Uma moradora de Marília que implantou próteses mamárias de silicone apontadas posteriormente com riscos de causar câncer, deverá ser indenizada em R$ 26.627,00 pela empresa fornecedora do produto, a Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda. A justiça americana, inclusive, determinou a retirada do produto do mercado.
Além disso, a mulher possui condição genética que contribui demasiadamente para o desenvolvimento da enfermidade, inclusive com histórico familiar de câncer pela avó e pela mãe, aos 45 anos de idade.
Os valores das indenizações são R$ 16.627,00 por danos materiais e R$ 10 mil por danos morais e devem ser corrigidos e acrescidos de juros e correção monetária, a contar da data do orçamento ( 22.08.2019).
A decisão é da juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, da 1ª Vara Cível do Fórum de Marília e cabe recurso.
NOVA SENTENÇA
A juíza já havia sentenciado a ação em julho de 2020, conforme divulgado pelo JORNAL DO POVO à época, mas o Tribunal de Justiça anulou a sentença e mandou fazer perícias.
O CASO
Conforme os autos, C.C.S, ajuizou a ação contra a empresa alegando, em síntese, que em 8 de dezembro de 2017 submeteu-se a cirurgia plástica de implante de próteses mamárias de silicone (mamoplastia de aumento).
A prótese de silicone colocada foi da marca/modelo Allergan Natrelle Inspira TSX 400g (nº de série: 22068733/22202211), adquirida pelo valor de R$ 2.403,00.
Em julho de 2019, tomou conhecimento que a fabricante, Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda, havia anunciado o recall internacional de suas próteses de silicone texturizadas por estarem ligadas ao Linfoma Anaplásico de Células Grandes, isto é, ao câncer.
A ação foi motivada após a FDA (Autoridade Federal do Departamento de Saúde dos EUA) emitir relatório associando as referidas próteses ao risco seis vezes maiores de desenvolvimento da doença, recomendando ainda a retirada das próteses do mercado.
Não bastasse, a mulher possui condição genética que contribui demasiadamente para o desenvolvimento da enfermidade, inclusive com histórico familiar de câncer, o que lhe trouxe angústia diante da possibilidade de ser vitimada pela grave doença, razão pela qual impõe-se a urgente necessidade de cirurgia de troca dos implantes, cujo menor preço orçado foi de R$ 16.627,00.
Tais fatos, dada a necessidade de nova cirurgia e a possibilidade de contrair grave doença, causaram danos morais que merecem ser indenizados. A audiência de conciliação restou infrutífera.
DEFESA
A empresa contestou a ação. Defendeu a qualidade de seus produtos, mencionado o recolhimento voluntário de próteses mamárias em 24.07.2019, por precaução. Tal recolhimento teria ocorrido após anúncio de autoridades sanitárias americanas, acerca da incidência incomum de linfoma anaplásico de grandes células associados ao implante mamário (BIA-ALCL), fato que não corresponde ao reconhecimento de qualquer defeito nos produtos.
Sustentou que a possibilidade do desenvolvimento do linfoma constitui evento atrelado à própria natureza do produto, sendo do conhecimento da autora desde quando optou por realizar a mamoplastia de aumento. Também sustentou falta de prova da necessidade da substituição das próteses implantadas e que a autora optou pela realização do procedimento estético, assumindo eventuais riscos devidamente informados. Impugnou os documentos juntados pela autora em língua estrangeira, os quais não estão acompanhados de tradução juramentada. Enfim, pediu a improcedência da ação.
O processo foi sentenciado, porém o E. Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso de apelação interposto pela ré para a anular o julgado de primeiro grau, com a determinação de realização de prova pericial. Em decisão saneadora foi determinada a produção de prova pericial. O laudo pericial foi apresentado, sucedido por manifestação das partes.
A JUÍZA DECIDIU
"Pretende a autora impor à ré condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, respectivamente... É fato incontroverso que a autora se submeteu cirurgia para implante de próteses mamárias (mamoplastia de aumento), utilizando o produto da marca/modelo Allergan Natrelle Inspira TSX 400g. De igual modo, não há divergência quanto ao fato de que houve a retirada do produto de circulação no mercado em 24.07.2019, como medida preventiva. À época, a recomendação de recolhimento das próteses pela FDA, agência regulatória americana, encontrou respaldo na incidência incomum de linfoma anaplásico de grandes células associadas ao referido implante de mama (BIA-ALCL).
Diante da insurgência da ré quanto ao reconhecimento da necessidade de substituição das próteses já implantadas e também considerando o decidido no v. Acórdão, foi determinada a realização da perícia para melhor elucidação dos fatos. No laudo, o senhor perito concluiu: “Os documentos médicos legais nos permitem concluir existência de nexo de causalidade e temporalidade sob o implante mamário realizado pela requerente (Mamoplastia de aumento), procedimento realizado pelo médico cirurgião Dr. João Evaristo Puzzi Bono, na data do dia 08 de dezembro de 2017, nas dependências do hospital Santa Casa de Marília.
Importante observar que em 2019 a FDA dos EUA alegou sobre casos raros de (Linforma Anaplásico) grande célula, associado com as próteses mamárias texturizadas da (Allergan), este linfoma é um tipo raro de câncer que se desenvolve nas células linfáticas, ainda assim, os casos são raros e a FDA aconselha que as mulheres com próteses mamárias texturizadas da (Allergan) devem continuar a serem monitoradas de acordo com as recomendações do cirurgião plástico responsável.”
Outrossim, o perito destacou em sua conclusão a segurança das próteses mamárias e a inexistência de comprovação científica de que sua utilização pode implicar no aumento do risco de câncer de mama, no entanto, recomendou a necessidade de mais estudo para se alcançar o nível de evidência desejado.
É certo que, em relação às condições de saúde da autora, o perito declarou que não foi constatada evidências patológicas que impossibilitasse ou incapacitasse a periciada para o trabalho ou atos da vida civil, além do que no exame físico realizado durante a avaliação também não foi constatada nenhuma anormalidade. Em resposta aos quesitos, formulado pela autora, esclareceu que o desenvolvimento do câncer está associado com a superfície texturizada da prótese, sendo que a fabricada pela ré apresenta risco seis vezes maior em comparação com as demais marcas existentes no mercado. No quesito seguinte, justificou que na França a agência nacional solicitou aos fabricantes que fizessem testes de biocompatibilidade com os implantes mamários texturizados e após o resultado, vetou o uso do material. Ainda em resposta a quesito apresentado pela autora, o senhor perito ponderou que o linfoma anaplástico pode-se desenvolver de forma assintomática até no estágio final do desenvolvimento.
Em que pese o esforço argumentativo do assistente técnico da ré sustentando que o produto não apresenta defeito, tampouco risco à saúde da autora, é fato que o laudo pericial não foi conclusivo quanto à inexistência de relação entre o desenvolvimento da doença e o uso do produto.
Tanto isso é verdade que em vários trechos do laudo foi consignado que há necessidade de melhor estudo investigativo para opinar sobre a relação da doença com o uso do produto. Ainda que a autora tivesse ciência do risco, após ter realizado o procedimento cirúrgico foi também surpreendida pela decisão da retirada do produto do mercado, o que ocorreu em diversos países. Note-se que a proibição se manteve na França que exigiu estudo de biocompatibilidade e, após o resultado, determinou-se a retirada do produto do mercado. Destaca-se ainda que em trecho da manifestação do assistente técnico é citado estudo recente “conferência mundial de consenso sobre o BIA-ALCL (2022)” em que consta a informação de quinhentos e onze casos confirmados e prevalência de 1:11.297, indicando que ainda não foi definida a causa para doença. Também nos estudos citados pelo assistente técnico da ré foi indicado que havia risco de morte em decorrência do implante mamário na proporção 1 para cada 50.000 e de desenvolver a doença de um para cada 30.000.
Portanto, a despeito da linha argumentativa da defesa, deve-se reconhecer que o uso do produto representa risco, ainda que mínimo, para o desenvolvimento do câncer. Outro ponto que merece destaque no laudo pericial é a orientação para que as pessoas que receberam os implantes de produto da mesma marca utilizada pela autora devem continuar a serem monitoradas de acordo com as recomendações do cirurgião plástico responsável. A tudo isso se adiciona as condições pessoais da autora, o que aumenta o risco de desenvolver a enfermidade, levando-se em conta o seu histórico familiar e ancestralidade. O relatório médico dá conta de que a autora teria histórico familiar de câncer de mama da avó, bem como o desenvolvimento da mesma doença em sua mãe, aos 45 anos. A ancestralidade judaica também contemplaria maior frequência de mutações genéticas, associadas ao risco de câncer de mama e ovário. Diante disso, deve-se considerar que o contexto de provas é conclusivo no sentido de que o produto implantado na autora pode causar danos à saúde com desenvolvimento do câncer, circunstância com a qual não deve ser obrigada a conviver. Se a autora, consumidora, tinha ciência quanto ao risco, mais ainda o teria o fabricante ou fornecedor, que não poderia colocar em risco a vida e integridade alheia, disponibilizando produto no mercado que não se reveste da segurança necessária para garantia de saúde de seus usuários.
Ora, aquilo que o próprio fabricante assume em dado momento não prestar ao fim a que se destina, sem causar graves riscos, recomendando voluntariamente sua destruição, pela mesma razão não deve permanecer implantado no corpo da autora. Nos termos da norma consumerista, o produto é considerado defeituoso, de acordo com o § 1° do artigo 12 do CDC, quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam. É exatamente o caso dos autos, eis que a prótese implantada na autora oferece risco a sua saúde e a sua própria vida...
Dessa forma, impõe-se reconhecer a responsabilidade civil da ré em custear a retirada do produto do corpo da autora, no intuito de preservar sua saúde. O artigo.12 do CDC estabelece que: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”
No caso em tela, obviamente que os transtornos causados geraram aborrecimentos e abalo moral indenizável, eis que dizem respeito à própria integridade física e à vida da autora, que se viu diante de um grave risco, ainda pendente de ser resolvido. E assim é, haja vista ainda depender de futura cirurgia para retirada e substituição de prótese mamária, sujeita aos riscos que o procedimento cirúrgico proporciona, envolvendo anestésicos, internação hospitalar, dor, recuperação etc. Diante disso, certa a obrigação de indenizar pelo dano não patrimonial, resta quantificar o valor da indenização..julgo procedente a presente ação movida por C.C.S contra ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA para o fim de:
1-CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos materiais de R$ 16.627,00, acrescidos de correção monetária, a contar da data do orçamento ( 22.08.2019), e juros moratórios legais, a partir da citação;
2- CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos morais à autora, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescidos de correção monetária, a contar desta decisão, e de juros moratórios a contar da citação. Sucumbente, CONDENO a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios da parte adversa que fixo em 18% do valor total da condenação".
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