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  • Por Adilson de Lucca

Justiça condena homem acusado de agredir e deixar a mãe idosa e doente morrer em situação degradante


Um homem acusado de agredir e deixar de prestar assistência à própria mãe, M.A.B, de 71 anos, colocá-la em situação de iminente perigo, retardar e dificultar a assistência à saúde dela, resultando na morte da vítima, foi condenado a 6 anos, 9 meses e 21 dias de reclusão, além de 2 anos, 1 mês e 3 dias de detenção, em regime inicial semiaberto.

A denúncia do MP apontou que a idosa foi resgatada da residência onde morava com o acusado pela Polícia Civil em situação e condições desumanas e degradantes (sem alimentação e remédios) e encaminhada a um abrigo de idosos, onde morreu. A condenação, com base no Estatuto do Idoso é do juiz Fabiano da Silva Moreno, da 3ª Vara Criminal do Fórum de Marília e o acusado poderá recorrer em liberdade.

O CASO

Conforme a denúncia do Ministério Público Estadual, E.P.P.S foi indiciado em inquérito policial porque no período compreendido entre 27 de abril de 2020 e 22 de julho de 2021, na cidade de Vera Cruz, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares e sem justa causa, deixou de prestar assistência à mãe, e em situação de iminente perigo, retardou e dificultou a assistência à saúde dela, resultando na morte da vítima.

Consta ainda que, no mesmo período e local, o acusado expôs a perigo a integridade e a saúde, física e psíquica da mãe, submetendo-a a condições desumanas e degradantes, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, conquanto fosse obrigado a fazê-lo, resultando na morte da vítima.

Consta ainda que o acusado ofendeu a integridade corporal da mãe, causando-lhe lesão corporal de natureza leve. Ele era o responsável pelos cuidados com a idosa, vez que residiam juntos e ela era acometida de depressão, doença de Parkinson e neoplasia maligna da mana. O acusado não prestou a necessária assistência à idosa, acometida das comorbidades mencionadas, inclusive impedindo que outros familiares tivessem contato com ela..

Conquanto tenham sido prescritas sessões de fisioterapia e acompanhamento médico frequentes, o denunciado não adotava as providências necessárias para tanto, deixando até mesmo de retirar nos órgãos municipais de assistência social e saúde equipamentos como cadeira de rodas e de banho e o suplemento alimentar prescrito à vítima, além de não prover, com regularidade, sequer a alimentação comum a ela.

Por diversas vezes, os órgãos municipais de assistência social foram informados de que a idosa era deixada sozinha em casa, apesar de ser pessoa acamada e dependente de cuidados de alimentação e higiene especiais, não comparecendo a sessões de fisioterapia e consultas médicas.

Diante das notícias, foi providenciada visita domiciliar à idosa; todavia, o denunciado impediu o acesso dos profissionais responsáveis. Em cumprimento a mandado de busca e apreensão policiais civis diligenciaram no local. Para ingressarem no imóvel, necessitaram transpor o muro da residência, tendo em vista que o denunciado não atendeu aos chamados da equipe.

Ali, os agentes se depararam com a idosa acamada e bastante debilitada. Sobre o fogão foi localizada uma panela contendo alimento deteriorado e o único banheiro da residência estava em péssimas condições de higiene. A vítima foi então imediatamente retirada do imóvel e acolhida em instituição de longa permanência para idosos, onde foram constatadas as péssimas condições humanas a que ela era submetida: foram encontradas larvas de inseto nas nádegas da idosa, escaras nas costas, feridas avançadas nas mamas e os cabelos embaraçados, indicativos que ela permanecia por muito tempo deitada, não recebendo asseio e limpeza minimamente necessários.

A despeito do acolhimento e dos cuidados ali prestados, em decorrência da negligência e dos maus tratos a que era submetida, que causaram o agravamento da neoplasia de mama e insuficiência respiratória, no dia 27 de dezembro de 2021, a idosa faleceu no abrigo "Casa da Vovó".

Cita a denúncia ainda que dia 25 de março de 2021, o acusado agrediu a genitora, segurando-a violentamente e desferindo soco no braço da ofendida, nela causando a lesão corporal retratada nas fotografias

DEFESA

O réu, em Juízo, disse que nunca houve maus-tratos. Sempre morou com a genitora e sua irmã sempre morou muito distante. Que realmente o banheiro estava sujo, porque naquele dia (entrada da Polícia Civil na casa), ele não havia limpado o banheiro. Foi no McDonald's comprar lanches e sorvete para a vítima, que é o que ela gosta. Trabalha todos os dias das 14:00 horas até as 02:00 da madrugada e dorme na parte da manhã e por isso foi que não ouviu os policiais chamarem. Contratou na sua casa uma menina, fora a que a sua irmã contratou. As vezes eram as pessoas que eram contratadas e as vezes era ele quem levava a vítima as consultas médicas. O banheiro foi limpo um dia antes da chegada dos policiais. A vítima tinha câncer, tinha quebrado o fêmur e tinha alzheimer. Quando passou no Hospital das Clínicas, a Dra. Paloma, que é a reitora do Hospital, chamou ele e falou que foi feita uma biópsia e disse que não dava muitos dias de vida para a vítima. Pouco tempo depois disso, a vítima veio a falecer. Trabalhava nas duas lojas que tinha e pediu ajuda da sua irmã para cuidar da genitora, mas ela se negou. A vítima tomava medicamentos de câncer, de labirintite e alzheimer. A vítima fisicamente era perfeita, só tinha alzheimer. Infelizmente, ela caiu e fraturou o fêmur e depois foi feita a biópsia e constatado um câncer. Ela estava debilitada porque não andava mais. Abre o comércio das 11:00 até as 02:00 da madrugada, todos os dias. A vítima ficava com ele, numa cadeira o tempo todo e, por volta, das 18:00 horas chegava uma moça que dormia com a vítima. Da descoberta do câncer até o falecimento da vítima decorreu um mês aproximadamente. Todo ano, levava a vítima para fazer acompanhamento. Que a vítima tinha tido um câncer seis anos antes do falecimento. Quando ela caiu e fraturou o fêmur, surgiu uma verruga embaixo do braço, ele espremeu e ela sentiu dor. Levou ela no médico, fez a biópsia e o câncer se espalhou muito rapidamente. Não tem bom relacionamento com a sua irmã. Nunca a impediu de ver a vítima. A vítima deixou de herança uma casa e um salão da frente. Acredita que o imóvel vale em torno de R$ 250.000,00. Fez o que pode para cuidar da genitora. Não tem nada na sua consciência de que tenha deixado de fazer para a genitora. Que a irmã nunca ajudou em nada e vinha uma vez por ano para visitar.

O JUIZ DECIDIU

"Pois bem! Ao cabo da instrução criminal restou amplamente demonstrada a responsabilidade do acusado pela prática dos delitos narrados na denúncia. Nesse sentido é firme e segura toda a prova deduzida, notadamente em juízo, sob o crivo do contraditório. De acordo com a certidão de óbito, a causa da morte da vítima foi insuficiência respiratória e neoplasia de mama. O parecer técnico relatou alguns episódios envolvendo a vítima: "Em um episódio, a Sra. M.A compareceu sozinha à UBS, sem calçados, referindo estar com fome"; "Em 04/02/21, apresentava lesão tipo úlcera de decúbito em região de calcâneo esquerdo e em 19/10/20, registrou-se em consulta médica que ela estava sem medicação há 20 dias"; "Em 10/06/20 registrou-se que a paciente apresentava miíase vaginal há meses, sendo constatado presença de miíase durante o cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão Domiciliar e equimose em membro superior direito"; "em 22/07/21, a idosa encontrava-se emagrecida e desidratada"; "Neste atendimento, foi registrado “paciente ictérica, com taquipneia, emagrecida, exalando odor fétido do curativo em região de axila, mama direita” e apresentava-se hipotensa, com pressão arterial de 56/37mmHg, com grave dessaturação de oxigênio (73%)" . O parecer concluiu que a conduta do réu contribuiu para o agravamento do estado de saúde da vítima, "pois o não fornecimento regular de alimentos e suplementos alimentares, como Ensure, podem ter contribuído para a desnutrição crônica da idosa, pois a restrição de nutrientes é um fator que interfere na competência do sistema imunológico, deixando o paciente mais suscetível à progressão de infecções e neoplasias malignas". Ainda, atestou que "a M.A apresentava 3 doenças debilitantes, causadores de inapetência e emagrecimento, o câncer de mama, a doença de Parkinson e a depressão, porém as baixas condições de higiene e de oferta alimentar e a não aderência ao tratamento médico podem ter contribuído para sua queda do estado geral, desnutrição e fraqueza, o que somadas às suas comorbidades, podem ter contribuído para a evolução rápida do câncer de mama e seu óbito pela disseminação rápida dessa malignidade", Os prontuários médicos e as fichas de atendimento juntados aos autos demonstram que, por várias vezes, a ambulância foi até a residência da vítima, porém ninguém atendeu. Em outras ocasiões a vítima estava desacompanhada de familiar, queixando-se de mal estar geral e de tontura, com a pressão arterial baixa, fraqueza, depressão, insonia e prostração. Já os relatórios informam que a "vítima encontra-se em risco e vulnerabilidade social, foram informados pelo setor da saúde que o filho não tem comparecimento nos exames marcados, na fisioterapia e demais tratamentos e também não permite a visita dos profissionais para acompanhar o estado de saúde da idosa. O filho não atende o telefone e nem quando vai até a casa. Já foram feitas várias tentativas para orientar o filho, mas não tivemos nenhum tipo de retorno, ainda, tem informações de que o filho trabalha em Vera Cruz e também em outra cidade e quando não está em casa, a mãe fica sozinha, não tem nenhuma cuidadora para ficar com ela. A idosa é acamada e depende dos cuidados da alimentação, higiene pessoal. (...). Verificou negligência com os cuidados da idosa e omissão nos tratamentos, mantendo a mãe em situação de cárcere privado e ninguém pode informar como está o estado de saúde da idosa atualmente e que através do histórico no sistema obtiveram informações de que a idosa não foi levada nos agendamentos de exames e consultas, concluindo que após a verificação das agressões contra a idosa, o réu tem impossibilitado todas as visitas a mesma". Por fim, o relatório juntado traz fotografias do estado em que foi encontrado o banheiro da residência, não sendo crível a versão apresentada pelo réu de que teria limpado o local no dia anterior. Possível ver, também, que havia, na cozinha, uma panela de pressão abandonada sobre o fogão, com comida velha, o que demonstra, mais uma vez, o descaso do acusado com as condições na qual sua mãe vivia, uma vez que não se dava ao trabalho de sequer lavar a louça, guardar a comida na geladeira ou jogá-la, se fosse o caso. Ainda, é possível ver a ferida nas costas da vítima, do local de onde foi retirado um berne, das feridas nas mamas da vítima, bem como dos hematomas em seus braços. Por fim, também foi disponibilizado vídeo dos nós encontrados nos cabelos da vítima, que se formaram por não serem penteados...

Assim, temos que a prova documental juntada aos autos, bem como os depoimentos colhidos em Juízo demonstram que o acusado, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares e sem justa causa, deixou de prestar assistência à mãe e, em situação de iminente perigo, retardou e dificultou a assistência à saúde dela, resultando na morte da vítima. Ainda, devidamente demonstrado nos autos que o filho, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, expôs a perigo a integridade e a saúde, física e psíquica, de sua mãe, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, conquanto fosse obrigado a fazê-lo, resultando na morte da vítima. Por fim, no tocante ao delito de lesão corporal prevalecendo-se o agente das relações domésticas, previsto no artigo 129, § 9º do Código Penal, também restou amplamente demonstrada a responsabilidade do acusado. Nesse sentido é firme e segura toda a prova deduzida, notadamente em juízo, sob o crivo do contraditório. As lesões sofridas pela vítima estão documentadas nas fotografias constantes do relatório, bem como nas imagens.

Posto isso, julgo procedente a pretensão acusatória para condenar o réu à pena de 4 anos, 8 meses e 18 dias de reclusão, bem como 2 anos, 1 mês e 3 dias de detenção, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 36 dias-multa... Por fim, considerando que o réu respondeu ao processo em liberdade, e, não estando presentes as circunstâncias que levariam à decretação da custódia cautelar, poderá recorrer da presente sentença em liberdade".


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