A auxiliar de limpeza Kelly Cristiane Canto Campos, de 43 anos, acusada de tentar matar a filha Isabelly Canto Campos , de 18 anos, com golpe de faca na barriga , na zona sul de Marília, foi pronunciada ao Tribunal do Júri. Ela estava presa desde o dia do crime, 3 de novembro do ano passado, na Penitenciária de Pirajuí e foi solta após a decisão do juiz Fabiano da Silva Moreno, da 3ª Vara Criminal do Fórum de Marília.
O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em face de Kelly Cristiane Canto Campos, por crime de tentativa de homicídio.
O magistrado decidiu: "Pronuncio parcialmente a acusada Kelly Cristiane Canto Campos, para que seja submetida a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursa nos artigos 121, § 2º, II, c/c 14, II, ambos do Código Penal. Por ora, não se lance o nome da pronunciada no rol dos culpados, tendo em vista a presunção constitucional de inocência. Em tempo, observo que a ré é primária, sem maus antecedentes, com residência no distrito da culpa. Não vislumbro mais presente o requisito do periculum libertatis, não se justificando sua manutenção no cárcere. Frise-se que para a prisão processual é imprescindível o periculum libertatis, evidenciado nas quatro hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal, que entendo não estarem mais presentes no caso concreto. Assim sendo, revogo a prisão preventiva de Kelly e concedo liberdade provisória, com imposição das seguintes medidas cautelares: comparecimento mensal e obrigatório a Juízo para justificar suas atividades; proibição de se ausentar dos limites da Comarca por mais de oito dias, sem prévia autorização; obrigação de comparecer a todos os atos do processo, sempre que intimado e comunicar eventual mudança de endereço, telefone e endereço de e-mail; proibição de aproximação da vítima Isabelly Canto Campos e da testemunha A.C.C, no espaço mínimo de 200 metros; e proibição de ingressar no imóvel que está sendo utilizado como residência da vítima, tudo sob pena de revogação do benefício, termos e moldes dos artigos 282 e 319, do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura clausulado. Deverá a sentenciada ser advertida expressamente, por ocasião de sua soltura, das medidas cautelares ora aplicadas, bem como que seu descumprimento poderá acarretar a decretação da sua prisão preventiva"
O CASO
Consta no inquérito policial que, no dia 3 de novembro de 2024, por volta das 20h, na Rua Marino Casadei, Nova Marília, a acusada, impelida por motivo fútil e com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, tentou matar sua filha Isabelly Canto Campos, conforme laudo de exame de corpo de delito. Só não consumando seu intento por circunstâncias alheias a sua vontade.
Segundo se apurou, Kelly – pessoa descontrolada e agressiva - é mãe de Isabelly. No dia fatos, após a intervenção de Isabelly no conflito estabelecido entre a acusada uma filha - irmã da vítima -, em reação absolutamente desproporcional a causa, a denunciada, inicialmente tentou atirar o óleo de uma frigideira em Isabelly, mas foi obstada por esta.
Não contente, Kelly muniu-se de uma faca e, colhendo Isabelly de inopino – pois sem razões próximas ou remotas para esperar ataque de tamanha monta – golpeou-a na barriga, logo abaixo do umbigo, região sabidamente vital.
Na sequência, ainda perseguiu a vítima que buscou refugiar-se no quarto e conter o ferimento e renovou contra elas investidas, chegando a arremessar-lhe a faca, porém, felizmente, acertando a parede.
Imediatamente Isabelly foi socorrida e conduzida aos nosocômio por uma amiga, onde atualmente ficou internada, sem previsão de alta. O crime só não se consumou por circunstâncias alheias a vontade da indigitada, principalmente na agilidade da vítima em se esquivar dos golpes, busca refúgio e pelo pronto e eficaz socorro médico a ela dispensado. Kelly foi presa em flagrante e teve a prisão em flagrante da averiguada em prisão preventiva.
Foi designada audiência de instrução, debates e julgamento para o dia 25/03/2025. Realizada audiência, foram colhidos as declarações da vítima Isabelly e os depoimentos de testemunhas, bem como a ré Kelly foi interrogada.
Ainda, foi indeferido o pedido de revogação da prisão preventiva imposta à ré. Em 16/02/2025 foi indeferida medida liminar em Habeas Corpus impetrado perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça.
O Ministério Público, em alegações finais, requereu a parcial procedência da ação penal, com a desclassificação da imputação original e a condenação da ré como incursa no artigo 129, § 1º, I e II e artigo 132, caput, na forma do artigo 69, caput, todos do Código Penal.
No tocante à dosimetria da pena, verificou que a acusada é primária e não possui maus antecedentes, razão pela qual pleiteou a fixação da pena-base no mínimo legal.
Entretanto, presentes as circunstâncias agravantes do artigo 61, II, a, e e f, do Código Penal, bem como o cúmulo material. Por fim, requereu a fixação do regime inicial aberto, diante do tempo de prisão provisória já cumprido, nos termos do artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal. Ainda, pleiteou o direito de a ré recorrer em liberdade.
A defesa, em alegações finais, requereu o reconhecimento da legítima defesa, devendo a acusada ser absolvida sumariamente, com fulcro nos artigos 415, IV, do Código de Processo Penal c/c 23, III, do Código Penal, sustentando que a ré usou de meios moderados que tinha a sua disposição para conter a injusta agressão sofrida, conduta que tão logo foi cessada, após um único golpe.
Subsidiariamente, caso não seja esse o entendimento, pleiteou a desclassificação para o delito de lesão corporal, com fundamento nos artigos 419 do Código de Processo Penal, c/c artigo 129, § 1º, II do Código Penal, argumentando que a incidência do inciso I, não há de se prosperar, tendo em vista que a incapacidade por mais de 30 dias, conforme narrado pela própria vítima, decorreu da cirurgia de apendicite que os médicos aproveitaram para fazer, e não da lesão sofrida. Ainda, afirmou que não há nenhuma prova nos autos demonstrando que o ato de jogar a faca na parede tenha colocado a vida de alguém em perigo concreto e eminente.
Para à dosimetria da pena em caso de desclassificação para o delito de lesão corporal, na primeira fase, pleiteou a fixação da pena base no mínimo legal.
Na segunda fase, observou que as circunstâncias agravantes de coabitação e de descendência devem ser compensadas com a circunstância atenuante da confissão espontânea, mantendo-se a pena no mínimo legal. Na terceira fase, não vislumbrou causas de aumento ou diminuição de pena. Ao final, requereu a fixação do regime inicial aberto, diante do tempo de prisão provisória. Pleiteou, ainda, pelo direito da ré em recorrer em liberdade.
O JUIZ DECIDIU
"Inicialmente, observo que não é caso de absolvição sumária da ré pela ocorrência da excludente de ilicitude da legítima defesa. Em que pese a argumentação do combativo Dr. Defensor, tenho que não é possível o reconhecimento dessa excludente nesta seara processual, isto porque, para que seja possível a absolvição sumária pelo reconhecimento da ocorrência da legítima defesa, é necessário que reste demonstrada, de maneira incontroversa, a sua ocorrência.
Estabelece o artigo 413, § 1º, do Código de Processo Penal que a sentença de pronúncia “limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”, enquanto para que seja possível a absolvição sumária, em razão do reconhecimento da legítima defesa, é necessário juízo de certeza, uma vez que estabelece o inciso IV do artigo 415 do Código de Processo Penal a necessidade da demonstração da causa excludente de ilicitude...
Assim, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao julgamento do mérito. Trata-se de ação penal pública incondicionada em que pleiteou, inicialmente, o Ministério Público a pronúncia e posterior condenação da ré Kelly Cristiane Canto Campos, qualificada nos autos, pela prática de delito de homicídio qualificado tentado (artigos 121, § 2º, II e IV, c/c 14, II, ambos do Código Penal).
Sabe-se que a presente fase envolve mero juízo de admissibilidade, importando neste momento o exame de únicas questões, quais sejam, a existência do crime, que deve ser certo e estar comprovado de forma estreme de dúvida, e de indícios da autoria, que envolve análise de mera probabilidade do agente ser o autor do crime.
A materialidade do delito restou devidamente demonstrada no auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, laudo de lesão corporal... que concluiu que a vítima sofreu "lesões corporais de natureza GRAVE pelo perigo de vida ocasionado por lesões que necessitou de pronta intervenção cirúrgica e incapacidade para ocupações habituais por mais de 30 dias".
Passo à análise da autoria. Eis a prova oral colhida. A vítima Isabelly Canto Campos, em Juízo, informou que era um domingo qualquer, estava junto de sua irmã e uma amiga, fumando narguilé no quarto, e sua mãe estava bebendo cerveja na sala.
Em um determinado momento, um amigo chamou sua irmã na frente da residência para ela buscar um carregador. Sua irmã saiu do quarto e foi quando escutaram o prato caindo, no caso, sua mãe jogou o prato na sua irmã, não sabendo o motivo.
Até então, passou, sua irmã entrou de novo no quarto e na hora que ela entrou, sua mãe a chamou e mandou limpar o prato que tinha caído no chão, mas sua mãe já estava um pouquinho alterada, brigando com sua irmã.
Sua irmã foi para os fundos e sua mãe também foi, e não sabe o que aconteceu entre elas, só sabe que sua irmã lhe gritou, falando Isabelly, vêm aqui.
Na hora que chegou na cozinha, sua mãe estava agarrada no cabelo de sua irmã, batendo nela. Foi e entrou no meio para tentar separar a briga. Deu um empurrão em sua mãe, que foi parar perto do fogão, onde estava fritando um ovo e tentou jogar a gordura do ovo na Declarante, só que conseguiu segurar a mão dela e derrubar.
Na hora que derrubou, sua mãe pegou a faca e bateu a faca no seu estômago. Logo depois falou para ela ah você é louca, e começou a brigar com sua mãe, momento que ela olhou em sua cara e falou você acha que eu não sou louca de te matar não?, e arremessou a faca na Declarante, momento que a faca bateu na parede e nem sabe mais o que aconteceu. Foi e chamou sua amiga, que ainda estava no quarto, falou o que tinha acontecido e que era para levá-la ao médico.
Correram para fora e, com toda essa muvuca, sua irmã ficou dentro de casa, e quando notou que sua irmã não estava lá fora, entrou em casa de novo e as duas estavam no chão da sala se batendo.
Ajudou sua irmã a se soltar, inclusive deu até um chute na sua mãe, que soltou sua irmã e conseguiram correr. Sua mãe sempre foi um pouco alterada, principalmente depois que misturava bebida, só que se tratavam bem.
Já aconteceram alguns episódios, mas nunca achou que iria chegar nesse extremo. Já aconteceram muitas coisas ruins, tipo jogar comida, quebrar prato, quebrar celular, sempre acontecia. Uma vez, sua mãe estava bêbada, foi na louça da cozinha e começou a quebrar todos os pratos, mas não chegava a arremessar nelas, mas quebrava tudo.
Teve uma vez que estava dormindo com o celular embaixo do travesseiro, ela entrou no quarto, pegou o celular, começou a bater com seu celular na parede, quebrando todo seu celular.
Já aconteceu de Kelly apagar um cigarro na sua cara. Já aconteceu de sua mãe comprar marmita e jogar toda a comida no chão. Nesses episódios, Kelly estava sobre o efeito de bebida. Pelo que sabe, sua mãe não usa entorpecente.
Quando empurrou sua mãe para próximo do fogão, ela pegou a frigideira para jogar o óleo quente na sua cara, o ovo estava quase frito, tanto que pingou no seu braço e ficou uma "manchinha". Quando sua mãe ia fazer o movimento de jogar, conseguiu segurar a mão dela e abaixar, e ai caiu tudo em cima do fogão.
Sua mãe já passou a outra mão na louça e já deu a facada que pegou na sua barriga. Depois desse golpe, a faca ficou na mão dela enquanto a faca estava na sua barriga, tirou o corpo para trás e a faca continuou na mão de sua mãe.
Nessa hora, se afastou, ficou frente a frente, falou que ela era louca, a xingando. Então sua mãe pegou, olhando na sua cara, e falou você acha que eu não sou louca de te matar? E jogou a faca, que pegou na parede do seu lado e caiu no chão. Depois disso, foi para o quarto pediu para sua amiga levá-la no médico.
Kelly não chegou a ir atrás delas. O fato foi que depois que já estava do lado de fora da casa, viu que sua irmã não estava do lado de fora, voltou para dentro da residência e elas estavam lá, no chão, se batendo. Ajudou sua irmã a se soltar, na hora que se soltou conseguiram correr, mas, depois disso, Kelly foi com o carro atrás delas.
Tem muito medo se Kelly sair da prisão, porque nunca imaginou que iria passar por essa situação com a sua mãe. Não voltaria a morar com sua mãe. No caso, não teve problema de comportamento onde sua mãe foi e chamou sua atenção, na verdade, só foi para cima por causa da sua irmã. O problema de sua mãe ali, no momento, foi com sua irmã, ela estava agarrada no cabelo de sua irmã, então, naquele instante, o problema não foi com a Declarante, não sabe se teve alguma desavença entre elas, porém foi tudo muito rápido. Teme por sua vida, por sua integridade física, e também pela integridade física de sua irmã, quando sua mãe sair da cadeia. Já tem medidas protetivas contra sua mãe.
Esclareceu que no momento que sua mãe tentou jogar a gordura na Declarante, chegou a cair uma, duas gostas de óleo no seu braço, e sua mãe que estava com a frigideira na mão, não se queimou, caiu tudo em cima do fogão. Depois da facada, ficou frente a frente com sua mãe em questão de segundos, foi o tempo de reação. Informou que faz uso de bebidas alcoólicas eventualmente.
No dia dos fatos estava no quarto fumando narguilé, nega que tinha fumado maconha naquele dia. Sua mãe não deixa usar drogas dentro de casa, mas o narguilé ela deixa. Não é que sua mãe não admitiu, ela aceitava que fumava maconha, mas não gostava que consumia dentro de casa. Há muito tempo, já teve uma discussão com sua mãe sobre isso, onde ela pegou as coisas que a Declarante tinha e jogou fora. Não usava droga antes do seu pai falecer. Está morando sozinha na casa que aconteceu os fatos. A guarda de sua irmã está com sua tia, que é madrinha dela.
Se mantém com o dinheiro do seu próprio trabalho, e agora vai começar a receber a pensão do seu pai. O cartão que sua mãe tinha em casa foi o pessoal que pegou, deve estar com seu avô.
Informou que sua mãe estava do seu lado e o golpe foi de frente, ficou em questão de segundos com a faca dentro da Declarante, a qual tirou o corpo e saiu andando.
O momento que a faca ficou na barriga, a faca ainda ficou na mão dela, tirou o corpo e a faca continuou na mão dela, tanto é que depois que estava à frente dela, foi a hora que jogou a faca e bateu na parede. Acredita que sua mãe poderia ter dado mais facadas.
Diante da lesão, passou por cirurgia, na verdade pegou no músculo, mas tiveram que abrir para ver se não feriu por dentro, mas nenhum órgão foi ferido. A lesão foi em uma profundidade de um dedo, pois no médico, eles colocavam o dedo dentro do buraco e entrou um dedo inteiro. Ficou internada dois ou três dias. Não ficou com sequelas, somente a cicatriz.
Os médicos aproveitaram que já estava aberto e viram que o apêndice poderia inflamar e acabou tirando o apêndice, mas abriu por conta da faca, não tinha nenhum problema de apendicite. Sua irmã tem 16 anos. Morava apenas com sua irmã e sua mãe. K que mantinha a casa, fazia uns três meses que ela estava trabalhando e recebiam a pensão de morte de seu pai. Pretende continuar morando sozinha.
Sua mãe sempre foi uma pessoa agressiva, mas nunca chegou a bater com nada, puxava cabelo, já aconteceu de queimá-la com cigarro, jogar objeto, mas com a faca nunca tinha acontecido. Não depende financeiramente de sua mãe.
A ré Kelly, interrogada em Juízo, relatou que estava na cozinha fazendo janta, e as meninas estavam no quarto fumando narguilé, quando sentiu um cheiro forte de que elas estavam fumando maconha dentro do quarto. Quando abriu a porta, a Isabelly estava com a maconha na mão e a repreendeu, falando que não queria que sua filha usasse droga, para pelo menos não fazer isso perto dela, para respeitá-la.
As meninas foram para cima dela, batendo e agredindo, pois elas são maiores que a interrogada. As duas foram para cima lhe batendo, caiu no chão da cozinha e no que levantou, pegou a faca no impulso e passou na barriga da Isabelly, ainda pegou a faca com a mão direita, sendo que é canhota. Pegou a faca no reflexo para se livrar do acontecido, que elas estavam muito violentas.
Não é a primeira vez que suas filhas são violentas com a Interrogada, depois que o pai delas faleceu, elas sempre foram violentas. Pegou o carro para pedir ajuda, viu que tinha atingido a sua filha, viu o sangue e correu para salvar, para pedir ajuda para sua filha. Pegou o carro e foi parar na casa de sua tia, que é o lugar mais próximo da sua casa, pois parou no meio do caminho para ligar para o SAMU para acudir sua filha, mas viu que não tinha pego o celular, e quando voltou, a polícia já estava na frente de sua casa. Suas filhas estavam agressivas, nunca foi a intenção de feri-las, muito menos de matar sua filha. Tinha ingerido bebidas alcoólicas no sábado, mas não bebeu no domingo. Esclareceu que bateu a mão na frigideira que estava no fogo e acabou voando na suas filhas, mas foi sem querer, não teve intenção.
Não agrediu suas filhas de maneira alguma, pegou a faca no impulso, no reflexo, para suas filhas saírem de cima dela, pois elas estavam a agredindo. Não tem problemas de saúde, nem físico ou mental. Faz uso do medicamento Centralina para a ansiedade. Confirmou que na data dos fatos não havia ingerido bebida alcoólica. Negou ter arremessado a faca depois de ter atingido a Isabelly na barriga. Afirmou que suas duas filhas estão mentindo
Pois bem! Para o presente caso, importa observar se estão presentes os requisitos do artigo 413 do Código de Processo Penal: Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Vale dizer que, de acordo com o procedimento aplicável, a análise das provas é feita de forma superficial com a finalidade de não invadir competência do Tribunal Popular, vigorando, pois, o princípio do in dubio pro societate. Logo, havendo ao menos indícios de autoria e prova da materialidade, a pronúncia é medida de imposição...
Assim, incumbe à defesa, na fase judicium acusationis, demonstrar irrefutavelmente suas alegações, para ver reconhecida causa excludente de ilicitude, desclassificação da conduta ou, ainda, não haver indício da autoria do delito, para que se viabilize a impronúncia.
In casu, após exame das provas periciais, documentais e orais, respeitado o entendimento do DD. Promotor de Justiça oficiante, existem elementos para a pronúncia da acusada.
Relativamente aos indícios de autoria, até aqui, têm-se que as provas orais colhidas durante a fase policial e na audiência de instrução, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, denotam a necessidade da pronúncia da ré. Segundo se apurou, Kelly por motivo fútil, tentou matar sua filha Isabelly Canto Campos...
A vítima Isabelly Canto Campos, ouvida em Juízo, explicou que Kelly estava brigando com sua irmã e, em determinado momento, a irmã a chamou, sendo que "na hora que chegou na cozinha, sua mãe estava agarrada no cabelo de sua irmã, batendo nela.
Foi e entrou no meio para tentar separar a briga. Deu um empurrão em sua mãe, que foi parar perto do fogão, onde estava fritando um ovo e tentou jogar a gordura do ovo na Declarante, só que conseguiu segurar a mão dela e derrubar. Na hora que derrubou, sua mãe pegou a faca e bateu a faca no seu estômago. Logo depois falou para ela ah você é louca, e começou a brigar com sua mãe, momento que ela olhou em sua cara e falou você acha que eu não sou louca de te matar não?, e arremessou a faca na Declarante, momento que a faca bateu na parede e nem sabe mais o que aconteceu". Indagada em Juízo, Isabelly explicou que, quando inicialmente empurrou sua mãe, no intuito de defender sua irmã, ela acabou caindo perto do fogão, onde estava fritando um ovo, sendo que "ela pegou a frigideira para jogar o óleo quente na sua cara, o ovo estava quase frito, tanto que pingou no seu braço e ficou uma "manchinha".
Quando sua mãe ia fazer o movimento de jogar, conseguiu segurar a mão dela e abaixar, e ai caiu tudo em cima do fogão", no entanto, na sequência, Kelly "já passou a outra mão na louça e já deu a facada que pegou na sua barriga. Depois desse golpe, a faca ficou na mão dela enquanto a faca estava na sua barriga, tirou o corpo para trás e a faca continuou na mão de sua mãe". Percebendo que havia sido atingida, Isabelly, então, se afastou de sua mãe e "ficou frente a frente, falou que ela era louca, a xingando. Então sua mãe pegou, olhando na sua cara, e falou você acha que eu não sou louca de te matar? e jogou a faca, que pegou na parede do seu lado e caiu no chão"...
Destarte e respeitados os elevados entendimentos em sentido contrário, PRONUNCIO PARCIALMENTE a acusada KELLY CRISTIANE CANTO CAMPOS, já qualificada nos autos, para que seja submetida a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursa nos artigos 121, § 2º, II, c/c 14, II, ambos do Código Penal. Por ora, não se lance o nome da pronunciada no rol dos culpados, tendo emvista a presunção constitucional de inocência. Em tempo, observo que a ré é primária, sem maus antecedentes, com
residência no distrito da culpa. Não vislumbro mais presente o requisito do periculumlibertatis, não se justificando sua manutenção no cárcere. Frise-se que para a prisão processual é imprescindível o periculum libertatis, evidenciado nas quatro hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal, que entendo não estarem mais presentes no caso concreto.
Assim sendo, REVOGO a prisão preventiva de KELLY CRISTIANE CANTO CAMPOS, qualificada nos autos, e CONCEDO liberdade provisória, com imposição das seguintes medidas cautelares: comparecimento mensal e obrigatório a Juízo para justificar suas atividades; proibição de se ausentar dos limites da Comarca por mais de oito dias, sem prévia autorização; obrigação de comparecer a todos os atos do processo, sempre que intimado e comunicar eventual mudança de endereço, telefone e endereço de e-mail; proibição de aproximação da vítima Isabelly Canto Campos e da testemunha A.C.C, no espaço mínimo de 200 (duzentos) metros; e proibição de ingressar no imóvel que está sendo utilizado como residência da vítima, tudo sob pena de revogação do benefício, termos e moldes dos artigos 282 e 319, do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura clausulado. Deverá a sentenciada ser advertida expressamente, por ocasião de sua soltura, das medidas cautelares ora aplicadas, bem como que seu descumprimento poderá acarretar a decretação da sua prisão preventiva. Publique-se. Intimem-se. Preclusa a decisão de pronúncia, encaminhe-se o processo ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri, nos termos do art. 421 do Código de Processo Penal".
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