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Justiça condena Prefeitura de Marília a pagar indenização de R$ 60 mil à aluna cadeirante que sofreu queda e fraturas em escola

  • Adilson de Lucca
  • 1 de abr.
  • 8 min de leitura

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A Prefeitura de Marília deverá pagar indenização de 40 salários mínimos (cerca de R$ 60 mil), além de custos com tratamento médico, à família de uma criança cadeirante que estuda em escola municipal e caiu de uma cadeira de rodas sem cinto de segurança e com defeito nas rodas. A vítima sofreu lesões.

O incidente foi registrado em 2019. A decisão é do juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública de Marília e cabe recurso.

O CASO

A menina cadeirante, em razão da falta de cálcio ("raquitismo/prematura") estuda na EMEF Professor Nelson Gabaldi, localizada na Vila dos Comerciários II, zona oeste Marília.

Os autos da ação mencionam que a referida escola não adota medidas para garantir a segurança e incolumidade física dos alunos que lá estudam. Acrescenta que, em 16 de maio de 2019, aproximadamente às 8h, a mãe da aluna recebeu uma ligação de funcionários da EMEF no sentido de que teria ocorrido um imprevisto com sua filha no interior da escola e ela havia sido encaminhada ao Hospital das Clínicas de Marília.

A mãe da menina constatou que a mesma havia sofrido uma queda da cadeira de rodas, com fratura dos dois ossos do fêmur e perda considerável de sangue.

A queda ocorreu porque a cadeira de rodas não possui cinto de segurança e estava operando de forma defeituosa (uma das rodas estava "travando"), informação esta relatada pela cuidadora da menor, que estava com a mesma no dia do acidente.

Afirmando a ocorrência de responsabilidade civil administrativa, a mãe da menina postula a condenação da Municipalidade ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por danos materiais e morais, além de pensão mensal no valor de 3 salários mínimos, acrescida de férias e 13° salário, enquanto a autora viver.

A Prefeitura contestou a ação, alegando que a responsabilidade pelos cuidados com a criança era de uma empresa terceirizada que operava na escola.

O JUIZ DECIDIU

"Em que pese a circunstância de que o Município requerido havia contratado os serviços da empresa "Conviva", para fins de prestação de serviços de apoio a alunos com deficiência e/ou que apresentem limitações motoras, o certo é que a terceirização da prestação de serviço essencial ao ensino fundamental não ilide a responsabilidade por culpa in eligendo e in vigilando da Administração Pública municipal, nem tampouco a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37, §6º, da CF/88.

De outra banda, fica repelido o pedido de denunciação da lide, vez que, in casu, a pretensão formulada pela demandante relaciona-se à responsabilidade civil administrativa prevista no artigo 37, §6º, da CF/88, para cuja apuração prescinde-se da análise da culpa ou dolo da Administração Pública.

Em assim sendo, a intervenção de terceiros alargaria o escopo da demanda, com prejuízo da garantia de observância do prazo razoável de duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88).

Acrescente-se que nada obsta a que o ente público promova ação regressiva, em sede própria, em desfavor da empresa terceirizada "Conviva", demonstrando a caracterização de culpa e/ou dolo desta última... Tampouco se configura a inépcia da inicial, uma vez que o pedido de indenização por danos materiais é passível de liquidação no porvir, considerada a necessidade de custeio do tratamento médico de que, em tese, necessita a autora da ação. Vencidas as preliminares, passo ao exame do meritum causae.

O bem elaborado parecer ministerial, por sua acuidade jurídica, merece ser encampado por este juízo. Como corretamente observado pelo Parquet, restaram comprovados todos os elementos para a responsabilidade civil do Estado, a saber: a) dano material e/ou moral experimentado pela parte autora da ação; b) ação e/ou omissão da Administração Pública ou de quem lhe faça as vezes e c) nexo de causalidade entre os itens precedentes.

presente caso tais requisitos foram suficientemente demonstrados pelos documentos trazidos aos autos, impondo-se o reconhecimento da responsabilidade civil administrativa atribuída ao MUNICÍPIO DE MARÍLIA.

O dano, no caso sub judice, é incontroverso. Ademais, encontra comprovação no boletim de ocorrência, do qual se extrai o seguinte relato: "(...) informa a declarante T.G.B que sua filha M.I.B.P é cadeirante, nasceu com falta de cálcio que gerou o raquitismo. Sua filha estuda na EMEF Nelson Gabaldi, local dos fatos, 3º ano (período integral). No dia 16/05/2019, às 08h00, a declarante recebeu um telefonema da escola, sendo avisada que teria ocorrido um imprevisto com sua filha.

Pelo Hospital das Clínicas foi constatado que sua filha teve fratura nos dois fêmur, teve que passar por cirurgia e colocar fio de astes, devido a uma queda que sofreu da cadeira de rodas da escola. Foi constatado que, no momento da queda, a sua filha estava na cadeira de rodas, sem o cinto de segurança e também com as rodas "travadas".

A declarante deseja consignar que chegou a comunicar a Diretora da EMEF, e a Vice-Diretora, de que as cadeiras de rodas da escola não tinham cinto de segurança e que poderia causar algum acidente, sendo que nenhuma providência foi tomada de imediato.

Apresenta cópia de Relatório Médico Fisiatra da Rede de Reabilitação Lucy Montoro que M. tem diagnóstico de raquitismo. Quer consignar que sua filha iria começar a sua reabilitação em 17/05/2019 (cópia anexa), havendo "esperanças" que sua filha voltaria a andar. A sua filha está em tratamento em virtude das fraturas, não tendo mais qualquer previsão para o início de sua reabilitação".

Para além do B.O policial, há nos autos também o relatório e documentos médicos, bem como as fotografias. O caso foi, inclusive, encaminhado à Ouvidoria Geral do Município, para a tomada de providências no âmbito administrativo. Há nos autos, também, documento elaborado pela própria Municipalidade, dando conta do acidente ocorrido na EMEF referida na inicial, nos seguintes termos: "(...)

Vimos por meio deste comunicar Vossa Senhoria o ocorrido com a aluna M. na data de 16 de maio de 2019. A aluna supra citada está matriculada nesta Unidade Escolar desde o ano de 2017, onde ingressou no 1º ano e hoje frequenta o 3º ano. Desde sua matrícula inicial a criança frequenta o período integral (das 7h às 16h). M., pelo que tudo indica, é portadora de Raquitismo, e desde sua vinda à nossa Unidade Escolar faz uso de cadeira de rodas, é acompanhada pela Cuidadora, mesmo não sendo cadastrada como aluna NEEs, essa criança tem acompanhamento com cuidador desde a Educação Infantil. Também tem atendimento com professora do AEE que presta toda assistência para professora do regular e cuidadora.

Segundo relato da cuidadora, na data de hoje, 16 de maio de 2019, a mãe entregou a aluna para a cuidadora, a criança e passou para sua cadeira de rodas.

Após a despedida, a cuidadora conduziu a aluna até sua sala de aula. Pelo caminho a cadeira de rodas da aluna travou uma das rodinhas da frente e com o solavanco a mesma se deslocou do assento e veio à frente. Num reflexo rápido, a cuidadora pegou a criança pela blusa de frio, evitando um possível tombo. Imediatamente a direção solicitou socorro por meio do "193", que prontamente atendeu o chamado enviando uma viatura do "Resgate".

A direção tentou contato por telefone com a mãe, sem sucesso, então um servidor foi enviado à casa da mãe para tentar avisar dos fatos ocorridos. A direção avisou do ocorrido para a Secretaria da Educação por meio de ligação telefônica para a Supervisora Escolar.

A mãe se dirigiu à escola e acompanhou a filha no carro do "Resgate" juntamente com a auxiliar de direção. A criança fora encaminhada para o Hospital Materno Infantil, sendo transferida para o Hospital das Clínicas em seguida (...)".

Portanto, aqui, bem se vê que a dilação probatória é absolutamente desnecessária para o deslinde da causa, já que a própria Municipalidade admite o acidente narrado na inicial, ocorrido nas dependências de uma das unidades escolares sob sua administração.

Conquanto tenha afirmado que a cuidadora "evitou" o tombo da menina, ora autora da ação, o certo é que o ente público admite que, em razão do acidente ocorrido com o "travamento" da parte da frente da cadeira de rodas utilizada pela aluna, sobreveio um "solavanco", suficiente para que a M. fosse submetida a "resgate" e pronto socorro e intervenção médica.

A extensão das lesões pode ser verificada pelos documentos que acompanham a inicial. Veja-se que a cadeira de rodas defeituosa, que travou, de modo a propiciar o acidente, não era de propriedade de M., sendo que o uso foi cedido pela EMEF, conforme as declarações prestadas pela cuidadora, em termo juntado aos autos pela própria Municipalidade.

A servidora prestou declarações que, para o que importa para o deslinde da causa, corroboram o travamento da cadeira de rodas e o acidente que se seguiu.

Impossível crer que a menor já estivesse com os dois ossos do fêmur fraturados antes dos fatos, sendo que nas declarações prestadas pela cuidadora e demais servidoras no âmbito da Corregedoria Geral do Município não há qualquer menção a choro ou queixas de M. nesse sentido, quando foi deixada na escola por sua mãe.

Ficou evidente, portanto, o liame causal que uniu a negligência do Município de Marília ao evento danoso. Veja-se que o Município já era sabedor, antes mesmo da data dos fatos, mais precisamente em 11/04/2018, de que M. tinha ossos frágeis, tendo sido sugerida a adequação de sua cadeira de rodas (conforme o relatório de visita e observação).

Portanto, o ente público deveria ter redobrado os cuidados, de modo a debelar qualquer possibilidade de queda e efetivamente adequar a cadeira de rodas às necessidades especiais da aluna.

No entanto, a cadeira de rodas estava "travando", como relatado pela própria cuidadora, diretamente responsável pela menor. Com todas as vênias, parece-nos que o evento danoso poderia ter sido evitado, se acaso a Municipalidade tivesse efetivamente agido com a cautela, zelo e prudência que a situação exigia.

Nem se argumente pela contratação de empresa terceirizada ("Conviva"), porquanto, com relação a esta, incide a culpa in vigilando e in eligendo da Administração Pública Municipal.

Inequívoco, aqui, que o dano moral indenizável se configurou, tendo em vista a dor física e psíquica experimentada pela menor, em decorrência do acidente, bem como o difícil tratamento médico cirúrgico que se seguiu. Sendo assim, no exercício do prudente arbítrio judicial, à míngua de regramento específico para a matéria, fixo o valor da indenização reparatória por dano moral em 40 (quarenta) salários mínimos em vigor nesta data, montante que tenho por suficiente e adequado para, a um só tempo, desestimular a reiteração da omissão ilícita da Municipalidade requerida e evitar o enriquecimento indevido da parte autora da ação.

Considero, nesse sentido, que, já em 11/04/2018, conforme o relatório, mais de um ano antes do ocorrido, o Município já estava ciente de que a cadeira de rodas utilizada por M. demandava adequações e que os ossos da menina eram frágeis, o que deveria inspirar redobrados cuidados por parte dos cuidadores da aluna. O fato, portanto, era previsível e evitável, e disso o Município de Marília tinha ciência.

Para além disso, M. faz jus à indenização por danos materiais, consistentes nos custos incorridos para o pagamento das despesas necessárias a seu tratamento médico, em razão do acidente.

Afasto, apenas, a fixação do pensionamento postulado na inicial, porquanto não verificada a alegada redução da capacidade laborativa da autora. Com efeito, M. é menor impúbere, não trabalhava e, em razão de condição de saúde herdade desde o nascimento, sofria de raquitismo, sendo cadeirante. Descabe, assim, o pensionamento a título de lucro cessantes, considerada a expectativa de vida da demandante, pois do evento danoso não pode emergir posição jurídica mais vantajosa que aquela que a autora já dispunha antes do acidente.

Ante o exposto, na forma do que dispõe o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, e o faço tão somente para condenar o MUNICÍPIO DE MARÍLIA ao pagamento, em favor da autora da ação, de, cumulativamente: a) indenização por danos morais, no valor de 40 (quarenta) salários mínimos em vigor nesta data, com aplicação da taxa SELIC (artigo 3º da EC nº 113/2021) a partir da presente data (Súmula nº 362 do STJ) e b) indenização por danos materiais, consistente nas despesas experimentadas pela autora da ação (através de sua representante legal) com o tratamento médico necessário para sua convalescença, considerado o acidente referido na inicial, em montante a ser apurado na fase de liquidação, com atualização monetária.

Em razão da sucumbência, arcará o Município de Marília com o pagamento de honorários advocatícios, Marilia, 31 de março de 2025 - Walmir Idalêncio dos Santos Cruz".


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