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  • Foto do escritor J. POVO- MARÍLIA

Mulher que teve pé amputado em erro médico deve receber R$ 150 mil de indenização, pensão e prótese


Uma paciente que teve um pé e tornozelo amputados por erro médico, em Marília, deverá receber R$ 150 mil por danos morais e pensão vitalícia de um salário mínimo mensal, além de uma prótese no local da amputação.

A decisão é do juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública, em processo iniciado em 2013 e cabe recurso.

Conforme os autos, a faxineira Luzia dos Santos, no dia 19 de outubro 2013, procurou atendimento médico com queixas de dor e formigamento na perna e pé esquerdo. Naquela ocasião, foi medicada e, após a realização de alguns exames, transferida para atendimento pela equipe cardiovascular do Hospital das Clínicas.

Chegando no Hospital, a autora foi diagnosticada como sendo portadora de um êmbolo na artéria da perna esquerda, que teria de ser removido através de procedimento cirúrgico de cateterismo.

O procedimento foi agendado para o dia seguinte. Luzia se submeteu ao procedimento e, em 22 de outubro de 2013, recebeu alta médica. Passados sete dias, ela retornou ao hospital para consulta de rotina e, naquela ocasião, foi atendida por outro médico, que lhe informou que sua perna estava em perfeito estado e que a mesma podia voltar a trabalhar.

Luzia sentia-se bem e em plenas condições de retornar a sua rotina diária. Ocorre que, alguns dias depois, recebeu uma ligação do Hospital das Clínicas, tendo sido informada de que o médico que havia conduzido o procedimento de cateterismo gostaria de lhe ver. A paciente voltou ao hospital e foi atendida por uma outra médica (Dra. Laís Missae), a qual, após examiná-la, concluiu que a demandante deveria passar por outro procedimento de cateterismo para desobstrução da artéria femoral.

A nova cirurgia foi realizada no dia 12 de novembro 2013, após o que a autora passou a sentir fortes dores no pé esquerdo. Notou, também, que seu pé estava bastante arroxeado e inchado. Passados muitos dias e, com a piora do quadro de saúde, recebeu a notícia de que seria necessária a amputação dos dedos de seu pé esquerdo.

Após alta médica, Luzia retornou ao HC em 28 de novembro de 2013, com queixa de dispneia súbita, tendo sido diagnosticada como sendo portadora de pneumonia hospitalar. Foi, então, transferida para internação no Hospital Universitário, onde ficou constatado que a alegada "pneumonia hospitalar" era, na verdade, uma embolia pulmonar.

Para a infelicidade da autora, foi necessário novo procedimento médico cirúrgico para a amputação total de seu pé esquerdo e tornozelo, o que ocorreu em 10 de dezembro de 2013.

Sustentando a ocorrência de erro médico, Luzia postula a condenação do ente público ao pagamento de indenização reparatória por danos materiais e morais, impondo-se ao HC/FAMEMA a obrigação de arcar com os custos para colocação de uma prótese no local da amputação, em valor a ser definido em fase de liquidação.

Por força de uma decisão já transitada em julgado, foi determinada a exclusão, do polo passivo do processo, profissionais da área médica que atenderam a parte autora da ação, remanescendo como réu, neste feito, apenas o HC/FAMEMA, e abrindo-se a possibilidade de apuração de responsabilidade civil individual dos médicos em sede própria, por meio de ação autônoma.

Após citação, o HC/FAMEMA apresentou contestação, pela improcedência da demanda,

O JUIZ DECIDIU

"A procedência da demanda exsurge como imperativo de justiça... É bem verdade que o teor do laudo médico elaborado perante o IMESC, autarquia vinculada à Administração Pública indireta do Estado de São Paulo, tal como o HC/FAMEMA requerido, afasta, em princípio, a ocorrência de erro médico. Peço vênia para transcrever, nesse sentido, a conclusão constante: "Não há evidências de falhas técnicas operatórias ou da condução do caso. A reoclusão de enxertos arteriais dos membros inferiores é complicação frequente, ocorrendo mesmo mantidas as melhores práticas operatórias". Ocorre que também consta da prova técnica que "no que se refere à oclusão tardia do enxerto, deve ser tratada somente se os sintomas do paciente forem graves ou suficientes para garantir a intervenção; no entanto, é de boa prática o monitoramento e seguimento pós-operatório dos pacientes revascularizados a fim de detectar causas removíveis de tromboses tardias, como estenoses (...)" . De maneira que, com todas as vênias, nos parece inadmissível a concessão de alta médica da paciente autora da ação sem que os profissionais de saúde que a atenderam pudessem descartar o risco de novo evento trombovenoso, ainda que após a intervenção cirúrgica (cateterismo) a que havia sido submetida a Sra. Luzia dos Santos.

Para além da alta médica precoce, nos parece igualmente inaceitável o não acompanhamento médico rigoroso do caso, de sorte a evitar as trágicas, indeléveis e irreversíveis sequelas do ocorrido, como a amputação total do pé e tornozelo esquerdos da demandante.

Necessário, assim, que o caso trazido a juízo seja examinado com o grau de sensibilidade e empatia que a situação requer, sobretudo porque os contornos da demanda extravasam o conteúdo puramente econômico. Nenhum valor em dinheiro, frise-se bem, devolverá à parte autora o membro amputado.

O conteúdo da prova pericial, a nosso sentir, deixa claro que "A reoclusão de enxertos arteriais dos membros inferiores é complicação frequente, ocorrendo mesmo mantidas as melhores práticas operatórias", tendo o Sr. Perito atestado que o tabagismo e o uso de anticoncepcionais pela parte autora favoreceram a complicação pós-cirúrgica de que foi vítima a Sra. Luzia dos Santos.

De maneira que, sendo previsível a complicação que ceifou de forma irreversível o pé e tornozelo esquerdos da parte autora, era necessário que o HC/FAMEMA autorizasse a alta médica da requerente de forma segura, apenas quando o risco de novo evento trombovenoso tivesse sido definitivamente descartado.

Também era imprescindível que o ente público requerido acompanhasse o caso de perto mesmo após a alta médica, por meio de consultas intervaladas, o que, lamentavelmente, não ocorreu.

Não há, nos autos, comprovação, por meio de exames de imagens e/ou laudo médico, após o procedimento cirúrgico (cateterismo) inicial, no sentido de que o sistema circulatório da parte autora, notadamente no que diz respeito a seus membros inferiores, estava desobstruído.

Ademais, é relevante registrar que, após lhe ter sido concedida alta médica, com orientação para retorno a suas atividades habituais e laborativas, a autora da ação recebeu chamada telefônica do HC/FAMEMA, comunicando-lhe que esta deveria retornar àquele nosocômio, quando, então, foi indicado novo procedimento cirúrgico.

Nos parece evidente, aqui, que houve erro médico por parte do HC/FAMEMA, se não no(s) procedimento(s) de cateterismo em si, na falta de acompanhamento cuidadoso do caso, na ausência de consultas criteriosas no pós-cirúrgico e, principalmente, na(s) alta(s) médica(s) precoce(s).

Faltaram, com todas as vênias, o cuidado, a atenção e o respeito para com a parcela mais humilde e carente da população, em que se insere a autora da ação.

Infelizmente para a Sra. Luzia, a desídia do HC/FAMEMA lhe custou a perda de membro, com o comprometimento irremediável de suas atividades laborativas, sobretudo se considerarmos que a demandante, como demonstram os documentos que acompanham a inicial, trabalhava como auxiliar de limpeza, o que lhe proporcionava renda modesta.

A prova oral colhida em juízo converge nesse sentido. A testemunha C., disse que conhecia a autora da ação há 10/15 anos antes da data da cirurgia. Esclareceu que a autora da ação trabalhava com depilação e "com faxina". Disse, ainda, que costumava sair com a Sra. Luzia aos finais de semana (como, por exemplo, no "Tênis Clube"), sendo que a demandante gostava muito de dançar e tinha uma vida normal.

Falou, também, que Luzia estava normal no fim de semana que antecedeu sua internação no HC/FAMEMA. Ficou sabendo da internação através do que a irmã da autora lhe falou. Visitou Luzia no hospital e a autora relatou à testemunha que estava bem, mas "com o pé gelado". Após a amputação do pé e tornozelo esquerdos, Luzia entrou em depressão profunda, pois não se conformava com o que lhe havia acontecido. Atualmente, Luzia perdeu o interesse por bailes e "perdeu o gosto pela vida". Para Luzia e para as pessoas que faziam parte de seu círculo de convivência, o "baque" foi grande. C. também afirmou que Luzia não se adaptou à prótese.

José Antônio Cotrim Júnior, médico, disse que foi Luzia internada com quadro de isquemia de membro inferior e, após avaliação, foi solicitada uma tomografia, sendo necessária uma revascularização de membro.

Esclareceu que a autora possuía uma artéria obstruída, sendo necessário um enxerto para que a vascularização do membro ocorresse novamente. A testemunha também afirmou que todo quadro de isquemia (trombose) é grave, com impedimento do fluxo sanguíneo.

Esclareceu o médico que não foi responsável pelo atendimento inicial da autora e que, quando atendeu Luzia, esta já havia perdido parte de seu pé. Esclareceu que "refez" o enxerto anterior, que estava obstruído. Não se recordou se Luzia reclamava de dores no pulmão, mas afirmou se lembrar, vagamente, que havia suspeita de pneumonia, segundo diagnóstico inicial, sendo que o quadro, em verdade, era de evolução de embolia pulmonar.

A testemunha também afirmou que, após o procedimento de enxerto, ocorreu a revascularização do membro, mas houve uma nova oclusão do enxerto, tendo o quadro evoluído para a perda do pé e tornozelo esquerdos...

A circunstância está a indicar a ocorrência de erro médico. Segundo a testemunha M., teria efetivamente ocorrido um erro, segundo lhe informou um médico (de cujo nome a testemunha não conseguiu se recordar) que atendeu posteriormente Luzia no hospital universitário (ABHU).

Também é relevante reprisar que a extensa documentação médica trazida aos autos não indica ter sido realizado exame pós-cirúrgico junto ao HC/FAMEMA, para certificar a inocorrência de nova obstrução circulatória no membro inferior esquerdo da parte autora.

O HC/FAMEMA não fez qualquer referência a esse respeito em sua contestação. E tampouco há menção a exames pós-cirúrgicos no laudo pericial.

Bem se vê, portanto, que a prova dos autos converge para a configuração do erro médico, do qual decorre a responsabilidade civil administrativa atribuída ao HC /FAMEMA...

O dano moral nos parece evidente no caso sub judice, tendo em vista a perda do pé e tornozelo esquerdos da parte autora, com comprometimento de sua qualidade de vida, de sua alegria de viver e de sua capacidade laborativa, como esclareceram as testemunhas ouvidas no curso da instrução...

Isto posto, na forma do que dispõe o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, o que faço para o fim de condenar o HC/FAMEMA, em caráter cumulativo:

a) o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), com atualização monetária...

b) o pagamento de pensão mensal e vitalícia em favor da parte autora da ação, no valor de 1 (um) salário mínimo em vigor à época da quitação, a partir da data da amputação do pé e tornozelo esquerdos ...

c) a arcar com os custos para colocação de uma prótese no local da amputação do pé e tornozelo esquerdos da autora da ação, em valor a ser definido em fase de liquidação.

P.R.I.C. Marilia, 21 de junho de 2022 Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, juiz de direito".

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