- Por Adilson de Lucca
Justiça condena motorista sem CNH que atropelou e matou presbítero em frente igreja em Marília

O condutor de um veículo, não habilitado, que atropelou e matou o presbítero Valdir Oliveira, de 52 anos, quando ele chegava para um culto na igreja Assembleia de Deus, no Jardim Universitário, Zona Oeste de Marília, foi condenado a cumprir pena de 4 anos, 3 meses e 10 dias de prisão no regime inicial semiaberto, por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) na direção de veículo. Também foi determinada a proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 4 (quatro) meses e 7 (sete) dias.
A decisão é do juiz Paulo Gustavo Ferrari, da 2ª Vara Criminal do Fórum de Marília e cabe recurso. O acusado, Alexssandro Palma de Oliveira, que poderá recorrer da sentença em liberdade, não obteve benefício de pena alternativa (tipo prestação de serviços à comunidade), conforme os autos, porque é reincidente.
O acidente aconteceu por volta das 21h do dia 31 de dezembro de 2019, quando a vítima estava rente a um carro estacionado e iria atravessar a Avenida Maria Fernandes Cavalari, para participar do culto da virada (véspera do Ano Novo) na igreja. Com o impacto, Valdir foi arremessado em cima de outro carro que estava estacionado à frente. O presbítero era divorciado e tinha perdido o pai há cerca de 20 dias e cuidava da mãe. Ela estava no carro com ele e já havia atravessado a Avenida.
Valdir sofreu gravíssimos ferimentos, chegou a ser socorrida pela UTI Móvel do Samu ao Hospital das Clínicas, mas acabou morrendo pouco depois.
A polícia constatou que o condutor do carro que provocou o acidente estava em alta velocidade e fugiu sem prestar socorro. Policiais chegaram até ele após verificar imagens de câmeras de segurança que registraram o atropelamento. O motorista se apresentou na Central de Polícia Judiciária (CPJ), acompanhado de advogado, dois dias depois. Foi ouvido e liberado.
Em depoimento ao delegado Sebastião de Castro, o condutor do carro, um GM Monza, afirmou que estava acompanhado de sua esposa e uma criança. Alegou que a vítima adentrou a avenida repentinamente e não houve tempo de frear o carro. Disse que não parou no local após o acidente porque não era habilitado.
A AÇÃO PENAL
Conforme os autos (Crimes de Trânsito) "Alexssandro Palma de Oliveira, foi denunciado como incurso no artigo 302, §1º, incisos I e III, e artigo 305 c/c o artigo 298, inciso I, todos da Lei nº 9.503/1997, na forma do artigo 69, caput, do Código Penal, porque, no dia 31 de dezembro de 2019, por volta de 21h15, na Avenida Maria Fernandes Cavalari, Jardim Universitário, nesta cidade e comarca, praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, vitimando Valdir de Oliveira, bem como se afastou do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal e civil que lhe podia ser atribuída.
Apurou-se, ainda, que o denunciado não era habilitado e, quando do acidente, conduzia o veículo a uma velocidade aproximada de 64 km/h, fato que gerou perigo concreto a diversas pessoas, uma vez que ocorreu em frente a uma igreja, no momento em que ocorria um culto (do qual a vítima iria participar) e onde havia grande aglomeração de fiéis.
A denúncia foi recebida em 23/9/2020. O réu foi citado e apresentou defesa preliminar. Em audiência de instrução, realizada em 9/9/2021 foram ouvidas cinco testemunhas de acusação e duas de defesa e o réu foi interrogado.
Em alegações finais, o Ministério Público requereu a procedência da ação nos termos da denúncia. Na dosimetria, pleiteou a fixação da pena concernente ao crime do artigo 302 do CTB acima do mínimo legal, pelo fato de ter ocorrido no último dia do ano, quando a vítima se preparava para participar de um culto, juntamente com familiares e amigos, sendo possível a fixação da pena no mínimo legal para o crime previsto no artigo 305 do CTB. Apontou a presença das agravantes previstas nos artigos 298, I, do CTB, e 61, I, do CP, bem como das causas de aumento previstas no artigo 302, §1º, I e III, do CTB. Por fim, ante a gravidade em concreta dos crimes e a reincidência, postulou pela fixação do regime inicial semiaberto, sendo incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição de sursis.
A defesa, por sua vez, pleiteou a absolvição quanto ao artigo 302 do CTB, pela ausência de culpa por parte do acusado, condenando-o apenas pelo artigo 305 do CTB. Em caso de entendimento diverso, requereu que seja considerada a confissão e que seja descartada a agravante da falta de prestação de socorro, uma vez que não se pode cumular o artigo 302, §1º, III, com o artigo 305, ambos do CTB, sob pena de caracterizar bis in idem. Requereu, ainda, o afastamento da agravante prevista no artigo 298, I, do CTB, por não restar demonstrado o fluxo de pessoas no local, e a aplicação do artigo 71 do CP. Por fim, postulou a fixação da pena mínima, com aplicação do regime inicial aberto".
O JUIZ DECIDIU
"A acusação é procedente. A materialidade dos crimes previstos no artigo 302, §1º, incisos I e III, e artigo 305 c/c o artigo 298, inciso I, todos da Lei nº 9.503/1997, restou comprovada pelos boletins de ocorrência, laudo pericial do local dos fatos, laudo pericial das gravações realizadas por câmeras de vídeo , laudo necroscópico, relatório final da D. Autoridade Policial, pesquisa demonstrando que o acusado não possui registro de CNH e pela prova oral colhida em juízo. A autoria, por sua vez, é certa.
A testemunha Gecê Delmiro Conrado Junior, policial militar, declarou que ele e seu colega de farda foram acionados via COPOM para tentar identificar o proprietário de um veículo envolvido em um atropelamento.
A partir das informações recebidas eles localizaram um veículo, estacionado em uma garagem aberta, com amassados e fragmentos de vidros que indicavam uma colisão.
Ao abordarem o réu, ele confessou ter se envolvido no acidente e concordou em acompanhá-los até o plantão policial. A testemunha Wesley da Silva, policial militar, declarou ter sido acionado para atender a uma ocorrência de atropelamento. Ao chegarem no local, a vítima já havia sido socorrida pelo SAMU. Colheram informações com os presentes e o proprietário do supermercado Santa Teresinha recuperou em seu sistema de segurança imagens de um veículo que trafegava em alta velocidade e que atropelou a vítima, arremessando-a sobre outro veículo. Tal veículo não parou para prestar socorro à vítima. Eles permaneceram no local até a chegada da equipe de perícia.
A testemunha F. declarou que na data dos fatos estava chegando na igreja que frequenta para participar de um culto de final de ano. Estava na porta da igreja, conversando com a mãe da vítima. A vítima estava fechando o seu carro, estacionado do outro lado da rua. Um outro veículo, que trafegava aparentemente acima da velocidade permitida no local, ziguezagueou e atingiu a vítima. O local não estava muito escuro, porque, além da iluminação pública, havia holofotes iluminando a fachada de um supermercado próximo. Atrás do local onde a vítima estacionou seu carro, havia uma caçamba. Após a colisão o veículo se evadiu e os presentes acionaram o socorro. A testemunha Graziele Araujo Nunes Tanaka declarou que na data dos fatos estava chegando na igreja que frequenta para participar de um culto de final de ano. Conversava com a mãe da vítima e, no outro lado da rua, a vítima terminava de estacionar seu carro. De repente ouviu um barulho e, ao olhar em direção à vítima, viu papéis voando e a vítima caída entre o seu veículo e o estacionado na sua frente. Notou que a vítima tinha sido atropelada por um veículo que fugia, em alta velocidade.
A testemunha M. declarou que na data dos fatos chegou na igreja às 21h10 e parou o seu carro nas proximidades do mercado Santa Teresinha. Quando já estava dentro da igreja foi informado que houve um acidente e que seu carro estava envolvido. Saiu e pode ver que a vítima tinha sido atropelada e arremessada sobre seu veículo. Na data dos fatos a rua não estava muito escura e não se lembra de ter visto uma caçamba no local.
A informante R., esposa do réu, disse que estava no veículo com seu marido e filho quando ouviu o barulho de uma batida. Seu marido disse que achava ter atropelado uma pessoa e que iria levá-la para casa e depois voltava. Seu marido não estava dirigindo em alta velocidade. A rua estava escura e havia uma caçamba no local.
A testemunha A. disse que é vizinho do réu e teve contato com ele quando este chegou em casa, após o atropelamento. Ele estava nervoso, desorientado e queria voltar ao local para ver o que aconteceu. Ele então emprestou sua bicicleta para o réu, que voltou ao local e viu que havia muita gente, que a vítima havia sido socorrida e que seu estado era grave. No local do acidente há uma caçamba de uma loja de móveis.
O réu Alexssandro Palma de Oliveira, interrogado, declarou que no dia dos fatos trafegava com seu veículo pela Av. Maria Fernandes Cavalari, dentro do limite de velocidade, quando o retrovisor e corta-vento do carro atingiram a vítima, que estava muito projetada para o meio da via. O local estava pouco iluminado, com muitos carros em sentido contrário com farol alto. Também havia uma caçamba perto de uma madeireira. Todos esses fatores prejudicaram a sua visão.
Após o impacto, ele parou o veículo mais à frente e queria socorrer a vítima, mas como havia muita gente ficou com medo de ser agredido, razão pela qual foi para casa. No dia seguinte foi procurado por policiais, momento em que ele contou o que havia ocorrido e compareceu na delegacia para prestar depoimento.
As provas coligidas demonstram de forma patente a ocorrência dos delitos de homicídio culposo na direção de veículo automotor e de se afastar do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil, tal como narrado na exordial acusatória, não merecendo acolhida a tese defensiva no sentido de ausência de culpa a ensejar a absolvição. A versão apresentada pelo réu não restou demonstrada nos autos.
É certo que o acusado conduzia o veículo em alta velocidade no momento do atropelamento. Além dos depoimentos das testemunhas F. G., que apontam tal circunstância, o laudo pericial comprova que o veículo transitava pelo local dos fatos na velocidade de 64,1743km/h. Pela imagem nota-se que realmente havia uma caçamba próxima ao local dos fatos.
Por outro lado, percebe-se também que ela estava regularmente colocada na via, não atrapalhando o tráfego de veículos e nem dificultando a visibilidade dos motoristas. As imagens e rechaçam o argumento apresentado pelo réu de que havia muitos carros circulando em sentido contrário, com farol alto. Não há registro de nenhum outro veículo circulando no momento do atropelamento. Além disso, não havia carros estacionados irregularmente, nem tampouco qualquer obstáculo que justificasse o abalroamento ocorrido.
Quanto a pouca iluminação na rua, as testemunhas F. e M. afirmaram em Juízo que o local não estava muito escuro, havendo, inclusive, holofotes iluminando a fachada de um supermercado próximo.
É notório que o réu agiu com imprudência e não observou os preceitos do art. 28 do CTB: “O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.”. Assim, certo nestes autos é a culpa do réu, que agiu de forma imprudente e negligente ao conduzir o seu veículo, causando o atropelamento que culminou com a morte da vítima. Presentes as causas de aumento previstas nos incisos I e III, parágrafo único, do art. 302 da Lei nº 9.503/97. Conforme se observa a fls. 210/212, o réu não possui permissão para dirigir ou carteira de habilitação. Outrossim, houve omissão de socorro, pois o acusado se evadiu do local.
A justificativa apresentada por ele de que não socorreu a vítima porque ficou com medo de ser agredido não encontra respaldo nos autos. Poderia ter comunicado a Polícia Militar ou o serviço de emergência hospitalar, a fim de preservar a vida da vítima, o que não ocorreu.
Além disso, sua esposa, a informante R., declarou que ele a teria levado para casa por conta de seu nervosismo, não fazendo qualquer menção acerca do receio do acusado em ser agredido se parasse para socorrer a vítima. Observa-se, ainda, que o réu retornou, posteriormente, ao local do acidente, de bicicleta, ocasião em que não se apresentou aos policias presentes como autor dos fatos, ficando caracterizada, de forma cabal, que o réu se evadiu do local, com a intenção de eximir-se da responsabilidade civil e criminal que lhe poderia ser atribuída, sendo de rigor sua condenação pelo crime tipificado no artigo 305 do Código Penal.
Em que pese a tese defensiva, inexiste bis in idem decorrente da incidência concomitante do artigo 305 do CTB com a causa de aumento prevista no art. 302, §1º, inciso III, do CTB, eis que tutelam bem jurídicos distintos, quais sejam, a administração da justiça e a vida da vítima, respectivamente. Restou configurada, ainda, a agravante prevista no artigo 298, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro. As imagens registraram a presença de mais de duas pessoas na calçada do outro lado da rua, defronte à igreja onde iria ser realizado um culto de fim de ano. Tratava-se, portanto, de local com circulação de pessoas acima do normal, o que demandava cautela redobrada na condução do veículo, conduta esta não praticada pelo réu. Comprovadas, assim, a materialidade e a autoria dos crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor e de se afastar do local do acidente para fugir a responsabilidade, ausente causa de exclusão da ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, inevitável a condenação. Passo a dosar as penas...
Pelo exposto, julgo PROCEDENTE a acusação para CONDENAR o réu ALEXSSANDRO PALMA DE OLIVEIRA, qualificado nos autos, pela prática dos crimes descritos no artigo 302, §1º, incisos I e III, e artigo 305, ambos c/c o artigo 298, inciso I, todos da Lei nº 9.503/1997, à pena de 4 (quatro) anos, 3 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção, além da suspensão ou proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 4 (quatro) meses e 7 (sete) dias, e à pena de 8 (oito) meses de detenção, respectivamente. Em virtude do concurso material de infrações penais (artigo 69 do Código Penal), as penas deverão ser somadas, totalizando 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de detenção, além da suspensão ou proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 4 (quatro) meses e 7 (sete) dias. Dada a quantidade da pena fixada e a reincidência do réu, fixo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade. Pelos mesmos fundamentos apontados acima, inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (artigo 44 do Código Penal) e a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal).
Concedo ao réu o direito de apelar em liberdade, ante a ausência de elementos concretos a embasar a necessidade de prisão preventiva, especialmente porque permaneceu solto durante toda a instrução. Em face da condenação supra, o sentenciado arcará com o pagamento da taxa judiciária no valor de 100 (cem) UFESPs. Todavia, caso seja beneficiário da assistência judiciária gratuita, a exigibilidade permanecerá sobrestada. Oportunamente, providencie-se o necessário para a execução das penas impostas. Oficie-se ao TRE/SP para o cumprimento do inciso III do artigo 15 da Constituição Federal, bem como comunique-se o IIRGD.
Incumbirá ao Douto Juízo da Execução as providências necessárias acerca da suspensão da CNH. Cobre-se a multa e a taxa judiciária, se forem devidas, de acordo com as NSCGJ. Para se evitar, ao menos por ora, a intimação pessoal do sentenciado, dê-se vista imediatamente ao Ministério Público e intime-se a Defesa constituída através do DJE, a fim de que se manifestem acerca de eventual recurso. Após o trânsito em julgado, expeça-se o necessário. P.R.I.C. Marília, 21 de dezembro de 2021 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE".

