J. POVO- MARÍLIA
Justiça condena plano de saúde a pagar R$ 45 mil por danos materiais à vítima da Covid, em Marília

Rebeca Nemer e Jonathan beijam a mãe, Sara, após drama e recuperação da COVID
A juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, da 1ª Vara Cível do Fórum de Marília, condenou o Plano de Saúde São Francisco a pagar R$ 45 mil por danos materiais à aposentada Sara Ferraz Nemer.
O valor é referente a reembolso de despesas com tratamento pela Covid, incluindo translado aéreo para São Paulo e uso de aparelhos respiratórios, entre outros procedimentos no INCOR/SP.
Sara, que é mãe do humorista Jonathan Nemer, permaneceu 90 dias na UTI do Hospital da Unimar, até, sob risco de morte, ser transferida para São Paulo. O caso dela gerou comoção e repercussão nas redes sociais, à época.
O CASO
Sara é beneficiária de plano de saúde São Francisco, contratado pelo seu esposo, advogado Rabih Nemer, desde 2011. Alegou que em 30 de março do ano passado, apresentou sintomas de falta de ar e tosse o que a levou a procurar atendimento médico junto ao Hospital da Unimar. Submetida a exame foi diagnosticada com vírus da COVID e encaminhada à internação no dia 9 de abril daquele ano.
Afirmou que seu quadro de saúde se agravou e foi necessária a intubação na UTI e, ainda com dificuldades para respirar, foi submetida a traqueostomia. No dia 18 de meio, teve agravado o quadro de saúde com dois choques sépticos e no dia 7 de junho teve fibrose pulmonar grave.
Diante deste quadro, seu médico indicou a necessidade de utilização de ventilador mecânico pulmonar, pois o disponível no hospital era insuficiente, suportando gastos com locação do equipamento no valor de R$ 18.000,00.
Sustentou que a medida não evitou a piora do quadro de saúde e, em 9 de julho de 2021, o médico responsável constatou que a autora apresentou quadro compatível com falência pulmonar e sugeriu a transferência para o Hospital INCOR em São Paulo, cujo transporte foi realizado por meio aéreo devido ao risco iminente de morte.
Alegou que os custos do transporte aéreo implicaram no valor de R$ 27.000,00 e justificou que a emergência da medida inviabilizou qualquer encaminhamento de pedido prévio ao Plano de Saúde. Sustentou que a empresa contratada indeferiu o pedido de reembolso das despesas em razão da falta de pedido prévio. Enfim, requereu a procedência da ação para condenação do Plano de Saúde a pagar-lhe R$ 54.828,16 a título de danos materiais.
DEFESA
A empresa ofereceu contestação alegando que a paciente não efetuou pedido médico referente ao aparelho locado ou ao transporte aéreo. Negou que tenha havido recusa na cobertura do atendimento. Alegou que a autora da ação procurou atendimento particular sem sua consulta prévia. Afirmou que o plano contratado pela aposentada não é de livre escolha e os pedidos médicos devem ser submetidos ao corpo técnico antes da liberação dos tratamentos.
Negou o dever de ressarcimento dos danos materiais, tendo em, vista que por opção da usuária, resolveu buscar o serviço de forma particular. Afirmou que dispõe de profissionais capacitados em sua rede credenciada e não haveria necessidade de buscar o atendimento fora da rede.
Sustentou que a imposição do dever de indenizar os danos materiais implicará em desequilíbrio financeiro do contrato.
Defendeu a limitação imposta pela cobertura contratual, a qual se coaduna com as normas estabelecidas pela legislação de saúde suplementar. Bateu pela impossibilidade de inversão do ônus da prova. Enfim, requereu a improcedência da ação.
A JUÍZA DECIDIU
"Embora verse a lide sobre questão de fato e de direito, entendo que o processo está devidamente instruído com as provas úteis e necessárias, possibilitando seu julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil.
Pretende a autora a condenação da ré à indenização por danos materiais no valor de R$ 54.828,16, referente à locação de equipamento hospitalar e UTI móvel aérea para transportá-la a hospital para cidade de São Paulo, cujo reembolso das despesas não foi efetuado, indicando abusividade e ilegalidade na conduta.
Em contrapartida, defende-se a ré sustentando que não está obrigada ao custeio do ressarcimento dos danos materiais, cujos gastos foram realizados de forma particular, sem pedido prévio. Negou que havia necessidade de emergência para o atendimento da autora e sustentou que o atendimento deveria ter sido realizado pela rede credenciada. Enfim, requereu a improcedência da ação.
Pois bem! Dispõe a súmula nº 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidade de autogestão”. É incontroversa a relação jurídica estabelecida entre as partes, a qual decorre de contrato de plano de saúde na modalidade ambulatorial, hospitalar e obstetrícia – bronze. A autora apresentou nos autos relatório médico, o qual dá conta de sua internação hospitalar no período de 09.04.2021 a 11.07.2021 em razão da COVID-19.
No relatório foi descrita a piora do quadro de saúde da autora, com a necessidade de uso de aparelho de ventilação mecânica da marca BENNET PURITAN 980, com funcionalidades de mecânica respiratória integrada (EtCO2; P, 01). Posteriormente, também foi indicada a necessidade de transferência da autora para o Hospital INCOR, localizado na cidade de São Paulo, a fim realizar transplante pulmonar. Consta outro relatório em que o médico ressaltou que: “Devido a gravidade do caso e risco de morte relacionado ao transporte terrestre (tempo de transferência superior a 5 horas em condições desfavoráveis) optamos por transporte aéreo. Após contato com a equipe de Transplante Pulmonar do Instituto do Coração – HCMFMUSP (Incor) na cidade de São Paulo realizado a transferência de UTI origem para UTI Incor destino”. Além disso, foram apresentados aos autos a prova dos gastos e do contrato com o transporte aéreo da autora no valor de R$ 27.000,00, além das despesas referentes ao aluguel do ventilador mecânico que totalizou R$ 18.000,000. Os relatórios apresentados pela autora não deixam quaisquer dúvidas quanto à gravidade de seu quadro de saúde, com risco iminentemente de morte, o que justificou a adoção das medidas adotadas de forma rápida e emergencial para salvar sua vida. A gravidade da doença é notória e objeto de ampla divulgação na mídia, que já noticiou grande número de mortes em sua decorrência em todo mundo, sendo que somente no Brasil já atingiu patamar próximo de 700.000 pessoas. Note-se que tanto o uso do ventilador especial quanto à indicação para transferência hospitalar da autora foram precedidas de indicação médica. Em contrapartida aos argumentos da ré, deve-se enfatizar ainda que a autora buscou por primeiro atendimento no Hospital da UNIMAR e lá permaneceu por mais de noventa dias internada, havendo piora no seu quadro de saúde. Por outro lado, a ré não demostrou que o atendimento necessário à saúde da autora poderia ser realizado dentro dos limites geográficos e que havia profissional e estabelecimento aptos a realizar o atendimento necessário à autora dentro de sua rede credenciada A recusa da ré ao reembolso das despesas se fundamenta na ausência de pedido prévio, como atestado pelo documento. Em que pese a autora não tenha admitido a falta de encaminhamento prévio dos pedidos para análise da ré, o quadro grave de saúde recomendava a adoção imediata de providências emergenciais, não podendo esperar que a ré se manifestasse quanto à autorização prévia, sujeitando a delongas que inclusive poderia resultar na morte da autora. As provas apresentadas aos autos demonstraram que o risco de morte era iminente, logo impor a exigência contratual de análise prévia do pedido pela operadora de saúde caracterizaria limitação no atendimento, o que não pode ser tolerado, tendo em vista a existência de prescrição médica. Além disso, os argumentos da ré quanto à recusa na cobertura contratual em razão dos limites geográficos estabelecidos no contrato ou falta de previsão de reembolso das despesas, não são suficientes para eximi-la de responsabilidade, pois não podem infirmar a prescrição médica. A enfermidade que acometeu a autora não consta estar fora da cobertura contratual, razão pela qual deve a ré se organizar para prestar o atendimento que for necessário ao tratamento de sua saúde. Além disso, não há que se falar em prevalência da obrigatoriedade do pacto e da autonomia da vontade das partes, uma vez que a doença que acometeu a autora é classificada no código internacional de doença. Desta forma, havendo prescrição médica para utilização do equipamento e transferência para outra unidade hospitalar em caráter de emergência, não pode a ré recusar ou mesmo impor limitações ao atendimento.
A par disso, a súmula 103 do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim dispõe: “É abusiva a negativa de cobertura em atendimento de urgência e/ou emergência a pretexto de que está em curso período de carência que não seja o prazo de 24 horas estabelecido na Lei n. 9.656/98.” Nesta mesma direção dispõe a súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”. Aliás, a função social do contrato é justamente garantir a prestação de serviços de saúde.
Ao limitar o acesso ao fornecimento de tratamento, equipamento ou mesmo custeio de transporte para viabilizá-lo, restringe o alcance de seu objetivo, colocando a autora em desvantagem ante à recusa da oferta para o seu atendimento. Assim, é necessária a intervenção jurisdicional para recompor o equilíbrio contratual, possibilitando à autora ser atendida mediante a garantia do que for necessário à reabilitação de sua saúde...
Posto isto e considerando o mais que dos autos consta, julgo procedente a presente ação proposta por Sara Ferraz Nemer contra São Francisco Sistemas de Saúde Sociedade Empresarial Limitada para o fim de condenar a ré a indenizar à autora no valor de R$ 45.000,00 referente às despesas indicadas, acrescidas de correção monetária a partir da data do desembolso e juros moratórios de 1% a partir da citação. Sucumbente, condeno a ré ao recolhimento de custas e despesas processuais e honorários advocatícios do Patrono da autora que fixo em 15% sobre o valor da condenação, com fundamento nos artigos 85 § 2º do Código de Processo Civil. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE".

