EXCLUSIVO
A Justiça condenou a Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e a Fundação Municipal de Ensino Superior (FUMES - mantenedora), a pagarem indenização de R$ 20 mil por danos morais à uma aluna que denunciou ter sofrido assédio sexual e moral por um professor da disciplina de cirurgia plástica na instituição. A decisão é do juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública e cabe recurso. A aluna pediu indenização de R$ 40 mil na ação.
Alunos e professores da Famema relataram em juízo "falta de educação e civilidade" e "situações de humilhação" do professor e médico Hélio de Rezende Paolielo Júnior, como toques nas mamas e nas coxas da aluna, sem autorização da mesma, além de determinar que ela e outro residente se beijarem na boca na sala de aula, de forma constrangedora, para demonstrar um procedimento.
Na sentença, o juiz citou que "há portanto, farta prova a demonstrar o proceder inapropriado e potencialmente criminoso do professor".
O CASO
Conforme os autos, a autora da ação, F.S.C.P, que também era professora na Famema, foi residente da disciplina "Cirurgia Plástica" junto à Faculdade de Medicina de Marília, de março de 2015 a fevereiro de 2018, sendo que o chefe da aludida disciplina foi o professor Hélio Paolielo.
Consta, ainda, que o referido professor adotava comportamento irascível e tratava com incivilidade vários de seus alunos, inclusive privilegiando alguns dos residentes em detrimento de outros, que eram preteridos na escolha para realização de cirurgias essenciais à formação na especialidade médica.
Foi nesse contexto que o médico e discente L.R.M.S, solicitou a abertura de sindicância para apuração dos fatos narrados na Portaria nº 02/2018, de 07 de fevereiro de 2018, e, posteriormente, a abertura de Processo Administrativo Disciplinar pela requerida FUMES - Fundação de Ensino Superior de Marília, por meio da Portaria nº 49/2019, de 10 de setembro de 2019.
No curso da apuração de falta disciplinar, foi verificado que o referido Professor Dr. Hélio de Rezende Paolielo Júnior praticou, por reiteradas vezes, atos caracterizadores de assédio sexual e moral em detrimento da autora F., também médica e discente da disciplina "Cirurgia Plástica" à época do ocorrido.
"FALTA DE EDUCAÇÃO E CIVILIDADE"
"A esse respeito, aliás, convergem os documentos que instruíram a petição inicial. Peço vênia (citou o magistrado), nesse sentido, para transcrever excerto de depoimento prestado por L.R, no curso do processo instaurado para apuração de falta disciplinar: "(...) Desde que entrei nesta Instituição, é nítido o "desconforto" do dr. Hélio.
Nunca entendi ao certo os motivos pessoais dele, mas ele não faz questão de demonstrar qualquer tipo de educação ou civilidade no convívio diário. Tem atitudes agressivas em termos de fala e postura, e varia de humor abruptamente, indo de euforia a um estado irascível completo em segundos. Habitualmente chama a mim e aos Médicos Residentes de subalternos, mesmo em público, de forma jocosa e desrespeitosa, "bradando" que "ele é o Chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica e que enquanto ele for o Chefe todos terão de obedecê-lo, pois ele não admite "insubordinações".
Outra atitude contínua é desentender-se com alguns dos Médicos Residentes, a maior parte das vezes do último ano, e passar a mal dizê-los e "persegui-los" de forma ininterrupta; isso se repetiu continuamente nos últimos anos. Inicialmente, considerei que isso ocorresse por uma fase de adaptação à situação de ter um desconhecido (eu) com ele, e que isso pudesse estar gerando algum tipo de estresse, que acabaria se dissipando com o tempo. Eu estava errado, pois isso nunca parou. Pelo contrário, só se intensificou. No início deste último ano, essas atitudes pioraram.
Por algum motivo, que não cabe a mim explicar, o dr. Hélio passou a ter um sentimento de rejeição intenso, para não dizer ódio, aos dois Médicos Residentes do último ano da Disciplina de Cirurgia plástica, o dr. L.C.G e a Dra. F.S.C.
A sua primeira atitude foi, no final de abril, chamar a mim e aos demais Médicos Residentes no corredor e dizer, em voz alta, que os dois referidos Médicos Residentes não "eram mais estagiários dele", que não entrariam mais em atividades cirúrgicas com ele e como punição teriam que "ficar somente comigo e com o Dr. L.A.A.C, para tentarem aprender algo".
É clara aqui a exclusão dos dois referidos Médicos Residentes das atividades do Programa de Residência Médica de uma forma velada e irregular, além de desrespeitoso com eles e comigo, ao me denegrir dizendo publicamente que o castigo dos dois seria permanecer sob minha supervisão.
Novamente, na época, foi uma situação difícil de acreditar, e o silêncio acabou imperando, na expectativa de que essa situação fosse temporária e motivada por algum "destempero" momentâneo. Mais uma vez, eu estava errado.
Essa situação se perpetua até hoje, e houve situações repetitivas em que o Dr. L.C.G ouviu do próprio dr. Hélio, que deveria "ir embora", pois não aprenderia mais nada aqui, e ouros em que o referido Médico Residente ouviu de terceiros, sem nenhuma ligação administrativa com a Disciplina de Cirurgia Plástica, os mesmos "conselhos".
Informo que, dentro das minas limitações e possibilidades, acolhi os dois Médicos Residentes "rejeitados", e que isso trouxe mais ódio e problemas em minha direção. Passei a ser mal falado perante os Médicos Residentes pelo dr. Hélio, mas felizmente acredito que isso não tenha tido efeito prático. Fui procurado em mais de uma ocasião pelos dois Médicos Residentes "rejeitados", com denúncias verbais sobre estes e outros fatos, e disse-lhes que ajudaria no possível, mas que nada poderia ser feito sem que eles efetuassem uma denúncia formal.
Causou-me grande surpresa saber que o Dr. L.C.G fez uma queixa formal perante a Comissão de Residência Médica da FAMEMA, mas que, salvo melhor juízo, nenhuma providência foi tomada (...)".
"SITUAÇÃO DE HUMILHAÇÃO"
Também nesse mesmo sentido (continua a menção do juiz) convergem as transcrições de diálogos envolvendo o referido Professor Dr. Hélio, e seguintes. Mas não é só: Consta da oitiva da discente Dra. A.C.V.V.C que, para além do assédio moral, esta já "presenciou o dr. H. sendo desrespeitoso com certas condutas através de toques ponto A de Pitanguy próximo à mama em residentes do sexo feminino e toques próximos aos glúteos, sem prévia autorização (...)".
E ainda há mais: Apurou-se que o Professor dr. Hélio em uma de suas "aulas", valendo-se da posição de superioridade hierárquica, determinou à autora da ação e um outro discente (F.) que se beijassem, tocando os lábios, supostamente para ilustrar a "inosculação", que seria um toque suave entre os vasos sanguíneos.
Naquela oportunidade, a autora foi exposta aos olhares dos demais alunos residentes, em situação de humilhação. É o que se pode depreender da prova oral colhida em juízo.
"TRATAVA OS ALUNOS DE FORMA RÍSPIDA"
Em audiência de instrução, ouviu-se a testemunha Dra. S.R.D, que, da mesma forma, presenciou episódios de assédio. Disse que, em uma das oportunidades, o Professor Dr. Hélio tocou os seios da autora da ação para ilustrar aos demais residentes o que seria o "ponto A" de Pitanguy, sem qualquer autorização da Dra. F.
Em uma outra oportunidade, o referido Professor "deu três toquinhos nas mamas" (sic) da discente autora da ação, sem qualquer explicação plausível. Também chegou a tocar as coxas da Dra. F., sem qualquer autorização da autora, para supostamente ilustrar a aferição de gordura a ser aspirada na região dos quadris.
Segundo a testemunha, o Professor dr. Hélio tratava os alunos de forma ríspida e se exaltava com frequência com a autora da ação, o que pode, inclusive, ter comprometido a formação médica da Dra. F. na especialidade de "Cirurgia Plástica".
Asseverou a depoente, ainda, que, em uma dada ocasião, o referido professor chamou os alunos em uma sala e disse publicamente que não iria mais orientar a Dra. F. e o médico residente Dr. L.
BEIJO NA FRENTE DE TODOS EM UMA AULA
Ouviu-se também o Dr. L.C.G, que, tal como a Dra. S., confirmou os fatos narrados na inicial. Disse que a Dra. F. foi tocada de forma imprópria nas mamas, sob a justificativa de que o professor dr. Hélio pretendia demonstrar o "ponto A" de Pitanguy.
Esclareceu que em nenhum momento a demandante autorizou o professor a proceder daquela forma e disse que o toque das partes íntimas da Dra. F. era desnecessário naquela ocasião.
Também disse que o mesmo professor chegou a comentar com a autora, durante uma cirurgia, que os "seios dela haviam aumentado nas férias", o fazendo na frente de todos que estavam na sala de cirurgia, de forma ostensiva e desrespeitosa.
Relatou que tanto o depoente como a autora da ação foram assediados moralmente por diversas vezes pelo professor dr. Hélio, tendo este dito publicamente que não iria mais orientá-los, fazendo considerações depreciativas em relação a ambos.
Finalmente, disse ter presenciado o momento em que o professor dr. Hélio, referindo-se ao processo de "inosculação" de vasos sanguíneos, pediu para que a Dra. F. e outro residente (Dr. F.) se beijassem na frente de todos, em uma das aulas. Falou que a Dra. F. era, inclusive, noiva na época, e se sentiu profundamente constrangida.
No mesmo sentido também depôs o Dr. L.R.M.S.
"PROCEDER INAPROPRIADO E POTENCIALMENTE CRIMINOSO"
"É certo que, ao ser ouvido na fase administrativa (citou o juiz), o professor dr. Hélio negou a prática do assédio moral e sexual que lhe foi atribuído.
Ocorre que a sua negativa foi contrariada pelas testemunhas presenciais e oculares ouvidas em audiência. Há portanto, farta prova a demonstrar o proceder inapropriado e potencialmente criminoso do professor dr. Hélio Para além dos relatos colhidos na fase administrativa, durante o procedimento instaurado para a apuração de falta disciplinar, as testemunhas ouvidas em juízo prestaram depoimentos com riqueza de detalhes, a evidenciar o assédio moral e sexual a que foi submetida a autora da ação.
Os fatos aqui apurados são constrangedores, inadmissíveis, incompatíveis com o mínimo de conduta ética que se espera de um médico docente e caracterizadores do dano moral indenizável.
Se não, vejamos: a autora da ação, por mais de uma oportunidade, foi tocada em suas partes íntimas pelo professor dr. Hélio, de forma pública, desnecessária e na presença de outros médicos residentes, sendo que o ofensor se valeu de sua posição de superioridade hierárquica para subjugar a vítima.
Apurou-se, ainda, que, também valendo-se da condição de "professor" da disciplina de "Cirurgia Plástica", o dr. Hélio constrangeu a autora da ação a beijar um outro colega residente na boca, em público, durante uma aula, de forma desnecessária.
O mesmo professor, por repetidas oportunidades, fazia comentários depreciativos e públicos acerca da pessoa da autora da ação, chegando a dizer que não mais orientaria a Dra. F., sem qualquer razão plausível para tanto. Ficaram evidentes, portanto, a execração pública, a humilhação, o desprezo e os ataques de cunhos sexuais dirigidos pelo professor dr. Hélio à autora da ação.
Tudo se deu no âmbito da FAMEMA e da FUMES, a que está vinculado o referido "professor", sendo que episódio anterior da abusos e assédio moral já havia sido relatado às partes requeridas, que nada fizeram para evitar a reiteração da conduta ilícita do Dr. Hélio ou repreendê-lo a contento.
As testemunhas ouvidas em juízo disseram que os fatos narrados na inicial forma levados ao conhecimento da COREME (Comissão de Residência Médica), no âmbito da FAMEMA, que permaneceu omissa. Veja-se que o procedimento apuratório de falta disciplinar transcorreu no âmbito da FUMES. Cristalina, assim, a responsabilidade civil administrativa de ambas as partes requeridas, que, com a sua omissão, colaboraram decisivamente para que os atos ilícitos e potencialmente criminosos atribuídos ao Dr. Hélio de Rezende Paolielo Júnior continuassem a ocorrer...
Isto posto, na forma do que dispõe o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido e condeno as requeridas, em caráter solidário, ao pagamento de indenização reparatória por danos morais, no valor de R$ 20.000,00, com atualização monetária e incidência de juros moratórios".
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