Cliente que ofendeu o garçom/caixa de um bar noturno localizado na Avenida República, chamando o profissional de "viadinho, bicha", em razão de sua orientação sexual, foi condenado a 2 anos de detenção e teve a pena convertida em prestação de serviços pelo mesmo período, além do pagamento de 3 salários mínimos à entidade assistencial e multa de cerca de R$ 500. A decisão é do juiz Fabiano da Silva Moreno, da 3ª Vara Criminal do Fórum de Marília e cabe recurso.
O CASO
Conforme os autos, o cliente, P.L.F.T, no dia 9 de março de 2023, por volta da 1h, no injuriou o garçom N.C.N, ofendendo-lhe a dignidade. Segundo o apurado, a vítima, garçom, estava trabalhando no caixa do referido bar, quando o acusado ali chegou após o encerramento das vendas e pediu uma garrafa de cerveja para outro funcionário.
Como N. estava fechando o caixa, pediu para que o garçom W.C.S da Silva fosse cobrar pela cerveja diretamente com o denunciado. Ao ser cobrado, o cliente se dirigiu ao caixa e começou a ofendê-lo aos gritos, dizendo “esse viado não me deixa tomar nem uma cerveja em paz, seu bicha”, “você é um viado, é um f.d.p”.
Em razão do constrangimento sofrido, N. não conseguiu continuar seu turno de trabalho e, posteriormente, pediu demissão.
O Ministério Público sustentou que o contexto em que foram proferidas as expressões injuriosas evidencia o dolo na conduta do denunciado, representado pela vontade de depreciar a honra da vítima com a utilização de elementos atinentes à orientação sexual.
DEPOIMENTO
A vítima declarou em juízo que se recorda que esse fato aconteceu em uma quinta-feira. O bar fechava à meia noite em ponto. O cliente chegou assim que o caixa estava encerrando, solicitou uma bebida para um dos garçons que estava na noite e o garçom forneceu a bebida.
Só que as vendas já tinham sido encerradas na noite, então solicitou que o garçom, após alguns minutos, fosse receber o valor, porque estavam encerrando o caixa. Ao cobrá-lo ele falou que precisava ir ao banheiro. E foi.
Pediu ao garçom que, quando ele retornasse, falasse novamente com ele. Ao retornar, P. falou para o garçom "esse viado, desgraçado, não deixa nem eu beber em paz", isso num tom bem alto.
O caixa se sentiu humilhado, saiu do caixa e foi falar com ele. Acabaram discutindo. O ofendido disse que no momento, não foi a palavra em si que machucou, foi a questão de o bar estar cheio e ter sido humilhado na frente de todo mundo. Não estava fazendo nada de errado, estava em seu trabalho, saiu para conversar com ele e no momento acabaram discutindo.
O caixa relatou que teve uma ocorrência antes, de uma outra falta de respeito, mas já tinha perdoado e o cliente tinha voltado a frequentar o bar. Frequentou na Copa do Mundo, conversaram, atendia a mesa dele e isso aconteceu logo depois.
Na ocasião que motivou a ação judicial, foi uma discussão verbal. Quando questionou o cliente, pediu que ele repetisse, porque não estava acreditando no que tinha ouvido, e ele repetiu.
Então falou para ele que isso era crime de homofobia, ele simplesmente riu de sua cara, debochou. Disse que ia chamar a polícia e tudo mais e ele continuou debochando de sua cara e continuaram discutindo. Logo depois, perdeu a paciência e foi embora, virou as costas, pegou suas coisas, deixou seu uniforme e foi embora. Nessa noite, pediu demissão ao seu patrão porque foi muito forte e não queria mais pisar os pés no bar. Deixou seu uniforme e ficou um bom tempo afastado do bar, acredita que uma semana.
E seu patrão continuou tentando ter contato com ele, para pedir desculpas em nome do bar. Depois ele retomou contato, conversaram e tudo se acertou então voltou a trabalhar, mas não como antes, sempre se sentindo inseguro dentro do estabelecimento.
DEPOIMENTO DO ACUSADO
O réu, interrogado em Juízo, disse que, naquela noite, estava dentro do barzinho. Costumeiramente, como sempre fez, para tomar uma cerveja no bar. Conhece todo mundo lá, e, no que entrou no estabelecimento, na calçada, o garçom veio servi-lo, então pediu uma cerveja. Ele trouxe, colocou no copo, começou a tomar e foi ao banheiro. Quando voltou, o garçom falou que teria que acertar no caixa, porque estava fechando. Questionou, porque ele não tinha avisado nada. Isso que aconteceu, porque se ele fala que o caixa estaria fechando, não tomaria a cerveja. Tem outros bares. Foi o que aconteceu, então falou que tinha aberto a cerveja e agora iria tomar. Foi quando o caixa apareceu e perguntou se ia acertar ou não a cerveja, em um tom normal, nem com muita agressividade. Ele, com seu jeito que gosta de brincar com todo mundo, falou "pô, seu viadinho, deixa eu tomar minha cerveja sossegado, já vou te pagar, deixo o dinheiro na mesa para não precisar passar o cartão, você fecha lá".
Afirmou que em momento algum, quem conhece seu caráter, sua lisura, ia ofender uma pessoa, fazer escândalo. Uma que não tem idade para isso, outra que tem vários amigos dessa opção sexual, inclusive tem parentes assim, não ofenderia seus parentes, sobrinha, neto, primo. Falou no calor e da boca para fora. Conhece a pessoa como caixa, já o viu inclusive com roupas diferentes e brincou com ele dessa forma. A maneira que falou foi essa, "a, pelo amor de Deus, deixa eu tomar uma cerveja em paz, viadinho", mas não foi com escândalo, não foi com gritaria. Tinha bebido. O estabelecimento estava quase vazio, tinha poucas mesas, inclusive o dono do bar presenciou e não foi chamar sua atenção. Acha que aconteceu mais ou menos isso. Aí, ele voltou para trás. Tem ensino superior incompleto, é funcionário público municipal, é agente de vigilância patrimonial, mas, às vezes, não exercia, exercia outro cargo na Prefeitura. Hoje é agente de vigilância patrimonial.
Declarou que tinha conhecimento de que N. era homossexual, ali todo mundo via, sabia. Não teve a intenção de ofender a opção sexual da vítima. Na sua geração, anos 60, era fácil falar esse palavrão, era "tomar não sei a onde" e chamar de "viado". Depois foi dando problema quanto a isso. Às vezes solta, na brincadeira com amigos, e soltou, infelizmente, com o rapaz, mas sem, em nenhum momento, querer ofender. Tanto que onde vai em Marília não tem nenhum tipo de reclamação.
O JUIZ DECIDIU
"Pois bem! Em que pese a tese sustentada pela douta Defesa, ao cabo da instrução criminal, restou amplamente demonstrada a responsabilidade do acusado pela prática do delito narrado na denúncia. Nesse sentido é firme e segura toda a prova deduzida, notadamente em Juízo, sob o crivo do contraditório. Comete o crime previsto no artigo 2º-A, da Lei 7.716/89, de acordo com a tese fixada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal no mandado de injunção nº 4.733, aquele que injuria alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, etnia, ou procedência nacional, além da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
A omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênera ou intersex é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. 5. A discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor...
In casu, não se olvide que o relato da vítima, corroborado pelo depoimentos prestados pelas testemunhas, demonstra de forma satisfatória a materialidade e autoria da infração penal...
Assim, devidamente demonstrado o dolo do réu de discriminar a vítima em razão de sua orientação sexual, tendo se consumado o delito de injúria homofóbica. O animus injuriandi é latente em sua conduta, uma vez que a intenção era ofender a honra subjetiva da vítima, ferindo seu amor-próprio, de modo que não há que se falar em insuficiência probatória ou em desclassificação para a injúria simples.
Portanto, ao reverso do que alegado pela douta Defesa, restou demonstrada a prática do delito previsto no artigo 2º-A, da Lei 7.716/89 pelo acusado, e, havendo prova nos autos suficientes a comprovar a autoria e a materialidade delitiva, bem como presente a tipicidade das condutas perpetradas, a condenação do réu é medida que se impõe.
Diante de todo o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva estatal constante na denúncia para, dando-o como incurso no artigo 2º-A, da Lei 7.716/89, condenar o acusado ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto.
Substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo prazo da pena privativa de liberdade substituída, em local e condições indicados pela Central de Penas e Medidas Alternativas desta Comarca e prestação pecuniária no importe de 3 salários mínimos à entidade pública, nos termos do artigo 45, § 1º, do Código Penal, além do pagamento de 10 dias-multa".
Comments