Uma mãe, residente no Bairro Fragata em Marília, foi condenada pela Justiça Estadual após, segundo os autos, obrigar diariamente uma filha de 11 anos "a limpar a casa e cozinhar para a família, bem como assumir os cuidados básicos de sua irmã bebê (banhos, troca de fralda e alimentação), isso tudo, enquanto a denunciada se ausentava do lar".
CHINELOS E VASSOURADAS
Em depoimento no Fórum, a filha relatou "que teria sofrido algumas agressões de sua genitora, mencionando que foi no intuito de corrigí-los (filhos), pois davam trabalho". Afirmou ainda que "na ocasião foi teimosa e desrespeitou as ordens da sua mãe" e ainda que "nunca fez serviço pesado e forçado". Também declarou em interrogatório que a mãe "batia com chinelo e vassoura. Não deixava marcas".
CONDENAÇÃO
A mãe, que tem outros seis filhos menores, foi condenada e deverá cumprir pena de dois meses e vinte dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída pela multa de treze dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo federal vigente ao tempo do fato. A decisão é do juiz Fabiano da Silva Moreno, da 3ª Vara Criminal do Fórum de Marília e cabe recurso.
O CASO
A mãe, M.B.X, foi investigada pela Delegacia de Defesa da Mulher de Marília sob acusação de maus-tratos contra a filha adolescente. Após o inquérito, ela foi denunciada pelo promotor Lysâneas Santos Maciel, como incursa no artigo 136, §3º, do Código Penal (crime de maus-tratos e considera como ilícito a exposição da vida de pessoa (criança/adolescente/paciente/preso) sob a responsabilidade (autoridade/guarda/vigilância) do agressor, seja para ensino/educação ou tratamento/custódia, por privação de refeições ou cuidados essenciais). A denúncia do MP foi acatada pela Justiça.
A acusada não compareceu na audiência de instrução, debates e julgamentos no Fórum, sendo representada pelo defensor público, Bruno Bortolucci Baghim. A adolescente, S.C.X.F e testemunhas foram ouvidas na audiência.
Consta nos autos que "em data não totalmente delimitada, mas em meados de novembro de 2015, na Rua Manoel Santos Costa, em Marília, a denunciada expôs a perigo a saúde de pessoa sob sua guarda, para fins de educação, sujeitando-a a trabalho excessivo e inadequado, a vítima S.C.X.F.
Segundo apurado, a denunciada é genitora de S. a qual vinha sofrendo abusos constantes, sendo obrigada diariamente a limpar a casa e cozinhar para a família, bem como assumir os cuidados básicos de sua irmã bebê (banhos, troca de fralda e alimentação), isso tudo, enquanto a denunciada se ausentava do lar.
Consta que a vítima, bem como seus irmãos, sofriam agressões constantes por meio de chineladas, vassouradas e puxões de cabelo. Em uma oportunidade em que obrigada pela mãe a cozinhar, a vítima acabou sofrendo queimadura na mão esquerda com óleo quente enquanto cozinhava sozinha sem a supervisão de um adulto ou qualquer responsável.
O laudo pericial foi juntado, evidenciando a lesão sofrida por S. Boletim de ocorrência. Laudo pericial de lesão corporal. A denúncia foi recebida em 30/10/2017. A ré foi citada por edital. O curso processual bem como o prazo prescricional foram suspensos. Homologado o cálculos prescricional. Pessoalmente citada, a ré apresentou resposta à acusação.
Em audiência de instrução, debates e julgamento foi declarada a revelia da ré e designada nova data para oitiva das testemunhas ausentes. Nesta audiência foram colhidos as declarações da vítima S. e o depoimento da testemunha L. Finda a instrução, em debates, o Ministério Público pugnou pela procedência da ação nos termos da denúncia.
A douta Defesa, por sua vez, manifestou pela improcedência da ação. A vítima, ouvida em juízo, ao relatar que teria sofrido algumas agressões de sua genitora menciona que foi no intuito de corrigi-los pois davam trabalho. Assim, a prova não autoriza que se conclua pela ocorrência de excesso que possa caracterizar a ocorrência do delito descrito no artigo 136 do Código Penal, vez que não houve nenhuma exposição de perigo à vida ou à saúde. Portanto, apesar da conduta da acusada possa ser considerada reprovável em determinados momentos, ela não se amolda ao tipo penal. Subsidiariamente, em caso de condenação, seja fixada as penas mínimas com possibilidade de Sursis.
O JUIZ DECIDIU
"Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao julgamento do mérito. A materialidade do delito restou sobejamente comprovada por meio do boletim de ocorrência, laudo pericial de lesão corporal, bem como pelas demais produzidas em Juízo sob o crivo do contraditório e ampla defesa.
Passo à análise da autoria. Eis a prova oral colhida. A vítima S., ouvida em Juízo, disse que na época dos fatos morava com sua mãe e que atualmente já se resolveram.
Indagada sobre os fatos, disse que na ocasião foi teimosa e desrespeitou as ordens da sua mãe. Na época seus pais estavam separados. Quando seu pai descobriu que ela estava com queimaduras nas mãos, ele fez um boletim de ocorrência contra sua mãe. Disse que estava querendo fazer a comida e falou para sua mãe que iria fazer. Quando foi guardar a panela com óleo quente, acabou caindo tudo em suas mãos.
Falou pra sua mãe que tinha se queimado e ela disse para colocar água gelada. Indagada porque sua mãe não a levou ao médico disse que não tinha como ela levar por conta dos seus irmãos. A queimadura gerou bolha e infeccionou.
Perguntada se sua mãe exigia que fizesse os serviços de casa respondeu que ela pedia ajuda, mas não obrigava. Nunca fez serviço pesado e forçado. Atualmente a convivência está boa e depois desse episódio não teve mais briga. Tem seis irmãos: A. com 15 anos, G. com 12, G.com 9 anos, A. com 7, J. com 3 anos e N. com 2 anos. Seu pai trabalha e sua mãe cuida do lar. Indagada pelo membro do Parquet, disse que quando queimou as mãos sua mãe estava na pracinha perto de casa, mas que não se recorda muito bem. Também respondeu que na época sua genitora batia nos filhos para fins de correção. Ela batia com chinelo e vassoura. Não deixava marcas.
A testemunha L., ouvido em Juízo, disse que na época dos fatos já estava separado um bom tempo da denunciada e que ela detinha a guarda das crianças.
Em determinada data foi visitar sua filha e viu que ela estava com uma queimadura nas mãos e ficou chateado com M. Sua filha se queimou enquanto cozinhava.
Depois de um certo tempo a denunciada abandonou as crianças no Conselho Tutelar e a guarda das crianças foi passada para ele. Faz aproximadamente um ano que M. voltou morar com eles e atualmente vivem como marido e mulher.
Nega tenha havido qualquer outra situação que pudesse comprometer os cuidados de M. para com as crianças. Quando teve conhecimento da queimadura levou ela ao médico. Estava uma bolha e infeccionado. Não chegou perguntar porque M. não levou ela para atendimento. Atualmente a convivência familiar é harmônica.
A testemunha C., inquirida na fase inquisitiva, disse ser mãe de L., que tem cinco filhos com a ré. Ficou sabendo através de vizinhos que as crianças estavam sendo maltratadas e ficando sozinhas.
Certa vez ligaram para L. quase meia noite dizendo que as crianças estavam sozinhas. Os netos contavam que muitas vezes não tinham o que comer ou beber, só bolacha. Disse que a vítima S. contou que cozinhava, limpava a casa e ainda cuidava da irmã menor. Soube também que a ré batia nos filhos e bebia cerveja.
Pois bem. Ao cabo da instrução criminal restou amplamente demonstrada a responsabilidade da acusada pela prática dos delitos narrados na denúncia. Nesse sentido é firme e segura toda a prova deduzida, notadamente em juízo, sob o crivo do contraditório.
Após a colheita da prova oral, restaram sobejamente comprovada a materialidade e autoria delitiva do crime de maus tratos narrado na denúncia. O artigo 136 do Código Penal tipifica a conduta de “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”.
No caso dos autos, a vítima S. anunciou que certo tempo após os fatos voltou para o convívio da genitora e a família restabeleceu a união. Mencionou que na época prestou serviços espontaneamente e em uma das ocasiões acabou por queimar a mão com óleo.
Admitiu conforme aclarado em solo policial que quando da ocorrência dos fatos a genitora estava numa praça perto da residência. Disse também que anunciou à genitora o ocorrido e mesmo assim não lhe foi prestada assistência, não foi levada a um hospital.
Mencionou também que a mãe a agredia assim como os irmãos, batendo com chinelos e vassoura e que ela assim o fazia para fins de correção. Como se sabe, a caracterização do delito de maus tratos (art. 136 do CP) depende da presença do elemento subjetivo específico do tipo consistente na especial finalidade de maltratar o sujeito passivo, expondo-o a perigo de vida ou à saúde.
No caso dos autos, restou comprovado por meio oral produzida em Juízo que a acusada expôs a vida e saúde de sua filha S. em risco, que à época contava com apenas 11 anos de idade, ao permitir que ela assumisse a função de cozinhar sem qualquer supervisão de um adulto ou responsável e ainda manuseasse óleo quente.
Não bastasse, mesmo ciente das queimaduras sofridas pela vítima, não prestou a devida assistência e sequer a levou ao médico. E ainda conforme narrado pela vítima, quando da ocorrência dos fatos sua mãe estava na pracinha, enquanto ela, a vítima, estava em casa cozinhando, na companhia de seus irmãos menores.
O relato da vítima foi corroborado pelas declarações da testemunha L. o qual mencionou que em determinada data foi visitar sua filha e viu que ela estava com uma queimadura nas mãos e ficou chateado com M. Sua filha se queimou enquanto cozinhava.
Depois de um certo tempo a denunciada abandonou as crianças no Conselho Tutelar e guarda das crianças foi passada para ele. Há ainda o depoimento da testemunha C., a qual aclarou em solo policial que ficou sabendo através de vizinhos que as crianças estavam sendo maltratadas e por reiteradas vezes ficaram sozinhas. Disse ainda que certa vez telefonaram para L. por volta da meia noite para informar que as crianças estavam sozinhas.
E que a vítima S. lhe contou que cozinhava, limpava a casa e ainda cuidava da irmã menor. Conforme se observa, não se trata de comportamento de reduzido grau de reprovabilidade.
Ao contrário, a reprovabilidade do comportamento é acentuada, na medida em que a vítima é filha da acusada e menor de idade, estava a cozinhar sem nenhuma supervisão com apenas 11 anos de idade e ainda estava a cuidar de seus irmãos. Logo, era de se exigir da ré comportamento totalmente diverso diante da situação narrada nos autos.
O documento de fls. 18/19 confirma as lesões na vítima. Logo, havendo prova suficiente a comprovar a autoria e materialidade delitiva, bem como presente a tipicidade da conduta perpetrada, a condenação do réu nas penas do crime de maus-tratos é medida que se impõe.
Passo a dosar a pena, respeitado o sistema trifásico, estabelecido na Constituição Federal, e considerando as diretrizes estipuladas pelos arts. 59 e 60 do Código Penal. O crime de maus tratos previsto no artigo 136 do Código Penal é apenado com detenção de 02 (dois) a um ano ou multa.
Na primeira fase verifico que as circunstâncias judiciais são normais ao tipo penal. Assim, fixo a pena no mínimo legal em 02 meses de detenção. Na segunda fase, ausentes agravantes e atenuantes. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no artigo 136, § 3º, do Código Penal, pelo que aumento a pena em 1/3 (um terço), resultando em 02 (ois) meses e 20 (vinte) dias de detenção.
Em se tratando de ré primária e face ao quantum de pena privativa de liberdade aplicada, deverá esta ser inicialmente cumprida em regime aberto (art.33, §2º, alínea 'c', do CP).
Ademais, nos termos do artigo 60, § 2º do Código Penal, não sendo a pena privativa de liberdade superior a seis meses, bem como estando presentes os requisitos dos incisos II e III do artigo 44 do Código Penal, SUBSTITUO a pena de detenção de 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela multa substitutiva de 13 (treze) dias-multa.
Anoto, por fim, que os demais argumentos deduzidos pelas partes no processo não são capazes de infirmar a conclusão adotada no presente julgamento (art. 315, §2º do Código de Processo Penal). ]
Ante o exposto, com fundamento no artigo 387 do Código de Processo Penal, JULGO PROCEDENTE a pretensão condenatória formulada na denúncia, dando-a como incurso na sanção do artigo 136, §3º, do Código Penal, condenar a acusada M.B.X à pena de 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída pela multa de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo federal vigente ao tempo do fato.
Após o trânsito em julgado, confirmada a condenação, expeça-se o que for necessário ao integral cumprimento da presente sentença. P.I.C. Dou a presente sentença por publicada nesta audiência, saindo intimadas as partes presentes. Pelas partes foi dito que não desejam recorrer da sentença. NADA MAIS. Lido e achado conforme vai devidamente assinado. MM.Juiz: (assinatura digital)".
Comments