvio de finalidade no uso da referida verba pública, em manifesta afronta aos princípios da moralidade e eficiência administrativa, demonstrando absoluta falta de comprometimento com o uso adequado e comedido dos recursos públicos, sabedor que era das regras do adiantamento.

Com efeito, a prova documental, corroborada pela prova testemunhal produzida emaudiência, confirmam que o réu efetivamente agia com consciência e vontade de praticar o ilícito e alcançar o resultado, consistente na realização de despesas excessivas e não autorizadas pelo regime de adiantamento, utilizando-se de expedientes escusos para o reprovável propósito.

Ainda que o valor apurado, no caso, possa não se revestir de maior relevância a ponto de resultar em efetivo enriquecimento por parte do réu, evidente que a conduta do réu é suficiente para lesar o erário público, mormente considerando que não se trata de um fato ou ato isolado, mas verdadeiro padrão de comportamento contrário à moralidade administrativa e está longe de um padrão razoável de probidade que se espera e deve ser exigido do servidor público. É o quanto basta para configurar o ato de improbidade por ato doloso que causa prejuízo ao erário público, nos termos do art. 10, caput, da Lei 8.429/92. Entender o contrário, para considerar normal ou de menor importância tal tipo de conduta, resultaria em verdadeiro estímulo aos comportamentos desviantes no âmbito do serviço público em prejuízo do respeito que se espera em relação ao trato da coisa pública.

Assim sendo, pela ilegalidade e improbidade no caso, perpetrada pelo réu Adão Manzini, é suficiente e necessária a imposição das penas civis e administrativas cominadas. No mais, resta definir quanto às penas a serem aplicadas, nos termos do art. 12, da Lei 8.429/92, devendo ser observado o princípio da proporcionalidade, considerando: a) a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente improbo; b) o elemento volitivo intensidade do dolo e da culpabilidade; c) a consecução do interesse público; d) a finalidade da norma sancionadora. No caso, em se tratando de ato de improbidade que causa prejuízo ao erário, consistente no desvio de finalidade e malbaratamento do recurso público, assim caracterizado pelo verdadeiro desperdício do dinheiro público, capitulado de forma específica no art. 10, caput, da Lei 8.429/92, é de se aplicar a penalidade prevista no seu art. 12, II, que assim dispõe: Art. 12.

Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato...:

Diante do exposto, julgo procedente o pedido, resolvendo-se o mérito comfundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, assim o fazendo para condenar o réu Adão Manzini por ato de improbidade, nos termos do art. 10, caput, c/c art. 12, II, da Lei 8.429/92, ao ressarcimento integral do dano no valor de R$ 203,00, atualizados pela Taxa Selic a título de juros e correção monetária a partir do evento danoso, nas datas das respectivas prestações de contas; bem como na pena de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 8 anos; bem como às penas de suspensão dos direitos políticos por 8 anos; bem como ao pagamento de multa civil equivalente ao dobro do valor do dano atualizado como medida necessária à reprovação e prevenção da improbidade. Condeno o vencido no pagamento das custas e despesas do processo. Sem honorários. Transitado em julgado, anote-se em registro próprio. P.I.C. Candido Mota, 22 de maio de 2024".


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