O Estado foi condenado a fornecer transporte escolar gratuito para um rapaz que trabalha na colheita de laranjas no Distrito de Avencas e cursa técnico em logística na ETEC, no prédio do Colégio Monsenhor Bicudo, na Avenida Rio Branco, em Marília. A decisão é do juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública de Marília.
Conforme os autos, Nathan dos Santos ajuizou ação contra ato supostamente ilegal atribuído ao Secretário Estadual da Educação, alegando que é morador do Distrito de Avencas e trabalha como lavrador.
"A despeito da nobreza e honradez da ocupação atualmente exercida pelo autor do writ (colhedor de laranjas), o Poder Público não pode criar embaraço ao pleno desenvolvimento das potencialidades do Sr. Nathan dos Santos, para que venha a alcançar profissão ainda melhor no futuro. Trata-se de rapaz humilde, pobre, mas que sonha em se aperfeiçoar e melhorar de condição de vida. A ninguém é lícito, com todas as vênias, ceifar esse sonho", citou o magistrado na sentença.
As aulas do curso são ministradas no horário compreendido entre as 19h e 23h, de segunda a sexta-feira.
O Distrito de Avencas não é servido por transporte público neste horário, mas por transporte de alunos da rede estadual para a Escola Monsenhor Bicudo. Nathan pleiteou administrativamente uma vaga para transporte escolar, sendo que o requerimento foi indeferido.
Sustentando a violação de direito líquido e certo, o estudante postulou a concessão de segurança para que lhe seja viabilizado o transporte de Avencas até a Escola Monsenhor Bicudo, utilizando-se do mesmo ônibus que faz o trajeto de Avencas a Marília.
O JUIZ DECIDIU
"Ao fundamentar o indeferimento do requerimento administrativo, a autoridade impetrada discorreu: "(...) As Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) são subordinadas à autarquia Centro "Paula Souza" – CPS, a qual, por sua vez, é vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
As Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) não se encontram, portanto, subordinadas a esta Secretaria da Educação (...) No âmbito da rede pública estadual de ensino a concessão do transporte esoclar é disciplinada pela Resolução SEE nº 27, de 09/05/2011, e é oferecido aos alunos matriculados na rede regular de ensino, que compreende as unidades ecolares da rede pública estadual, bem como as demais instituições credenciadas ou conveniadas com a pasta (...)
No caso em tela, o impetrante se encontra matriculado no 1º Módulo do Curso de Habilitação Profissional de Técnico em Logística na ETEC – Antônio Devisate, com aulas de segunda a sexta-feira, no horário das 19h00min às 23h00min, e aos sábados das 08h00min às 12h00min (...)
Cabe reiterar que o Centro Paula souza (CPS) é uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que administra Escolas Técnicas (ETEC) e Faculdade de Tecnologia (FATEC). Portanto, não se encontra credenciada ou conveniada com a Secretaria de Estado da Educação, razão pela qual não há como lhe estender o disposto na Resolução SEE nº 27/2011.
A ETEC Antônio Devisate está localizada no Município de Marília e, em virtude de não dispor de espaço físico para ministrar todos os cursos, a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação solicitou à Secretaria de Educação a cessão de salas de aula na EE Monsenhor Bicudo, para que fossem ministrados os cursos (...)".
Descabe cogitar-se de ilegitimidade passiva da autoridade impetrada. Com efeito, o presente writ foi impetrado contra ato omissivo do Exmo. Sr. Secretário da Educação do Estado de São Paulo, a quem cabe, em tese, viabilizar o direito de toda a população paulista (independentemente de origem ou condição econômica) ao ensino.
Quanto ao mérito, parece-nos relevante registrar que questões burocráticas, inerentes à divisão interna de trabalho e gestão da Administração Pública do Estado de São Paulo, não podem constituir obstáculo ao acesso do impetrante ao ensino, para que possa se instruir, se aperfeiçoar e melhorar de condição de vida.
A despeito da nobreza e honradez da ocupação atualmente exercida pelo autor do writ (colhedor de laranjas), o Poder Público não pode criar embaraço ao pleno desenvolvimento das potencialidades do Sr. Nathan dos Santos, para que venha a alcançar profissão ainda melhor no futuro. Trata-se de rapaz humilde, pobre (fls. 23), mas que sonha em se aperfeiçoar e melhorar de condição de vida. A ninguém é lícito, com todas as vênias, ceifar esse sonho.
O impetrante, com a sua tão só intenção de dedicar-se aos estudos, a despeito de sua dura rotina de trabalho e todas as barreiras socioeconômicas inerentes, mostra ser portador de fibra e caráter diferenciados, compatíveis com os altos valores em que se alicerça este Estado de São Paulo. É certo que, por ser pobre, não tem condições de custear o próprio transporte, mas o Estado de São Paulo, por meio da autoridade impetrada, considerada a dicção do artigo 205 da CF/88, tem o dever de viabilizar a locomoção do autor do writ até o local em que serão ministradas as aulas do curso oferecido pela ETEC.
Tanto mais no caso vertente, em que tais aulas são oferecidas no mesmo imóvel em que se encontra funcionando a escola estadual Monsenhor Bicudo, para o qual é oferecido transporte escolar do humilde Distrito de Avencas, onde reside o Sr. Nathan dos Santos, até a referida unidade de ensino (o que é admitido nas informações prestadas pela autoridade impetrada).
Pouco importa, aqui, que a ETEC seja vinculada à autarquia estadual Centro "Paula Souza" – CPS, dado que integrante da Administração Pública do Estado de São Paulo, em sentido amplo, a quem cabe dar cumprimento ao dever previsto no artigo 205 da CF/88. Não é compreensível ou razoável que ao impetrante seja negado o direito de embarcar no veículo de transporte escolar, juntamente com outros moradores do distrito de Avencas, apenas em razão de entraves burocráticos.
Para além da violação do primado da razoabilidade, negar a Nathan dos Santos o direito ao transporte escolar subverteria também o princípio da eficiência, previsto no artigo 37, "caput", da CF/88, pois implicaria a não ocupação total do veículo que já realiza o transporte de alunos no mesmo distrito de Avencas, o que é incompatível com a otimização dos recursos públicos. Entender-se o contrário, com todas as vênias, equivaleria a penalizar de forma inaceitável o autor do writ apenas por não reunir condições econômico-financeiras, o que não se pode admitir.
Isto posto, julgo procedente o pedido e concedo a segurança para o fim de determinar à autoridade impetrada que viabilize o transporte escolar de Nathan dos Santos qualificado nos autos, para que possa se locomover do Distrito de Avencas, onde reside, até a Escola Monsenhor Bicudo, para fins de frequência ao curso a que corresponde a declaração de matrícula, nos horários lá determinados, podendo o impetrante utilizar, se caso, o mesmo ônibus que já realiza o mesmo trajeto, servindo os demais alunos do ensino regular. Notadamente o perigo de dano de difícil reparação em detrimento do impetrante, considerando-se que as aulas a que se refere a declaração de matrícula de fls. 13 já estão em andamento, reconsidero a decisão, em sede de cognição exauriente, e concedo a tutela de urgência, devendo o comando aqui contido ser cumprido imediatamente. Expeça-se e providencie-se o necessário para o pronto cumprimento da determinação judicial. O descumprimento ensejará a apuração da responsabilidade civil, administrativa e criminal cabível, sem prejuízo da eventual fixação de astreintes".
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