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  • Foto do escritor J. POVO- MARÍLIA

Toffoli suspende decreto de Bolsonaro que cria salas e escolas especiais para crianças autistas



O ministro mariliense Dias Toffoli (que tem um irmão com autismo) decidiu suspender um decreto de Jair Bolsonaro que prevê a criação de salas e escolas especiais para crianças com deficiências e transtornos globais de desenvolvimento, como autismo e superdotação.

Na avaliação do ministro, o paradigma da educação inclusiva “é o resultado de um processo de conquistas sociais que afastaram a ideia de vivência segregada das pessoas com deficiência ou necessidades especiais para inseri-las no contexto da comunidade”.

“É de se ressaltar a absoluta prioridade a ser concedida à educação inclusiva, não cabendo ao Poder Público recorrer aos institutos das classes e escolas especializadas para furtar-se às providências de inclusão educacional de todos os estudantes.”


Nova política de educação especial propõe separação de alunos. Crianças passarão a estudar em escolas e salas especiais. Especialistas e professores debatem que o decreto representa um retrocesso para a inclusão. A nova política traz a ideia de especialização e exclusividade, algo abandonado há quase 20 anos

A inclusão de alunos portadores de deficiência é um desafio que escolas, pais e as próprias crianças enfrentam diariamente. É necessário ter um espaço adequado, profissionais capacitados, além do pensamento de que esses estudantes têm direito à educação como qualquer outro. Após anos de luta para garantia da inclusão, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, publicado nesta quinta-feira (1º/10), tornando pública a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que incentiva a segregação de estudantes com deficiência. Especialistas que convivem com a realidade refletem que a nova medida é um passo atrás nas conquistas que pautam a inclusão.

Decreto presidencial assinado por Jair Bolsonaro no dia 01/20/20 incentiva salas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, e superdotação. O documento está sendo considerado um retrocesso nas políticas de inclusão no País e discriminatório porque abriria brechas para que as escolas passassem a não aceitar alunos com essas características. Entidades e parlamentares já se movimentam para tentar barrar a medida.

“Muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns”, disse o ministro da Educação, Milton Ribeiro no lançamento ontem da Política Nacional de Educação Especial, que teve presença do presidente e da primeira-dama Michelle Bolsonaro – fluente na Língua Brasileira de Sinais e que se apresenta como defensora dos direitos das pessoas com deficiência. O decreto prevê recursos para redes públicas que quiserem adotar políticas e também para entidades, como Apaes, institutos para surdos e outras, que ofereçam educação especial.

Atualmente, cerca de 90% dos estudantes com deficiência ou transtornos do desenvolvimento estudam em escolas regulares no Brasil, um número que vem crescendo desde 2008 quando houve a política de inclusão. Desde então, instituições para atendimentos especiais perderam recursos do governo.

Especialistas dizem que há problemas ainda na inclusão, mas que o foco dos recursos do governo deveria ser o de formar melhor os profissionais e dar mais estrutura para esse atendimento nas escolas regulares, em vez de separar as crianças. Os alunos, no entanto, nunca deixaram de poder estarem matriculados também em serviços especiais.

O País também é signatário de convenções internacionais de direitos das pessoas com deficiência que defendem a inclusão como benefício tanto para elas como para criar uma sociedade mais justa e que saiba conviver com a diferença. “Em uma sociedade moderna, isso é inconcebível, é querer separar pessoas em caixinhas. Temos que trabalhar nas barreiras que impedem essa pessoa de ter acesso e participação no mundo e não em acentuar suas diferenças”, diz a coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), da Unicamp, Maria Teresa Mantoan, sobre o decreto. Para ela, o governo está voltando o País aos anos 90 com políticas como essa. “Os pais dessas crianças não estariam matriculando em massa nas escolas comuns se não fosse bom para elas.”

Segundo nota divulgada pelo laboratório, o decreto pretende que sejam “ofuscados ou esquecidos os ganhos obtidos pelos alunos que, em razão da inclusão escolar, puderam seguir trajetórias de vida jamais imaginadas no tempo em que eram vigentes no país a concepção que agora o governo federal busca desenterrar”. O Leped e outras entidades da sociedade civil estão se organizando para entrar na Justiça contra a medida. Em seu twitter, a deputada deferal Maria do Rosário (PT-RS) também informou que ingressou com um projeto para tentar barrar o decreto do executivo.

“Quando a gente pensa que está caminhando vem esse retrocesso enorme”, afirma a coordenadora de advocacy do Instituto Rodrigo Mendes, Luiza Correa. A entidade sem fins lucrativos defende a educação inclusiva para pessoas com deficiência. Para ela, o governo “perverte” o conceito de inclusão ao dizer que ela acontece em salas segregada com recursos especiais. “É uma incoêrencia falar (no decreto) que vai preparar melhor o estudante para a vida e, ao mesmo tempo, estimular a discriminação. Como ele vai aprender a viver em sociedade depois de adulto?” questiona.

Para ela, o governo deveria estar enviando dinheiro para as escolas para ter piso tátil, rampas e formação de professores com didática para lidar com crianças com defiências. “O decreto abre margem para que a escola encaminhe alunos para as instituições em vez de atendê-lo”.

“Numa sociedade em que as pessoas são diferentes, é preciso que essas diferenças estejam em convívio e possam alimentar umas às outras”, diz o jornalista Cassiano Elek, pai de Ulisses, de 3 anos, que tem Síndrome de Down. Para ele, o decreto é uma atrocidade. “É inimaginável pensar que eu, como pai, não deva lutar para que meu filho possa conviver com os perfis mais variados, é um estímulo vital para ele. Ao conviver com pessoas que tenham mais facilidade para executar tarefas x ou y, ele é estimulado, tem possibilidade de se espelhar em outras crianças”.

Procurada, a assessoria de Imprensa do Ministério da Educação (MEC) não retornou o pedido do Estadão para responder às críticas. Em seu site, o MEC informa que o objetivo da política é “dar mais flexibilidade aos sistemas de ensino, na oferta de alternativas como: classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes.”

Para o professor do departamento de química da Universidade de Brasília (UnB) Gerson Mól, 56 anos, o decreto fere a Constituição Federal no que se refere à garantia da inclusão. “Ele tira a obrigação da escola ser inclusiva, colocando a família para escolher onde quer que o filho estude e isso não é inclusão”, alerta o professor que trabalha há 15 anos com pesquisas de pós-graduação sobre educação inclusiva. Apesar de ser uma escolha familiar, não é uma decisão da instituição de ensino, pois é proibido negar matrícula para aluno PcD.

A especialista Luiza Corrêa, 34, do Instituto Rodrigo Mendes também observa a inconstitucionalidade do decreto, além do fato de que a medida representa um atraso de 30 anos na luta da educação inclusiva. Ela acredita que a interação entre crianças com deficiência com as demais auxilia no processo de aprendizagem. “Já está comprovada em diversas pesquisas que a qualidade da educação no ambiente da inclusão é melhor”, ressalta a coordenadora de advocacy do instituto.

Corrêa é responsável por produzir dados, informações e conhecimento que apoiem o avanço da educação inclusiva no país e garantir que essas informações sirvam para uma melhoria nas políticas públicas relacionadas à educação inclusiva. “Temos 90% de alunos com deficiência incluídos na escola regular, e o decreto vem na contra mão”, acrescenta a especialista. Para Luiza, as condições de ensino educacionais são melhores no contexto de interação entre colegas: “Uma das missões da escola é preparar os estudantes para viver em sociedade”.

Conviver com a diferença

A importância da convivência entre crianças portadoras e as outras que não têm nenhuma deficiência se dá na possibilidade de aprender com as diferenças e se preparar para a vida em sociedade. O professor Gerson Mól diz que as pessoas só são o que são pelo convívio social. “A gente vai se formando nessa convivência diária e a escola tem um papel fundamental para isso”, reflete o doutor em educação.

ara o professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo Douglas Ferrari, integrar é importante, mas além disso é preciso mediar a convivência entre professor, colegas e escola. “As mediações sociais são muito importantes. Na minha vida é o que me trouxe até aqui. Ter referências na família, ajuda de colegas e na universidade”, conta o doutor em educação que é deficiente visual.

Além disso, ele assegura a necessidade da mediação para gerar consequências positivas para a sociedade. “Esse contato com o outro ‘diferente’ é importante para ele e para aquela pessoa sem deficiência. Futuramente, nós teremos melhores médicos, melhores biológicos, melhores cientistas e melhores professores, porque tiveram contato com pessoa com deficiência”, reforça o professor da UFES.

Para Gerson Mól, o decreto representa um passo atrás na luta dos deficientes, porque não se afasta as crianças umas das outras, mas sim cria-se condições para inclusão. “Ele (o aluno PcD) pode até estar em um espaço que não favoreça, mas não se pode retirá-lo. A gente precisa ir lá e reajustar esse espaço para a efetiva inclusão desse aluno”, conclui.

O que poderia ser feito

As principais ações que os especialistas comentam para melhorar a questão da educação inclusiva é a capacitação de professores e a implementação de infraestrutura mais acessível nas escolas. Outros pontos são a elaboração de diretrizes pedagógicas para direcionar os professores, que precisam de orientação.

A proposta da PNEE é investir em instituições públicas e entidades como Apaes que quiserem adotar a política. Contudo, para os especialistas, o recurso precisa ir para as escolas regulares, pois muitas não têm estrutura para proporcionar a inclusão.“O que o governo precisava fazer é que ele investisse nos processos e não que desse um passo atrás”, reitera o professor da UnB. “Todos têm o direito de viver de forma plural.”

O professor da UFES e deficiente visual Douglas Ferrari informa que entidades desfavoráveis ao decreto se mobilizam para combater e revogar a medida. A Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (Ampid) publicou nota de repúdio, com os argumentos de que a PNEE fere a Constituição e os direitos dos deficientes, como também representa um recuo às conquistas na educação inclusiva.

Medida enfrenta críticas de diversos setores e Congresso apresenta medidas para derrubar a medida de Bolsonaro

A nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE) enfrenta críticas de especialistas por adotar mecanismos de exclusão de alunos portadores de deficiência. No Congresso, deputados apresentaram diversos projetos para derrubar a medida de Bolsonaro. Pelo menos 3 propostas foram apresentadas por parlamentares.

Autora de um dos projetos, a bancada do PSOL avalia que a norma do governo Bolsonaro “promove a segregação no sistema educacional brasileiro do público-alvo da educação especial, ignorando os avanços obtidos por meio da inclusão massiva desses estudantes ocorrida na última década. ”Ainda, para o PSOL, o decreto do governo ainda “favorece a alocação de recursos públicos em instituições privadas, terceirizando o que é dever do poder público e prejudicando a necessária – e urgente – ampliação dos investimentos na escola pública”. Outra proposta foi apresentada por deputados do PT, consideram “grave” a medida, ainda, sem contar com a participação do Congresso, argumentando que “a nova política traz a ideia de especialização e exclusividade, algo abandonado há quase 20 anos”.

“São mudanças que necessitam de amadurecimento e participação da população, professores, educadores, comunidade médica e acadêmica”, acrescentaram os parlamentares. Mas, na contramão do que indicam os especialistas e os avanços dos últimos anos em inclusão escolar, o governo alegou que “muitos estudantes” não estão sendo “beneficiados” com a inclusão “em classes comuns”.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a política do governo é um grave “retrocesso para a educação inclusiva”. “A discussão não versa sobre um direito de ‘escolha’, mas sim, em especial, acerca da garantia dos direitos da pessoa com deficiência no sistema educacional, da ampliação da acessibilidade e das adaptações para a permanência em qualquer instituição de ensino e do cumprimento de normas constitucionais e infraconstitucionais.”



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