O juiz Paulo Gustavo Ferrari, da 2ª Vara Criminal do Fórum de Marília, pronunciou ao Tribunal do Júri um rapaz acusado de espancar a ex-sogra.
Conforme os autos, Gabriel Fernando dos Santos, de 20 anos, foi denunciado por tentativa de feminicídio (Artigo 121, §2º, II e IV e §2º-A, I, c.c. artigo 14, II, todos do Código Penal) porque na madrugada do dia 4 de março deste ano, por volta das 3h, no cruzamento da Rua América com a Rua Lazarino Casadei, Bairro Palmital, zona norte de Marília, por motivo fútil, tentou matar sua ex-sogra, Vanessa Corrêa Rossato, de 32 anos, por razões da condição de sexo feminino (violência doméstica e familiar), causando-lhe graves ferimentos, conforme laudos dos exames de corpo de delito.
O homicídio só não foi consumando por circunstâncias alheias à sua vontade. Houve a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e o réu segue preso. Caso condenado, ele poderá pegar até 20 anos de reclusão em regime fechado.
DEFESA
A Defesa do acusado pontuou a fragilidade probatória quanto às versões da vítima e das testemunhas, bem como quanto ao dolo do réu. Requereu a desclassificação para o crime de lesão corporal, conforme artigo 129, 1º, inciso II, e parágrafo 4º, do Código Penal. Em caso de pronúncia, postulou pela revogação da prisão cautelar com a estipulação de medidas cautelares alternativas.
O JUIZ DECIDIU
"Ante as provas coligidas durante a fase instrutória, reforçadas pelos elementos de informação colhidos na fase policial, impõe-se a pronúncia do réu, porque presentes os requisitos do artigo 413 do Código de Processo Penal. A existência material do crime de homicídio qualificado tentado, este cometido em 4/3/2023, é comprovada pelo auto de prisão em flagrante delito, boletim de ocorrência, laudo de exame de corpo de delito e laudo complementar, relatório final da D. Autoridade Policial e pela prova oral colhida em juízo. Há indícios suficientes da autoria imputada ao réu.
A vítima Vanessa declarou que na data dos fatos estava em um bar, no qual também estava o réu Gabriel, na companhia de uma mulher que ela conhecia como “Lena”. Ele aparentava ter bebido bastante.
Ele disse que estava sentido a falta da mãe e a chamou para sair do bar para que pudessem conversar. Ela aceitou e eles saíram andando na direção da casa dele.
Em certo momento, sem nenhum motivo, o réu passou a agredi-la com chutes e socos principalmente no rosto. Ela caiu no chão e ele continuou a agredi-la, com xingamentos e dizendo que ela tinha feito a filha “pedir pensão”.
As agressões foram tantas que ela ficou desacordada em vários momentos. A pessoa chamada Lena estava com o réu e dizia para ele parar de agredi-la. Após uma das perdas de consciência ela acordou no hospital, mas não sabe quem a socorreu.
Em razão das agressões ele teve várias fraturas e coágulos. Ficou internada por aproximadamente uma semana.
A testemunha Yuri Nunes de Oliveira, policial militar, declarou que na data dos fatos foi acionado para atender uma ocorrência de agressão, em que a vítima era irmã de um policial militar.
Ele se deslocou ao local dos fatos, mas a vítima já havia sido socorrida. Ela foi encaminhada aos Hospital das Clínicas e estava em estado grave. Obtiveram a informação da residência do réu e foram conversar com ele.
Fizeram um cerco na casa e viram uma pessoa pulando o muro do fundo da casa. Perderam o contato visual, mas alguns minutos depois encontraram com o réu em uma viela. Ele disse que se chamava Luiz e tinha 12 anos.
DISCUSSÃO SOBRE PENSÃO
A informante L. declarou que é “mãe de criação” do réu. Ele tem uma filha com a filha da vítima. Na data dos fatos, ela voltava de uma festa quando viu o réu em um bar. Ela parou para conversar com ele, que disse que pagaria uma cerveja para ela. Algum tempo depois, apareceu a vítima e chamou o réu para conversar. Eles passaram a discutir sobre a pensão devida para a filha. A discussão começou a “engrossar' e ela foi até eles e chamou o réu para ir embora.
A vítima os acompanhou e passou a xingá-lo. A vítima o pegou pela garganta e o chamou de pilantra. Ele então deu um murro nela. Ela caiu e o réu deu chutes na cabeça dela. A informante o retirou do local e recolheu os pertences da vítima. Ela viu a vítima se sentar e imaginou que ela estava bem.
FICOU NERVOSO
O réu Gabriel Fernando dos Santos, interrogado, declarou que na data dos fatos estava em uma lanchonete com amigos e quando ia embora passou em um bar e decidiu parar. A vítima já estava no local e, minutos depois, a sua mãe de criação, chegou. Ele disse que iria pagar uma cerveja para ela. Enquanto eles conversavam a vítima veio perguntar se ele iria pagar a pensão alimentícia. Eles começaram a discutir e ela pegou no pescoço dele. Ele não gostou e tentou ir embora, mas a vítima veio atrás dele xingando-o. Eles pararam e a vítima desferiu um tapa no rosto dele. Ele ficou nervoso e desferiu um soco no rosto da vítima. Ele também desferiu chutes que atingiram o rosto e face da vítima.
LAUDOS
O laudo pericial atesta que a vítima apresentava “hematoma e edema extenso periorbicular direita e esquerda associado a hiperemia conjuntival `a esquerda; desvio nasal; hematomas extensos e difusos em membros superiores; hematoma em região glútea direita e esquerda e também em face lateral terço superior de coxas; hematoma em região lombar esquerda; escoriações em região frontal esquerda e em couro cabeludo; hematoma extenso em região retroauricular esquerda.”.
Já o laudo complementar assim descreve: “concluo que o periciando apresenta lesões corporais de natureza GRAVE pelo perigo de vida ocasionado pelas lesões Neurológicas já referidas e fraturas faciais, salvo complicações adicionais a serem constatadas em exame complementar a critério da autoridade”.
PRONÚNCIA
Como se vê, há provas de que a vítima foi violentamente agredida e sofreu lesões corporais graves, bem como há indícios de que o réu seja o autor das referidas lesões. Logo, existem elementos suficientes para a pronúncia do réu. Outrossim, é suficiente este contexto probatório para autorizar, ao menos neste momento processual, o reconhecimento do animus necandi do acusado, sem prejuízo de sua reapreciação pelo Conselho de Sentença, pois apenas elementos que revelassem absoluta ausência do dolo permitiriam provimento de impronúncia.
A tese defensiva de insuficiência e fragilidade de provas não restou comprovada de maneira inequívoca, de modo que não pode ser acolhida nesta fase processual, não sendo possível a absolvição sumária ou a impronúncia, sendo mais acertado deixar ao Tribunal do Júri que conheça com mais profundidade as teses sustentadas pela defesa e julgue o crime que é de sua competência.
Especificamente quanto à desclassificação para o delito de lesão corporal pretendida pela Defesa, o exame da tese também compete ao Plenário do Júri. A esse respeito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu que: "embora o art. 419 do Código de Processo Penal autorize que o juiz se convença da existência de crime diverso e possa desclassificar a conduta para outro delito, tal decisão somente poderá ser adotada ante a certeza de que a conduta praticada configura outro delito. Caso contrário, havendo dúvidas quanto à tese defensiva, caberá ao Tribunal do Júri dirimi-la. (...) O exame da desclassificação da conduta deverá ser realizado pela Corte Popular, juiz natural da causa, pois demandará minuciosa análise da conduta o réu, para concluir pela existência ou não do animus necandi (...)”- AgRg no REsp 1128806/SP, Rel.Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., Dje 26/6/2015. Destarte, existindo a demonstração da materialidade delitiva e os indícios de autoria já descritos e considerando que na fase de pronúncia o juiz julga apenas a admissibilidade ou não da acusação, deve o Tribunal do Júri da Comarca julgar e apreciar, em cognição plena, as provas produzidas. As qualificadoras de ser o delito de tentativa de homicídio cometido por motivo fútil, com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima e contra mulher por razões da condição de sexo feminino, envolvendo violência doméstica e familiar, por sua vez, devem ser mantidas, pois bem descritas na denúncia e fundadas nas declarações da vítima, nos depoimentos das testemunhas e nos laudos de lesão corporal, não se afigurando abusivas ou desarrazoadas, diante dos elementos até o momento amealhados aos autos. Dessa forma, não havendo evidências suficientes para a absolvição sumária ou mesmo para a impronúncia, mostra-se de rigor a pronúncia do acusado, observando-se que, neste momento processual, vige o princípio in dubio pro societate, cabendo a análise dos fatos pelo Tribunal do Júri.
pronuncio o réu Gabriel Fernando dos Santos, como incurso no artigo 121, §2º, II e IV e §2º-A, I, c.c. artigo 14, II, ambos do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri desta Comarca. Por fim, ressalto que o réu está respondendo a este processo preso (prisão em flagrante convertida em preventiva) e, pelo que se depreende dos autos, ainda estão presentes os requisitos para a manutenção da prisão. Trata-se de crime contra a vida que ameaça a tranquilidade social, pelo que deve ser mantida a prisão cautelar, com vistas a preservar a ordem pública, mormente diante de elementos que embasam nesta fase a pronúncia do acusado. Ademais, não houve alteração fática ou jurídica superveniente que justifique a concessão da liberdade provisória. Destarte, mantenho a prisão preventiva do réu, que não poderá recorrer desta sentença em liberdade".
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